A revista encarte de final de semana do “Figaro” trouxe uma matéria sobre os armênios que vivem na Turquia e sobreviveram ao genocídio escondendo suas verdadeiras identidades e se convertendo ao islamismo. Surpreendeu-me o artigo. Conhecimento sobre judeus que trocaram nomes e se converteram a igreja católica para escapar da inquisição eu tinha, mas de armênios tradicionalmente cristãos convertidos ao islamismo não. O artigo trás entrevistas com essas armênios/turcos que pouco a pouco estão se re-convertendo a sua antiga religião e também resgatando seus nomes de origem. São pessoas que ainda sentem medo e extremo desconforto com a situação. Alguns intelectuais turcos começam a abrir a boca, defendendo a necessidade de se discutir o genocídio, na opinião deles é preciso falar sobre o assunto, só assim tanto a sociedade turca como a armênia vai conseguir suportar e compreender os fatos e ir para a frente. A maioria dos turcos não quer ouvir falar nisso, prefere negar, fazer de conta que isso não existiu. Mais de 1 milhão de armênios foram mortos no início do século 20, os sobreviventes hoje estão espalhados pelo mundo. Acredita-se que hoje aproximadamente 60.000 armênios vivem na Turquia sob “falsa identidade”.
Para mim, descendente de armênios, nascido no Brasil, tudo isso é ao mesmo tempo estranho e muito próximo. Tive um pai extremamente engajado com a causa armênia, homem que passava madrugadas em reuniões com amigos discutindo esses assuntos. Eu sempre fui avesso a qualquer tipo de clubes reservados e regionalismos de todo gênero. Convivo com amigos de todas as cores, incluindo aí os turcos e curdos. Não sou resistente, faço o possível para valorizar as diferenças mesmo quando elas representam dificuldades. No entanto, se reconheço minhas origens e as valorizo, não tenho orgulho por ser isso ou aquilo, orgulho do que? Nacionalidade, cor, origem, não conquistei nada nesse sentido, nasci assim.
Um amigo francês me irritou e decepcionou quando se negou a dar informações a uma mulher árabe que tinha o rosto todo coberto e apenas os olhos a vista. Isso ocorreu há alguns dias, antes da lei que proíbe as mulheres árabes de andarem com o rosto coberto na França. Estávamos no metrô quando a mulher veio pedir informação e ele a ignorou, fez como se ela não existisse. Quando perguntei por que havia feito isso, ele me disse que se recusava a falar com alguém que escondia o rosto escondendo sua identidade. Me senti extremamente incomodado com sua atitude. O rosto é sim parte da identidade de uma pessoa e particularmente acho um horror ter que escondê-lo por razões de credo religioso, mas daí a não falar com a pessoa, não dar uma informação, por favor, não. Sugeri que ele lesse mais, se informasse mais sobre outras culturas, se olhasse no espelho e dormisse com um livro do Lévi-Strauss sob o travesseiro.
Tem também o outro lado, aquele em que qualquer um pode pisotear a religião católica ou judaica, mas quando se quer discutir a islâmica, budista ou qualquer outra, se é policiado e chamado de preconceituoso, racista e etc. Religião, como o próprio nome a define, é só um meio de se ligar a Deus, não importa qual é o Deus, os rituais, crenças, modos, são apenas os meios formais praticados pelo crente para se aproximar Dele. E mesmo acreditando que uma das causas do atual mal estar da sociedade contemporânea está no fato dela ter perdido as referências por excesso de relativismos, acredito que todas as religiões devem ser vistas com desconfiança e relatividade, isto é, qualquer uma que se auto proclamar mensageira única da palavra de Deus.
Agora voltando ao tema. Dê uma olhadinha ao redor. Se você disser que não tem preconceitos você é um imbecil e mentiroso. Qualquer um de nós tem. É natural e humano. A questão não está em ter ou não ter, mas como você lida com isso, já que é um ser racional. O diferente é sempre estranho, pode provocar amor, repulsa, vontade de conhecer, vontade de matar para não ter que conviver, enfim, sentimentos adversos. Agora imagine um mundo feito somente por gente como você, pensando igual a você, agindo igual a você. Passo mal só de pensar num mundo cheio de iguais a mim. Preciso do outro para me ver.
Para mim, descendente de armênios, nascido no Brasil, tudo isso é ao mesmo tempo estranho e muito próximo. Tive um pai extremamente engajado com a causa armênia, homem que passava madrugadas em reuniões com amigos discutindo esses assuntos. Eu sempre fui avesso a qualquer tipo de clubes reservados e regionalismos de todo gênero. Convivo com amigos de todas as cores, incluindo aí os turcos e curdos. Não sou resistente, faço o possível para valorizar as diferenças mesmo quando elas representam dificuldades. No entanto, se reconheço minhas origens e as valorizo, não tenho orgulho por ser isso ou aquilo, orgulho do que? Nacionalidade, cor, origem, não conquistei nada nesse sentido, nasci assim.
Um amigo francês me irritou e decepcionou quando se negou a dar informações a uma mulher árabe que tinha o rosto todo coberto e apenas os olhos a vista. Isso ocorreu há alguns dias, antes da lei que proíbe as mulheres árabes de andarem com o rosto coberto na França. Estávamos no metrô quando a mulher veio pedir informação e ele a ignorou, fez como se ela não existisse. Quando perguntei por que havia feito isso, ele me disse que se recusava a falar com alguém que escondia o rosto escondendo sua identidade. Me senti extremamente incomodado com sua atitude. O rosto é sim parte da identidade de uma pessoa e particularmente acho um horror ter que escondê-lo por razões de credo religioso, mas daí a não falar com a pessoa, não dar uma informação, por favor, não. Sugeri que ele lesse mais, se informasse mais sobre outras culturas, se olhasse no espelho e dormisse com um livro do Lévi-Strauss sob o travesseiro.
Tem também o outro lado, aquele em que qualquer um pode pisotear a religião católica ou judaica, mas quando se quer discutir a islâmica, budista ou qualquer outra, se é policiado e chamado de preconceituoso, racista e etc. Religião, como o próprio nome a define, é só um meio de se ligar a Deus, não importa qual é o Deus, os rituais, crenças, modos, são apenas os meios formais praticados pelo crente para se aproximar Dele. E mesmo acreditando que uma das causas do atual mal estar da sociedade contemporânea está no fato dela ter perdido as referências por excesso de relativismos, acredito que todas as religiões devem ser vistas com desconfiança e relatividade, isto é, qualquer uma que se auto proclamar mensageira única da palavra de Deus.
Agora voltando ao tema. Dê uma olhadinha ao redor. Se você disser que não tem preconceitos você é um imbecil e mentiroso. Qualquer um de nós tem. É natural e humano. A questão não está em ter ou não ter, mas como você lida com isso, já que é um ser racional. O diferente é sempre estranho, pode provocar amor, repulsa, vontade de conhecer, vontade de matar para não ter que conviver, enfim, sentimentos adversos. Agora imagine um mundo feito somente por gente como você, pensando igual a você, agindo igual a você. Passo mal só de pensar num mundo cheio de iguais a mim. Preciso do outro para me ver.