4.2.11

MÁSCARAS


Na quarta feira depois de ouvir a 6a sinfonia de Chostakovitch na Pleyel peguei um ônibus para ir jantar na casa de um amigo. O ponto fica logo ao lado da sala de concertos e os freqüentadores dela se aglomeram a espera do ônibus e também para serem os primeiros a entrar e encontrar um assento livre. O ônibus nos levaria ao 16éme, bairro considerado um dos melhores para se morar logo antes do Bois de Boulogne, e a maiorida dos passageiros é composta por senhores e senhoras muito bem vestidos que perdem a compostura na briga por uma cadeirinha livre. É interessante observar o comportamento dessa gente que se considera muito chique e que acabou de sair de uma sala de concertos. Você supõe que eles saberiam ser gentis em qualquer situação, mas basta arranhar um pouco a pele de porcelana que cobre os seus rostos que o barro aparece. No meio do trajeto um rapaz negro com um rosto muito bonito e a cabeça raspada, vestindo um casaco de pele pesadíííííííííssimo juntou-se a nós no trajeto. Na primeira oportunidade ele se sentou e começou a se maquiar. Imaginei que aquele seria o caminho para o seu trabalho. O bois de boulogne é conhecido pelos rapazes que se prostituem e os travestis (dizem, na quase totalidade brasileiros) que lá fazem de seu corpo um instrumento de trabalho. Acompanhei a transformação do rapaz durante o tempo em que viajei com ele até o meu destino. Não consegui controlar minha curiosidade e desviar os olhos. A tranqüilidade e a técnica utilizada não eram páreo para a elegância de suas mãos ágeis com pincéis, baton e sei lá mais o que. Fui encantado por seus movimentos. Acho ainda que ele sentia um enorme prazer em perceber que estava sendo observado e se exibiu com maestria para todos os outros passageiros. Com a ajuda de um pequeno espelhinho, em minutos ele se transformou e ficou pronto para o expediente noturno. Desci do ônibus alguns pontos antes do bois de boulogne e não pude ver como ele ficou quando colocou a peruca que ele manteve equilibrada sobre as coxas enquanto se maquiava. Pena. Assisti-lo me levou de volta a alguns camarins de teatro que pude freqüentar quando fiz a documentação fotográfica teatral para o Centro Cultural de São Paulo. A mutação de uma persona para outra é fascinante e desde sempre me instigou. Sempre gostei de ver palhaços se pintarem e depois assumirem aquele papel bufo e ao mesmo tempo trágico. Outro dia vendo um documentário sobre Placido Domingo no papel de palhaço na ópera Il Pagliaci, me emocionei com a cena final em que ele se borra todo enquanto quanta sua tragédia e seu rosto se desfigura. Já em Veneza as máscaras me assustam. Alguma coisa naquelas máscaras congeladas me amedronta, tem algo de morte nos rostos duros, uma frieza forjada que me faz lembrar o tempo todo que por trás delas há outras máscaras.

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