18.2.11

ILUSTRADA

Uma das matérias obrigatórias do curso do segundo semestre na Sorbonne chama-se Crítica Freudiana. Depois de passar os primeiros seis meses estudando a Escola de Geneva e seus principais teóricos, quando o professor começou a falar sobre Freud e suas teorias sobre consciente e inconsciente, libido, ego, super ego, sexualidade infantil, compulsão e etc... a primeira impressão que deu, é que tudo seria mais fácil de compreender. Porque esses temas estão presentes em qualquer conversa de botequim. Todo mundo adora usá-los para justificar ou explicar o comportamento de algum conhecido ou de si mesmo. Esses nomes dados por Freud para explicar alguns dos pequenos desconfortos de alma viraram uma marca, como coca-cola, bic ou gilete, mas tente entender e depois explicá-los, você vai ver que a coisa é mais difícil do que parece.

O professor, um tarado por Freud, menosprezou Jung e Lacan quase que apertando o nariz para não sentir o cheiro deles. Falou dos dois com desdém. Para ele Freud é tudo, e tudo o que vem depois, com exceção a Melanie Klein, é produto de consumo das sociedades modernas. Na minha opinião esse tipo de intelectual indisposto e fechado pode prestar um desserviço enorme para as dezenas de estudantes presentes no seu curso. Por que não falar de outras correntes de pensamento? Mesmo que de passagem, citá-las ou confrontá-las serviria até como auxilio para compreender a obra do próprio Freud. Falta flexibilidade e imparcialidade a eles. Mas é assim que a coisa funciona. Se quiser saber alguma coisa sobre outros psicanalistas, você tem que fazer sua própria pesquisa. O problema é que a maioria dos estudantes não tem nem 21 anos, e a opinião de um professor com toda sua embalagem e laço como ele se apresenta, conta muito.

Ontem no vagão do metrô em que eu me encontrava quando estava a caminho da casa de um amigo, três pessoas falavam ao celular ao mesmo tempo. Querendo ou não você é obrigado a participar da vida dessas pessoas, uma verdadeira invasão da vida delas na sua. Fiquei sabendo que um dos rapazes havia terminado o namoro enquanto ele contava os detalhes para seu amigo que o ouvia do outro lado, ouvi os conselhos que a moça advogada deu para seu cliente, e uma discussão entre uma moça negra que acusava o seu interlocutor do outro lado da linha de tê-la ofendido com insinuações racistas. Os três falavam como se estivessem em suas casas ou escritórios. Isso pode servir de material para literatura, filme e teatro, mas me enche o saco. Tenho vontade de pedir para eles se retirarem do vagão ou para falarem mais baixo, mas me falta coragem. Ontem quando eu começava a me condenar pela covardia, um outro louco mais corajoso do que eu se levantou e começou a aplaudir os sujeitos. Ele parou na frente de cada um deles e os aplaudiu. Estávamos todos espremidos naquela parte reservada para quem entra no vagão e não encontra lugar para se sentar. Assisti a cena um pouco assustado, achei que era algum tipo de publicidade, mas depois quando vi que era uma iniciativa de alguém que havia se sentido agredido como eu, senti vontade de aplaudi-lo por sua coragem. Ninguém interveio. Um por um eles interromperam a conversa, desligaram os celulares bufando, mas constrangidíssimos com os olhares dos presentes. Têm muitos loucos por aqui, alguns são adoráveis.

O Le Monde da semana passada trouxe uma entrevista com Haruki Murakami, o escritor japonês que eu já comentei por aqui e que eu adoro ler. Você pode ler alguns de seus livros no Brasil, se eu não me engano o sêlo Alfaguara é titular de seus direitos. Na entrevista ele comenta sobre seu novo romance chamado “1Q84” , o q em japonês se pronuncia “kyu” que significa 9 e assim o título é exatamente o mesmo de George Orwel, 1984. A literatura de Murakami me toca muito por causa de sua universalidade. Mesmo que fatos utilizados ou o tema de seus romances sejam regionais o que a gente registra enquanto leitor é o sentimento humano e ele independe da língua que falamos ou do país em que moramos. Murakami diz não acreditar ser essencial jogar luz sobre as diferenças culturais. Sem dúvida a maneira de pensar ou de olhar uma paisagem está ligada a vivência cultural do individuo, mas a mensagem percebida é o que importa. Pela densidade de seus romances e também de temas que se desenvolvem paralelamente, eu imaginava que ele fazia planos e esqueminhas para escrever seus livros, do tipo número de personagens, seus perfis e bla bla. Não. Ele diz que começa a escrever as cegas e que não tem a menor idéia do que vai escrever quando inicia um novo romance. Eu me acreditava amador por escrever exatamente dessa maneira. Mas percebo que muitos escritores têm a mesma técnica, isto é, nenhuma, como eu.

“A ficção pode ajudar a revelar uma parcela da verdade.”
Haruki Murakami.

Nenhum comentário: