31.3.09

ÁGUA BENTA

Então você avança. Recua. Avança novamente. Acha que deu passos para frente e na verdade estava parado enquanto tudo ao redor se movimentava. Desconfiado olha para trás novamente. Certifica-se que deu sim passos, evoluiu, chegou perto ainda não sabe do que, não foi somente uma sensação, mas movimentos reais. E agora está num ponto de revelação, palavras dançam como labaredas no seu cérebro e te informam que toda a vez que houve movimento foi por amor. O resto é doença, voltas atrás do próprio rabo e involução.

Missa de sétimo dia de um querido amigo. Igreja da Consolação. Imagens e santos cobertos de roxo. Alguém me diz que é por causa da quaresma. Fecho os olhos. Rezo. Sim, acredito. Tenho fé, mas a razão interfere. Não temo. Dialogo com forças que não compreendo. Do meu jeito, sem regras, instituições. Dogmas somente os óbvios, lá onde a razão e a ciência não conseguem chegar e minha cabeça dá um nó, então cedo. Não permito que a descrença me infecte. Prefiro assim. Gosto de acreditar e me proteger de mim mesmo.

27.3.09

VISITANTE DESEJÁVEL


Das qualidades que demandam cultivo nos seres humanos, delicadeza e gentileza são talvez as que vêem se tornando mais raras nos últimos tempos. Não são matérias subordinadas ao IBAMA, mas seus fiscais contribuiriam muito com a sociedade se começassem a cuidar disso também. Talvez o resto ficaria um pouco mais fácil. Pequenos gestos e atos de delicadeza não são objetos fashion e não podem ser consumidos, são mais complexos, exigem boa vontade e também inteligência emocional. Por outro lado proporcionam prazer imediato aos envolvidos. Talvez por isso demandem cuidados especiais e só podem ser praticados por seres humanos de verdade, com maturidade e consciência do que significa pequeneza e também grandeza de caráter. Fiz esse prologuinho para falar um pouco do filme “O visitante”. Porque é assim que eu o analisei durante e depois da projeção. Saí do cinema pensando na quantidade de tempo que desperdiçamos durante o decorrer da vida com nossas picuinhas e pequenezas, muitas vezes apenas porque deixamos de usar com propriedade nossas emoções e também a razão em proveito de algo que podemos construir. Gostei demais do filme. Até mesmo quando ele se tornou previsível. Porque a exposição da rigidez sendo gradualmente quebrada pela introdução da delicadeza na vida do protagonista é muito bem feita. No filme, tudo isso é muito bem explorado. Do roteiro ao desempenho de cada um dos atores que nele trabalharam. O sujeito vai se tornando mais humano a partir de suas próprias iniciativas. E as outras pessoas que “sofrem” o efeito bom de suas iniciativas retribuem com a mesma moeda. Moeda essa que não tem nenhum valor mercadológico. Gentileza e delicadeza não se compram e nem se vendem, existem para serem cultivadas e praticadas. Mesmo quando a realidade individual não aponte para a justiça. O mundo não é justo. Os homens não são justos. Mas o sofrimento pode ficar mais suportável.

26.3.09

GRAMA


Não sei se o mesmo acontece com todo mundo, mas acho que rendo mais quando tenho muita coisa para fazer. Quando os dias são mornos e lentos, as horas se arrastam e o trabalho não rende. Penso em um montão de coisas, pessoas, lugares, o que poderia fazer ou não fazer, vou e volto, não saio do lugar e quando o dia terminou percebo que não produzi nada. Uma amiga me disse que isso é bom, que eu não percebo, mas as coisas estão acontecendo lá fora e dentro de mim. Que a gente não percebe, mas a grama cresce mesmo assim. Eu sei. Mas não sou grama e tenho uma cabecinha que fica me maltratando e cobrando resultados. Relaxa, ela diz, pare de pensar e deixa a vida te levar. Justo para mim, que prefiro acreditar que posso conduzir minha vida nas direções que eu quiser escolher. Mas isso não existe, eu também já sei, demorei para aprender mas aprendi. Porque já fui surpreendido inúmeras vezes com situações que não escolhi e que no final se mostraram muito melhores do que as que eu havia escolhido. Surpresas são muitas vezes a cereja do bolo da vida, ou o queijo ralado que faltava na macarronada. Mas o que não gosto mesmo é dos dias sem tempero, aqueles em que você vê clarear e anoitecer, tua sombra deu trezentos e sessenta graus e partiu, e você continuou no mesmo lugar. Então outra amiga me disse que os dias são todos iguais, a gente é que acorda diferente. Pode ser. Pensando bem até acho que tem um q de verdade nisso. Mesmo porque já vi muita gente cinza em dias ensolarados, ou o contrário também. No final penso que é tudo interdependente. Dias e gentes, sol e lua, humor e amor, trabalho e ócio, a gente só tem que entrar no ritmo. Não ser tão resistente as oscilações da natureza.

23.3.09

DIAS DE RABANADA

Há dias em que a gente acorda e sabe que teria sido melhor não acordar. Dias em que a gente não se reconhece e é meio zumbi. Cuja consciência despertou no piloto automático. Em que a percepção do mundo real não acontece como nos outros dias. Nesses dias a gente deve fazer somente o que é possível. Mesmo porque o impossível é mesmo impossível de se fazer, só que nesses dias isso fica evidente. Mas quando o dia está assim, com cara e gosto de pão amanhecido, a única alternativa é fazer uma rabanada com ele. Intumescê-lo nas horas líquidas e infindáveis e depois de fritá-lo, comê-lo. A digestão é um outro assunto, outro dia a gente fala dela. Não cabe ao indivíduo que está sofrendo os efeitos desse dia tentar interferir na ordem das coisas. Apenas respire para não sufocar. E espere o dia acabar.

21.3.09

SHORT STORY


Ainda na cama, de olhos abertos, espreguiça os pensamentos. Prenúncio de como o dia será. Querendo ou não terá que se emaranhar na teia invisível que o espera do lado de fora do quarto. Olha para o relógio sobre o criado mudo, fecha os olhos, sem perceber adormece. Sonha. Um lugar que não é o seu, um homem desconhecido, um cachorro que late em algum lugar muito distante. O homem começa a caminhar em sua direção. Sorri. Passo a passo tenta se aproximar, mas ao contrário do que aconteceria se ele não estivesse sonhando, quanto mais passos o homem dá em sua direção, a distância entre os dois aumenta. Ele sabe que isso não é possível, mas observa. Do lugar onde está não pode fazer nada. Espera. Vê o homem se distanciar a cada novo passo. Emparelha as palmas das mãos rentes a sua boca e grita: “não venha, fique onde está, fique-onde-está”. O homem interrompe seu curso. Obedece. Fica. Distante. Então é ele quem começa a ir em direção ao homem que o espera. Um beijo na boca. É seu único pensamento enquanto caminha em direção ao homem. Antes o abraço. Para sufocar a dor. O cansaço. Pronto. Estão muito próximos agora. Já podem se tocar. O cachorro que latia longe se aproxima. Cheira seus tornozelos, vira, rodopia, volta, enfia o fuço entre suas pernas, abana o rabo, cheira seu sexo. O homem sorri. Apóia as duas mãos sobre seus ombros e diz: “que bom que você conseguiu chegar até aqui, que bom. Agora continue, faça o que deve fazer”. Acaricia a cabeça do cachorro e completa: “estaremos aqui quando você voltar”. Sem aviso ele abre os olhos. Procura o relógio para ver as horas. Dá um salto da cama. Está atrasado.

19.3.09

ALGO A TE DIZER

O livro “tenho algo a te dizer” de Hanif Kureishi é bom de ler, o texto é veloz e o conteúdo contemporâneo, tem passagens muito ricas em informação e humor, mas em outras ele é prolixo demais. Escrevo “prolixo demais” porque acho que as vezes você até pode se estender sobre algum tema ou detalhar uma situação, mas deve saber ou perceber quando está se estendendo além da conta. Ele tem a capacidade necessária para incluir num só romance muitos assuntos, e esse é um dos pontos fortes do livro. Gosto de como ele vai construindo a narrativa, rápido, porém sem atropelar, desenhando o universo dos personagens de acordo com suas falas e situações e provocando a curiosidade do leitor. Kureishi para quem não sabe é autor do roteiro do filme “Minha adorável lavanderia”.

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Conheço muita gente interessante que depois de pouco tempo passa a ser desinteressante, porque não consegue parar de falar de si mesma e cai no buraco sem fundo do hedonismo barato. Uma marca do tempo em que vivemos. Temos uma oferta gigante de informação, mas as pessoas não fazem uso delas. Sabem tudo, fazem tudo, estão em todos os lugares, mas não absorvem nenhum conteúdo do que dizem saber ou fazer e dos lugares onde estão. A fissura para pertencer e se sentir incluído é tão grande que elas não conseguem reter nada dentro de suas cabecinhas. Então, falar de si é o que sobra.

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Um trechinho do livro:

"Contra a morte e o autoritarismo só existe um remédio" ele disse certa vez. "Amor?"sugeri; "Cultura, eu ia dizer", ele respondeu. "Muito mais importante. Qualquer palhaço pode se apaixonar e fazer sexo. Mas escrever uma peça, pintar um Rothko ou descobrir o inconsciente - não são feitos extraordinários da imaginação, única negação do desejo humano de matar?"

17.3.09

REGISTROS

O CÉU:
Ontem tive a oportunidade de ver e tocar nas primeiras edições dos livros do Monteiro Lobato. O sítio do pica pau inteiro reunido dentro de uma estante. Vi também, originais, desenhos, documentos históricos, registros contábeis que fazem parte da história da vida de um dos autores que mais alimentou minha imaginação quando criança. Um privilégio que ainda estou saboreando.

O INFERNO:
Hoje fui visitar um amigo que está internado no Hospital das Clínicas. Depois de me identificar no quarto andar, tive que descer ao terceiro para depois subir ao sétimo (onde meu amigo está). Não entendi a lógica, mas desci “acompanhando sempre a faixa amarela” e subi. Passei por dezenas de pessoas que aguardavam para poder subir até as UTIs. Depois, atravessei longos corredores onde vi todo tipo de gente, muitos em macas, perambulando de pijamas, amputados, operados, crianças alérgicas chorando. Rezei. Encontrei meu amigo. Conversei, desejei, me despedi. Voltei a rezar.

15.3.09

PÁGINAS DA VIDA

Passei a manhã do sábado visitando sebos no centro da cidade. Um amigo, livreiro de Juiz de Fora, se hospedou em casa e eu o acompanhei. Impressionante a quantidade de pessoas entrando e saindo desses sótãos e porões. Alguns muito bem organizados, já informatizados, outros um amontoado de livros, discos, vídeos e dvds. Mas o que me chamou a atenção é a diversidade de interesses dos freqüentadores. Gente que procura de tudo, gibis específicos, livros de história que tratam de um único período cuja princesa irmã do rei casado com a tia do príncipe avô do imperador, ou ainda um escritor que escreveu sobre o vale da mandioca na serra do tatu voador. Enquanto meu amigo vasculhava as prateleiras, atrás delas eu prestava atenção nas consultas e perguntas que os outros freqüentadores faziam. Há um prazer embutido nessa busca por livros raros que é diferente daquele típico dos consumidores de livros novos. Não é só no conteúdo que o freqüentador de sebos está interessado, mas no próprio objeto. Capa, edição, condição do livro, preço e etc. Na maioria dos sebos os vendedores são muito bem informados, vão até a prateleira e pinçam o livro procurado com precisão, em outros o caos impera, Machado de Assis dialoga com Rui Barbosa, Napoleão com Duque de Caxias e a revista com fotos da Xuxa nua esconde uma pilha de Reader Digest. Alguns têm música ao vivo, outros tocam jazz em suas vitrolas, na maioria só se ouve o arrasta pés dos curiosos. E você não deve sequer pensar em voz alta se se interessar por algum livro, basta alguém perceber e você dançou. Perdi a chance de comprar uma primeira edição de um livro do Drummond assim. Descobri o exemplar na prateleira, retirei, examinei, por alguns minutos refleti se deveria ou não levá-lo, pronto, adeus, um sujeito se aproveitou da minha indecisão e levou o Drummond para casa.

13.3.09

LOVE ME TENDER

Pertinho de casa tem um supermercado onde costumo fazer compras. O estabelecimento não é muito grande e bastante desorganizado em razão do pouco espaço. Mas vale a pena porque os preços são melhores do que em outros mercados de renome. Hoje quando fui fazer compras deparei com uma violinista logo na entrada, com uma caixa de som e um violino elétrico se apresentando no local. Por causa do amplificador, de qualquer ponto era possível se ouvir a música. O repertório era bem eclético, de Elvis Presley a Beatles, passando por Djavan e Roberto Carlos. No corredor de azeites comecei a entristecer, o “Love me tender” invadiu meus ouvidos e detonou uma melancolia penetrante, quando ela emendou um “Yesterday” pensei em sair correndo, me faltou o ar e a tristeza se apossou de vez. Ao invés de dois vidros de azeite peguei apenas um, desisti do vinagre balsâmico, devolvi o vinho tinto, e quase pulei para dentro do carrinho na esperança de que alguém viesse me empurrar e me levasse para fora. Imagino que eles acreditavam que os fregueses ficariam menos tensos e mais dispostos a consumir, no meu caso, provocou exatamente o oposto. Não é uma boa idéia ter uma violinista tocando dentro de um supermercado. Sei que a moça está defendendo um trocado, e por incrível que parece achei que a situação dela é ainda pior que a de muitos escritores mendigos que tem que vender seus livros na baixa augusta, mas a coisa pegou, e deu torcicolo na alma. Melhor não. Talvez um DJ com sons alternativos dançantes, jovens vestidos de coelho da páscoa e bunda de fora, piscinas de bolas de plástico para a gente se jogar, pode tudo, menos violino elétrico.

10.3.09

REAPRENDENDO A FAZER TROCA TROCA

Encontro muita gente durante o dia. Quase todo mundo quer falar, falar e falar, e contar sobre seus problemas, necessidades, amores mal sucedidos, carências e mais uma lista de queixas. Sou participativo. Dentro do meu limitado poder de bombeiro, tento apagar o fogo, ajudar a pessoa a pular o muro sem se machucar, subo na arvore e pego o gato que não conseguia mais descer, enfim, tento, faço o possível. Não sou psi, nem atra nem ólogo, nem trabalho no cvv, apenas um rapaz atencioso. Mas, o número de pessoas precisando de bombeiros está aumentando espetaculosamente. Tenho medo de perguntar que horas são e o sujeito começar a chorar. Não sei se é um dos efeitos da crise. Não sei. Penso na possibilidade de sair para a rua com óculos escuros espelhados e fones de ouvidos, imitar um desses débeis mentais que costumo ver no metrô ouvindo som de péssima qualidade no máximo volume, pequenas ilhas escarpadas onde não é possível ancorar nenhum tipo de embarcação. Outro dia vi uma charge na página do UOL onde um psiquiatra mandava seu paciente começar a roer suas unhas novamente. Florais de Bach também podem ser uma alternativa, tem alguns que baixam a ansiedade, outros que moderam a angústia. Enfim. Ser humano também serve como paliativo, mas não funciona quando não há troca. Manual: você fala, eu escuto, depois eu falo e é você quem escuta, e um de cada vez. O velho e bom troca troca, nada mais.

9.3.09

REFLEXÕES

Para abrir a semana, frase que me fez engasgar quando tomava meu primeiro café:
“Com o limite de tamanho, as pessoas são mais espontâneas. A idéia é minimizar pensamentos”. Dita pelo criador de um troço chamado twitter, onde só é possível expressar suas idéias com um limite de 140 carcteres. Minimizar o que? Palavras que expressem pensamentos? Antes de tudo é preciso encontrar gente que realmente pensa, nesse mar de papagaios educados com quem somos obrigados a conviver.

Frase que me fez refletir foi a do escritor Bernardo Carvalho em sua entrevista na Folha. Ele afirmou que os gays lêem muito pouco, quase nada, a maioria não é de leitores. Acho que ele pode ter razão. Pode ser verdade, mas não acredito que heterossexuais percentualmente leiam mais que homossexuais. Talvez se comparássemos quantitativamente, aí sim. Não sei se há uma estatística ou estudo. E não acho importante classificar leitores por gênero. Imagino que ele não tenha tido a intenção de estigmatizar, sua frase foi dita quando perguntado sobre a presença de personagens homossexuais sempre presente nos seus livros. A formação de leitores passa pela educação e formação cultural do seu meio. Seguindo esse raciocínio posso afirmar que muito menos negros dançam valsas que brancos.





8.3.09

HESSE

Pensar, esperar e jejuar.
Um deserto.
Qualquer um pode entrar.

6.3.09

ANJO EXCOMUNGADO

Quando li a notícia ontem sobre a excomunhão imposta por um bispo à menina de nove anos estuprada pelo próprio padrasto e também a dos médicos que lhe fizeram o aborto (gêmeos) e da mãe, senti vontade de chamar a Igreja pro pau. Aí pensei, e adianta? É importante o que a Igreja pensa? Eles não dão a mínima para o que a gente diz mesmo, então vou tomar uma coca cola e tentar esquecer o que penso sobre eles. Mas não agüentei. A notícia da tragédia imposta à vida dessa garota me acompanhou até hoje de manhã. E quando li em reportagem do Estadão que o bispo disse não ser essa a vontade de Deus (o aborto) e por isso ela deveria ser excomungada, então o sangue ferveu em minhas veias. Sim, para a maioria da população a Igreja ainda é um importante regulador moral. Principalmente para aqueles que dividem a mesma condição social da menina. Gente simples, renegada a um lugar sem nenhum destaque dentro da sociedade. Gostaria de ouvir a opinião do bispo sobre a vontade de Deus na hora em que o pai da menina estava estuprando a mesma. A obrigação da Igreja nesse momento deveria ser a de ampará-la e não de condená-la. De assisti-la e não abandoná-la. Mais uma vez, uma manifestação retrógrada e inculta, para fazer valer um de seus dogmas. Passam por cima de um de seus próprios mandamentos, invocam o nome de Deus para justificar suas idiotices.

Em tempo. Os argumentos dos médicos para o aborto realizado são mais do que realistas e justificáveis: uma menina de nove anos não tem ainda nem o físico desenvolvido para gestar ou dar a luz. Morreria no parto.


4.3.09

BANHO DE LOJA

Fazia tempo que eu não voltava para casa caminhando. Para fugir do calor da rua, resolvi encurtar caminho pelo Pátio Higienópolis. Qual não foi minha surpresa ao encontrar a antiga livraria Siciliano agora transformada em “MegaStore Saraiva”. Sim, você leu direito “MegaStore Saraiva”. Enquanto vasculhava a “MegaStore Saraiva”, fiquei pensando sobre a necessidade dela se chamar MegaStore Saraiva. Talvez Saraivão... Eu sei, ninguém gostaria de falar que comprou um livro na Saraivão, mas MegaStore também não corresponde a grandeza que querem colar a imagem da loja. A Saraivão é um pouco maior talvez que uma loja de menor porte, e não tem tantos títulos assim como uma MegaStore deveria ter. A nova Saraivão é melhor que a antiga Siciliano, que era uma vergonha como livraria, mas não se equipara a outras livrarias conhecidas pela enorme variedade de títulos e autores. Melhorou um pouquinho só: assumiu ares intelectuais com suas estantes de pé direito alto e pretas, mas como se diz na linguagem jurídica, uma breve análise perfunctória no local denuncia o banho de loja superficial.

1.3.09

LIÇÃO DE CASA

Ontem enquanto comia meio galetinho num pequeno restaurante no centro da cidade, ouvia o diálogo de três mulheres sentadas numa mesa logo ao lado da minha (não dava para não ouvir, porque elas falavam num tom de sala de estar). Então uma delas disse que não tinha ido assistir ao “Milk” porque ficou sabendo que era um filme gay e não tinha nada a ver com aquilo. Quase me engasguei com a asinha de frango que começava a destrinchar. As três olharam para mim assustadas. Disse a ela que exatamente por isso achava importante ela assistir o filme. Vi que ficaram assustadas, afinal o que é que eu tinha a ver com isso? Ora, se elas podiam falar naquele volume de voz invasivo, pensei que era para tudo mundo ouvir e conseqüentemente participar da conversa, dar opinião, dividir a porção de batatinhas da mesa delas. Afinal eu estava sendo obrigado a ouvir toda a conversa, não conseguia ler o jornal que levei para me acompanhar no almoço. Porque eu não poderia me meter no assunto delas se elas estavam falando para todo mundo ouvir? Depois disso resolveram falar mais baixo, num volume apropriado para um restaurante, isto é, onde outras pessoas também estão, e não devem ser obrigadas a ouvir o que não querem. Me senti um Michel Douglas versão light no filme “Domingo de Fúria”. Consegui ler e comer normalmente. Enfim defendi o meu espaço, uma lição que a senhora que ainda não foi ver “Milk” “porque o filme é gay”, poderia começar a entender se fosse assisti-lo.

Se o calor continuar como está, provavelmente a versão light do Michel Douglas vai dar lugar a uma mais fiel. Saudades dos dias de outono. Menos luz, cores menos intensas, mais conforto ao caminhar pelas ruas, menos cultura do sovaco, menos rasteirinhas. Tudo menos, menos isso.