23.10.10

A VOZ DA CONSCIÊNCIA

Você já falou sozinho? Eu já. E ultimamente tenho sentido prazer em dialogar comigo mesmo. Ando pelas ruas soltando a voz. Até pouco tempo refletia sobre o que eu não conseguia entender silenciosamente, num diálogo interior, uma espécie de monólogo cheio de pudor. Agora boto para fora, falo com os meus fantasmas e mando eles pararem de me encher o saco. Normalmente os pensamentos vem cheios de vícios de raciocínio, com a cara maquiada de pseudo verdades ou afirmativas, e porque a gente se acostumou a aceitá-los como donos da razão, não dialogamos com eles. Resolvi me rebelar, discuto, e se eles continuarem a insistir em me desestruturar eu até mando calar a boca. A sensação de alívio depois dessa dose de auto autoritarismo é quase como a que temos depois de tomar um copo imenso de água com sal de frutas: alívio imediato. Experimente, você não vai se arrepender.

Ontem passei a tarde estudando uma conferência feita em 1969 por Michel Foucault no Collège de France quando ainda era professor de filosofia no Centro experimental de Vincennes. O tema: “O que é o autor? ” Algumas xícaras de café e horas depois meus neurônios e minhas costas pediram descanso. O homem tinha um raciocínio lógico admirável, e para um simples escritor estudante como eu, que nunca se preocupou em pensar sobre o próprio ofício mas apenas em escrever, o tema é fascinante. Passava das dez quando tomei um banho e saí para beber um copo de vinho e ver se encontrava alguém para conversar. Encontrei, mas não quem eu queria, por isso preferi não conversar, mas beber. Ainda tenho ideais por isso as vezes (e bota vezes nisso) preciso beber para borrá-los um pouco. Nem sempre o que a realidade me oferece combina bem com meus ideais, por causa disso, prefiro ficar só que mal acompanhado. Sou teimoso, talvez mais teimoso que idealista. Nem estou falando de amor. Só alguém para passar algumas horas e alimentar os ideais com doses grandes de esperança. Alguns copos de vinho depois as coisas mudam. Posso escolher se quero terminar a noite mais realista e menos esperançoso, ou mais esperançoso e menos realista. E aí que a coisa pega. Aquela voz interior quer começar a querer sair da toca e a gente tem que se impor, mandá-la calar a boca e ficar no lugar dela. Incorruptível. Voltei para casa disposto a continuar esperançoso, mesmo que cada vez mais realista.

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