16.4.11

PRIMAVERA BEAT

Ontem a noite fui assistir "HOWL", o filme (que leva o nome de um de seus livros e poemas) que conta um pouco do percurso de Allen Ginsberg e do processo sofrido por causa de sua obra considerada obscena e sem qualidades. A sala da prefeitura do Marais onde exibiram o filme pela primeira vez aqui na França estava lotada. Temia encontrar algumas lhamas sentadas em almofadões e tropeçar em suas sandálias artesanais, mas quando cheguei lá encontrei um público bastante eclético que ia de a à z, formado na maioria por uma gente barulhenta, mais para mal educada interessada em aplacar sua fome no bufê gratuito montado no fundo da sala do que para blowin in the wind. Fui com Colette minha amiga e jornalista americana apaixonada pela poesia dele. O filme não me elucidou nada, conhecia a trajetória de sua vida e na década de 80, apresentado por Caio F., li muito Ginsberg e seus amigos da chamada geração beat, Kerouac, Burroughs. A história é bem contada, entrecortada por desenhos e trechos do processo com o embate entre advogados, a opinião das testemunhas do processo formadas por professores universitários e intelectuais pró e contra seu livro “Howl”. Apenas no final Ginsberg aparece cantando um dos seus poemas. Sua vida íntima, seus amores, o que ele pensa sobre escrever, tem um pouco de tudo lá dentro e vale ser visto, principalmente porque ele evidencia a pobreza criativa do período em que estamos vivendo.

Saímos de lá e sentamos num desses cafés do Marais para beber alguma coisa e conversar. Bebemos muitas coisas e por volta das duas da manhã fomos obrigados a interromper nossa conversa que começou com “as vezes tenho a impressão de que já vivemos tudo, não tem mais nada para ser feito, criado, escrito” e foi interrompida no meio do “o problema é que quando estou amando me transformo numa gueixa e me esqueço de mim, meu projeto é o outro, é observar a ação do outro, é especular o outro e querer a todo custo que o outro me ame já que estou convencido/a que o outro não me ama como eu o amo e não consigo fazer mais nada a não ser pensar no outro”. Oh mon dieu! Veja, talvez essa história de ser gueixa passe. Depois desse período inicial de total entrega e esquecimento do seu moi, seu surmoi volte mais provocativo e com força total, como um renascimento e você se descubra um ser com vontades próprias sem necessidades narcisistas e todas essas merdas teorizadas por Freud que eu preferia nunca ter ouvido falar. Você acha que bebemos muito? Mais non! Queria tanto conhecer aquele bar onde só entram ursos. Colette, s’il te plait! E se um deles resolve te abraçar? Mas é tudo que eu quero nesse exato momento, ser abraçada/o e que meus ossos virem pó.

Voila um pouco de Ginsberg para refletir (?)

CANÇÃO

O peso do mundo
é o amor.
Sob o fardo
da solidão,
sob o fardo
da insatisfação
o peso
o peso que carregamos
é o amor.
Quem poderia negá-lo?
Em sonhos
nos toca
o corpo,
em pensamentos
constrói
um milagre,
na imaginação
aflige-se
até tornar-se
humano —
sai para fora do coração
ardendo de pureza —
pois o fardo da vida
é o amor,
mas nós carregamos o peso
cansados
e assim temos que descansar
nos braços do amor
finalmente
temos que descansar nos braços
do amor.
Nenhum descanso
sem amor,
nenhum sono
sem sonhos
de amor —
esteja eu louco ou frio,
obcecado por anjos
ou por máquinas,
o último desejo
é o amor
— não pode ser amargo
não pode ser negado
não pode ser contido
quando negado:
o peso é demasiado
— deve dar-se
sem nada de volta
assim como o pensamento
é dado
na solidão
em toda a excelência
do seu excesso.
Os corpos quentes
brilham juntos
na escuridão,
a mão se move
para o centro da carne,
a pele treme na felicidade
e a alma sobe
feliz até o olho —
sim, sim,
é isso o que
eu queria,
eu sempre quis,
eu sempre quis
voltar ao corpo
em que nasci.

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