13.10.10

LUXO


Como toda metrópole, Paris é uma cidade extremamente barulhenta. Logo de manhã sou despertado pelas vozes dos garis que conversam uns com os outros gritando e, a não ser que você tenha janelas com vidros anti ruídos, impossível não ouvi-los. Outro barulho perturbador é o som das sirenes das ambulâncias que atravessam a cidade ligadas num volume absurdo e inutilmente alto. Não entendo porque precisam fazer o escândalo que fazem, na verdade você corre o risco de morrer de susto se estiver ao lado de uma delas no momento em que o motorista ligar a sirene. Desde que li o último livro do David Lodge (“la vie em surdine” que recebeu o absurdo título em português “Surdo Mundo”) passei a reparar no enorme número de pessoas que usam aparelhos de audição. E o que me chama atenção é o número de pessoas cada vez mais jovem que precisa usar esses pequenos pontos antes vistos apenas nos ouvidos das pessoas mais velhas. Na Sorbonne tenho um total de seis professores, dois deles usam, e são relativamente jovens. Dia desses um deles, M. Fraisse, foi obrigado a interromper a aula até que a ambulância se distanciasse suficientemente para que ele pudesse continuar. São barulhos desnecessários, que vão desde o tom alto da voz de alguém que fala muito alto ao seu lado, passando pelos sons das chamadas dos celulares, escapamentos das vespas/lambretas, enfim, um montão de sons que poderiam ser reduzidos se as pessoas tivessem um pouquinho só de bom senso.

Hoje passei o dia inteiro na biblioteca François Miterrand fazendo pesquisa. O silêncio dentro das salas era de outro mundo. Um prazer inenarrável. Aproveitei para ver uma pequena exposição do fotógrafo francês Raymond Depardon chamada La France numa das salas de exposição da biblioteca. Tecnicamente as fotografias são perfeitas, imagens de fachadas de estabelecimentos comerciais no interior da França, enfim tudo que não me provoca a menor emoção. Mas o prazer proporcionado pelo silêncio me chamou para dentro das salas de leitura e logo eu esqueci as fotografias esteticamente perfeitas.

Na verdade gosto cada vez menos de tudo que parece perfeito ou do que pretende ser perfeito. O erro, a falha, o desvio, o desarrumado, o estranho, o que me força a pensar e ter que olhar com mais atenção para encontrar o belo onde ele parece não ter lugar, tudo isso vem me interessando cada vez mais.

Um comentário:

Lícia disse...

Silêncio interno, difícil mas necessário.