25.1.11

O QUE VIM PROCURAR

Nunca esqueceram de me buscar na escola. Um dia fiquei esperando muito tempo até que minha mãe veio me buscar. Ela não havia me esquecido, havia se atrasado. Lembro-me que sentei nas escadarias da igreja com minha mochila e a esperei. Enquanto as outras crianças continuavam ali ao meu lado eu não senti o tempo passar, mas assim que elas foram indo embora a sensação de ansiedade tornou-se muito forte. Lembro-me que a escadaria repentinamente ampliou-se, tomou proporções gigantescas aumentando minha sensação de vulnerabilidade, bem como o dia tornou-se cinza e uma sensação de frio tomou conta do meu corpo. Quando minha mãe chegou todas essas sensações deram lugar a uma birra infantil, cheia de reclamações, mas eu sabia que ela não havia feito de propósito. O trabalho, o trânsito, eu não sei agora o que motivou o atraso, mas eu sabia que ela também se sentia mal por estar chegando fora do horário que costumava vir me buscar. Desculpou-se. Passou. Esqueci-me desse dia. Até hoje. Não por acaso. Mas veio a calhar. O dia. O céu. As proporções gigantescas que a cidade repentinamente assumiu.

Sou ainda um garotinho a espera de resgate. O registro daquela ansiedade e a angústia da espera ficaram no disco rígido do meu cérebro. Espero. Sentadinho. Hoje não mais na escadaria da igreja da escola, mas em outras escadarias, em cima de pontes, nas esquinas, nos bares, nos café, dentro do metrô, até caminhando eu espero. Que outras mães venham me buscar. Que me resgatem. Farei birra. E as desculparei pelo atraso.

Se o certo pode vir travestido de errado e se o errado pode ter a aparência do certo, ah isso eu não sei. Não sei ver o que está por trás do detrás. Não sei discernir o certo do errado e o errado do certo. Sei tanta coisa e sei tão pouco ao mesmo tempo. O pouco e o muito nessas horas não servem para nada. Não consigo pesar, não consigo quantificar. Consigo dizer que é pouco. Porque quero mais. E que é muito. Porque quero menos do que está sobrando.

Mas passo rápido do garoto que espera para o velho que imigra. Sou um velho imigrante. Sou eternamente meus avós. Viajo de um lugar para outro. Fugindo da morte, a procura de um refúgio. De-dentro-de-mim-para-fora-e-de-fora-de-mim-para-dentro. Procuro terra firme para ancorar. Encontro. Desembarco. Mas ai de mim que por excesso de imaginação e entusiasmo pensa agora poder ficar e caminhar em terra firme. Encontrar o que vim procurar. Tenho uma senha. Posso sentir o gosto do sal da pele. Tenho outra senha. Posso sentir o cheiro do corpo e pensar que ele pode ser meu. Penetro esses corpos como penetro as ruas dessa terra firme. Eles são meus. Eu os imagino conhecer. Logo o sentimento de permanência me arrebata. Mas a buzina do navio. A buzina do navio está sempre a me avisar. Terra firme não é para você meu caro. Terra firme é só um lugar de passagem.

2 comentários:

Jamille disse...

Apenas para dizer do muito que aprendo com a procura desse velho imigrante. Carinho pra ti sob este sol de Aquário tão teu. E um brinde de rosé no Gai Moulin às tuas palavras... Que escrevas, escrevas sempre...

Sergio K disse...

jamile querida, os dois aprendemos, eu também muito com você. Ah que noite gostosa aquela no Gai Moulin! O dono continua o mesmo louquinho. Vamos repetir em breve.
Um beijo