10.2.11

PAPO CABEÇA

Já faz algum tempo que eu quero falar sobre Fauré. Antes de vir para cá ele fazia parte de um leque de compositores franceses que eu gostava, mas não tinha o hábito de escutá-lo. Gabriel Fauré é uma redescoberta de sentimentos para mim. Porque de alguma maneira sua música me leva para lugares que eu já havia estado emocionalmente. Todavia, os atropelos da vida de alguma forma foram me afastando dessas paisagens. Um amigo me chamou a atenção para a simplicidade disfarçada que a música de Fauré nos transmite. Eu a sinto contida e ampla ao mesmo tempo, generosa dentro das regras que o compositor lhe impôs, um verdadeiro diálogo entre desejos e quereres, possibilidades e impossibilidades. Seu réquiem, por exemplo, para soprano e barítono, com coro, órgão e orquestra em ré menor, opus 48, quando eu o escutei pela primeira vez a primeira coisa que me veio à cabeça foi pensar na morte como alívio e leveza, um desencarne menos complicado. Todos os outros réquiens que conheço vêm acompanhados de milhões de toneladas de pesares e dores. O de Fauré passa pelo impressionismo, comunga com a espiritualidade de uma maneira menos tensa. Se você quiser uma dica, eu recomendo um cd de 1963, gravado na Madeleine aqui em Paris, com ninguém menos que Fischer-Diskau e Victoria de Los Angeles. Ontem tive a oportunidade de ouvir esse réquiem na Salle Pleyel, com o barítono Matthias Goerne que eu conhecia cantando óperas e ainda não o havia visto apresentando uma obra sacra. Deu conta do recado, mas eu quero ouvi-lo cantando esse réquiem daqui uns 15 anos, quando ele tiver uns sessenta anos e sua voz tiver ganhado uma parede revestida de veludo. O maestro Paavo Järvi (regente fixo da sala) optou por uma interpretação um pouco mais melodiosa do réquiem, nada que conseguisse tirar a beleza dele, mas ainda prefiro a gravação de 63 com o maestro belga André Cluytens, mais cerimoniosa e menos levinha.

Já que o papo é cabeça, então aproveito para contar que revi “Da vida das marionetes” do Bergman outro dia. O mesmo bom filme de quando o vi pela primeira vez. Amor, loucura, sexo, desejo, traição, um caldeirão psicanalítico que cozinha durante mais de cem minutos e a gente nem percebe o tempo passar.

O réquiem pede um bom vinho tinto, encoste o corpo na poltrona e boa viagem.
Já o Bergman, qualquer um deles, uma boa dose dupla de whisky para botar a cabeça em ordem em seguida.

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