26.4.11

FOGO DE PALHA

Fui me encontrar com um amigo marroquino que não via há alguns anos. Marcamos num Café próximo a estação Alma Marceau, em frente à imensa chama dourada cafonésima sobre o túnel onde Lady Di sofreu o acidente e morreu. O sol estava forte ontem no final da tarde e o Café estava lotado. Meu amigo chegou pouco antes e pegou uma mesinha do lado de fora. Depois de re-atualizar nossas vidas, a conversa foi parar na Lady Di e no monumento agressivamente dourado sobre a ponte. Não me comovo com aquele troço reluzente. Meu amigo marroquino observa com cara de desprezo um grupo de pessoas que se aproxima da chama e deixa um ramalhetezinho feito com as flores das castanheiras próximas ao local. Lady Di parece um nome saído de algum conto medieval, qualquer coisa menos uma santa ou vítima, ou ainda uma pessoa pública de valor inestimável. Está longe, bem distante do meu universo e de pouquíssimos personagens por quem eu acenderia uma vela. Durante o tempo em que ficamos sentados no Café conversando, muita gente passou por lá, deu voltas em torno da chama, olhou para o túnel e seguiu em frente. A chama cumpre sua função, a de lembrar que ali morreu alguém que não alterou a história do mundo, que não teve a menor importância para a humanidade, mas que foi admirada por muita gente sei lá porque e que eu duvido que elas também saibam. Reflexo do momento em que vivemos. O nada pode ser tudo, depende do universo pessoal de cada um e do ponto de vista de quem tem interesse em transformar o nada em tudo. Tudo pode ser valorizado e é relativo. Tem gosto para tudo e todo tipo de gente para gostar de qualquer coisa. Gosto não se discute já diria a minha avó. Você provavelmente deve estar pensando que eu sou um sujeito chato e que não respeita o direito e a liberdade alheia. Respeito sim, mas não gosto que me imponham idéias e muito menos uma visão de mundo baseada na relatividade de tudo. Gosto se discute sim, se você tiver disposição e coragem para comprar brigas com a turba. Sobretudo deve ter consciência de que será visto como um ser em extinção, e por isso mesmo você será isolado, coitado, o bicho pensa e ainda diz o que pensa, nada experto esse bicho. Corre o risco de ser fotografado e estampado em camisetas, mas vai morrer de qualquer jeito porque a idéia é ter você estampado nas camisetas e não refletir sobre suas idéias. O que importa é a intenção. Entendeu? Ter intenção já e o bastante, e melhor ainda se sob a foto estampada estiver escrito em letras garrafais, Sou um cara de intenções. Quando nos despedimos o amigo marroquino parecia indignado. Tinha que ser desse tamanho? E dourada desse jeito? Sorri de volta para ele. Para mim tudo está no lugar certo. Tinha que ser assim, e dourada.

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