18.10.10

NARCISOS


Quando eu ainda era adolescente e comecei a ler os meus primeiros livros, acreditava que os personagens ou pelo menos o personagem principal da história era o espelho do autor que havia escolhido para ler. Na verdade acho que o motivo principal da escolha de um livro era a vida privada do autor. Queria saber tudo, se ele era casado ou solteiro, se era de esquerda ou de direita, o que fazia além de escrever, qual o seu país de origem, como ele pensava, e etc... e quando começava a ler já tinha uma idéia preconcebida do sujeito. Muitas vezes gostava muito mais do autor do que dos livros que ele escrevia. Com Sartre foi assim. Gostava de sua imagem de intelectual engajado e ainda tinha a história dele com a Simone de Beauvoir, um casamento que para mim representava um modelo de união e liberdade. Fui adolescente na década de 70, o Brasil vivia uma ditadura militar, eu tinha conhecimento sobre a situação política do país através do meu pai, um leitor assíduo de jornais e um sujeito que gostava de comentar e ouvir a opinião dos filhos. Escolhia meus autores quase na totalidade por que de alguma forma eu imaginava que eles eram ou haviam sido transgressores ou porque tinham uma posição política a qual eu simpatizava. Gide, Hemingway, Camus, Virgínia Woolf, Norman Mayler, Gore Vidal, Jean Genet, Paulo Francis (li seus livros de narrativa complicadíssima), Jorge Amado, comecei com eles. Patrícia Highsmith talvez foi uma das primeiras autoras que eu passei a ficar interessado a partir de suas histórias. Li todos os livros dela ainda quando morava na Áustria, e só depois fui me interessar por sua vida privada. Com Thomas Mann, Hesse e Kafka foi a mesma coisa, mas eu já era mais velho e já havia começado a vivenciar algumas desilusões e a me desiludir com a figura do intelectual engajado. A partir daí passei a me interessar mais pelas histórias, a prestar mais atenção na trama, na construção dos personagens, no perfil psicológico deles e etc... Lógico que a imagem ideal do escritor para mim ficou sendo a de um sujeito com posições políticas humanistas, não vaidoso (quanta ingenuidade!) e liberal no sentido de ausência de preconceitos (bota mais ingenuidade nisso). Quanto mais minhas aulas na Sorbonne avançam, mais evidente fica a constatação do quão ingênuo eu fui acreditando na biografia desses autores. Lógico que alguns eram fiéis e coerentes politicamente, mas que bobagem acreditar que uma história bem escrita está intimamente ligada ao caráter do escritor.

O que escrevi acima serve também aos professores e intelectuais. Quanta vaidade! Ao assistir alguns deles dando aulas lembro-me constantemente do personagem Bruno do romance do Houellebecq no livro “Partículas Elementares” que é professor e não consegue controlar suas taras na frente das estudantes vestidas com suas mini saias provocantes. E elas são bonitinhas mesmo com seus cabelos selvagens e peles branquinhas. Prontas para sorrir ou se impressionar por qualquer graça ou demonstração de saber. Vaidade é mais ou menos como a inveja, todo mundo tem ou sente, mas não a enxerga nele próprio ou não gosta de admiti-la como parte do pacote que forma o perfil de sua personalidade. Não deve ter cura, mas dá para controlar se o sujeito conseguir ao menos admitir que ela existe e está entre seus sentimentos menos nobres.

A vantagem de envelhecer está aí. Na descoberta e na aceitação dessas constatações. A gente se impressiona menos com as pessoas, o que torna a vida mais besta e sem graça, menos apaixonante, mas também não sente a menor vontade de impressionar os outros. Para a maioria a gente pode passar uma imagem de alguém meio “blasé”, mas a verdade é que quando a gente entende a pequeneza contida nos atos e nas palavras de um ser humano vaidoso, o sentimento natural é o desprezo. O orgulho a gente deixa para uma outra ocasião.

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