Domingo é um dia diferente. Desde há muito tempo eu sei disso. Por alguma razão quando ele está apenas começando tudo parece bom, mas as horas passam e a partir do meio dia vou escurecendo. E escureço sempre muito mais rápido que o próprio domingo, lá pelas cinco horas da tarde já me transformei num breu total. Normalmente para atrasar esse processo mergulho na literatura, ou entro numa sala de cinema, hoje para variar fui à biblioteca Richelieu. Lá sentei-me algumas horas, li, estudei, olhei para os meus iguais, saí para tomar um café e quando voltei me misturei clandestinamente a um grupo de franceses que fazia uma visita guiada pelas salas de exposições da biblioteca. Ouvi atentamente as explicações do guia sobre as peças expostas, mas depois de algum tempo o sotaque cheio de tiques do moço começou a me fazer prestar mais atenção no seu jeito de falar do que nos objetos. Se em Viena a voz nasalada é utilizada pelos vienenses que se pretendem chiques e falam o schönbrunner deutsch, aqui começo identificar alguns trejeitos e um rabicho que sobra ao final de cada palavra dita que acredito não deve ter nenhuma outra utilidade a não ser pretender-se erudito ou sei lá o que. Sei que aos domingos algumas horas antes e algumas depois das cinco vejo o mundo completamente sem filtro. Todo o entorno descolore e passa a ser visto em preto e branco. E quer saber? Não acho tão ruim esse estado de alma. Até tenho um certo prazer nisso. Masoquista? Não, longe disso, mas muito mais disposto a dialogar com uma outra realidade que normalmente é ofuscada pela intensidade das cores.
Numa entrevista no Le Monde o escritor Charles Dantzig que acaba de lançar o livro intitulado “Por que ler?” diz que entre outras razões a gente deve ler porque ler não serve para nada. Porque a literatura não deve ter uma função utilitária, quando lemos estamos sós com o livro e é nesse momento que as coisas do espírito, isto é, tudo que não tem uma função prática, se comunicam e adquirem força. A literatura, se a gente puder dizer que ela tem uma função, é a de nos manter vivos num mundo embrutecido. Quando leio um romance não leio porque acho que depois de terminá-lo serei um homem melhor, mas porque durante a leitura esqueço tudo o que me distrai do que supostamente é vida. E quando estou escrevendo, acontece a mesma coisa, mergulho numa outra realidade que me ajuda a me manter vivo. Enquanto escrevo quero apenas contar uma história, e isso é o bastante para mim enquanto homem, não quero ensinar, não quero dizer nada, apenas contar uma história. Não li o livro de Dantzig, mas li o de Ítalo Calvino chamado “Por que ler os clássicos”, e recomendo. Se você acha que o livro do Calvino é didático e chato, não sabe o que está perdendo.
Veja como a vida da gente pode ficar menos complicada quando dizemos o que pensamos. Ontem fui jantar num pequeno bistrozinho que costumo ir de vez em quando. Como de costume sentei-me numa mesa escondida no fundo do local. O bistrô rapidamente lotou e quatro sujeitos sentaram-se à mesa ao lado da minha. Um deles não parava de fazer piadas, tinha a voz forte, falava muito alto e era do tipo que olha para os lados porque precisa da aprovação enquanto canta trechos de músicas antigas e solta gargalhadas constrangedoras. O proprietário do local passou algumas vezes de um lado para outro e depois de um tempo postou-se ao meu lado e me perguntou se eu estava me sentindo incomodado. Eu disse que sim. Corri o risco de tomar algumas porradas dos sujeitos, mas para minha sorte eles se limitaram a me olhar como se eu fosse um ser repulsivo e eles os normais. Os quatro foram obrigados a se mudar para uma outra mesa próxima da entrada/saída do bistrô. Pude jantar sossegado e ainda fui presenteado com um conhaque no final, que eu acho que foi um prêmio por ter falado o que pensava. Das duas uma, ou estou me transformando num ser insuportavelmente chato, ou o maioria das pessoas não tem semancol. Lógico que as duas variáveis são verdadeiras. E não apenas verdadeiras mas também dependentes uma da outra. Mas é isso, vou continuar a dizer que eles me incomodam, ontem o proprietário do bistrô confirmou o que eu desconfiava há algum tempo: não estou sozinho no mundo, existem outros chatos ainda piores do que eu.
Numa entrevista no Le Monde o escritor Charles Dantzig que acaba de lançar o livro intitulado “Por que ler?” diz que entre outras razões a gente deve ler porque ler não serve para nada. Porque a literatura não deve ter uma função utilitária, quando lemos estamos sós com o livro e é nesse momento que as coisas do espírito, isto é, tudo que não tem uma função prática, se comunicam e adquirem força. A literatura, se a gente puder dizer que ela tem uma função, é a de nos manter vivos num mundo embrutecido. Quando leio um romance não leio porque acho que depois de terminá-lo serei um homem melhor, mas porque durante a leitura esqueço tudo o que me distrai do que supostamente é vida. E quando estou escrevendo, acontece a mesma coisa, mergulho numa outra realidade que me ajuda a me manter vivo. Enquanto escrevo quero apenas contar uma história, e isso é o bastante para mim enquanto homem, não quero ensinar, não quero dizer nada, apenas contar uma história. Não li o livro de Dantzig, mas li o de Ítalo Calvino chamado “Por que ler os clássicos”, e recomendo. Se você acha que o livro do Calvino é didático e chato, não sabe o que está perdendo.
Veja como a vida da gente pode ficar menos complicada quando dizemos o que pensamos. Ontem fui jantar num pequeno bistrozinho que costumo ir de vez em quando. Como de costume sentei-me numa mesa escondida no fundo do local. O bistrô rapidamente lotou e quatro sujeitos sentaram-se à mesa ao lado da minha. Um deles não parava de fazer piadas, tinha a voz forte, falava muito alto e era do tipo que olha para os lados porque precisa da aprovação enquanto canta trechos de músicas antigas e solta gargalhadas constrangedoras. O proprietário do local passou algumas vezes de um lado para outro e depois de um tempo postou-se ao meu lado e me perguntou se eu estava me sentindo incomodado. Eu disse que sim. Corri o risco de tomar algumas porradas dos sujeitos, mas para minha sorte eles se limitaram a me olhar como se eu fosse um ser repulsivo e eles os normais. Os quatro foram obrigados a se mudar para uma outra mesa próxima da entrada/saída do bistrô. Pude jantar sossegado e ainda fui presenteado com um conhaque no final, que eu acho que foi um prêmio por ter falado o que pensava. Das duas uma, ou estou me transformando num ser insuportavelmente chato, ou o maioria das pessoas não tem semancol. Lógico que as duas variáveis são verdadeiras. E não apenas verdadeiras mas também dependentes uma da outra. Mas é isso, vou continuar a dizer que eles me incomodam, ontem o proprietário do bistrô confirmou o que eu desconfiava há algum tempo: não estou sozinho no mundo, existem outros chatos ainda piores do que eu.
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