Tenho uma réplica do quadro “O Beijo” do Gustav Klimt pendurado na parede em frente a minha mesa do computador. Hoje notei que parte dele se desbotou. A lateral que contorna o corpo do homem beijador clareou, a outra lateral, que contorna o corpo da mulher que está sendo beijada, continua com as cores de sempre. O beijo já tem mais de cem anos. Recentemente eu pude revê-lo no museu belvedere de Viena. Lá ele continua com todas as suas cores intactas, ao lado de outras obras do Klimt, e é bem maior do que a minha réplica. Pensei em algumas hipóteses que o levaram a decidir se rebelar contra mim: a) cansou de suportar meu olhar desejoso, b) desenergizou de tanto beijar a moça c) não agüenta a claridade do céu brasileiro, d) não suporta saber que eu sei que ele é uma réplica e por isso decidiu se suicidar e) nenhuma das razões acima citadas, o problema está em mim, que insisto em achar que ele está desbotando porque é uma réplica.
Estava dentro do elevador subindo para o meu apartamento quando a música “Pavane pour une infante défunte” do Ravel penetrou os meus ouvidos. O volume foi ficando mais alto à medida que eu me aproximei do meu andar. Quando o elevador parou, os acordes haviam invadido o hall de entrada. O filho do meu vizinho, que calculo tem no máximo doze anos, estudava essa peça que eu considero uma das mais tristes do repertório do Ravel. Tratei de enfiar logo a chave na fechadura e entrar correndo para fugir de seus tons fúnebres, não queria que ela me fisgasse, despertasse o “infante mélancolique” que há dentro de mim. Não teve jeito. Ele deve ter repetido a Pavane por mais de uma hora. Nessa mais de uma hora percebi que “O Beijo” está desbotando, que a metade do conto que eu havia começado escrever ontem a noite não serve para nada, que o último pedaço de bolo de laranja que a Maria fez para mim, e que no caminho para casa eu imaginei poder proustianamente comer tomando chá, havia mofado. Bem. Não. Sim. Talvez. Estou mais calmo agora.
Estava dentro do elevador subindo para o meu apartamento quando a música “Pavane pour une infante défunte” do Ravel penetrou os meus ouvidos. O volume foi ficando mais alto à medida que eu me aproximei do meu andar. Quando o elevador parou, os acordes haviam invadido o hall de entrada. O filho do meu vizinho, que calculo tem no máximo doze anos, estudava essa peça que eu considero uma das mais tristes do repertório do Ravel. Tratei de enfiar logo a chave na fechadura e entrar correndo para fugir de seus tons fúnebres, não queria que ela me fisgasse, despertasse o “infante mélancolique” que há dentro de mim. Não teve jeito. Ele deve ter repetido a Pavane por mais de uma hora. Nessa mais de uma hora percebi que “O Beijo” está desbotando, que a metade do conto que eu havia começado escrever ontem a noite não serve para nada, que o último pedaço de bolo de laranja que a Maria fez para mim, e que no caminho para casa eu imaginei poder proustianamente comer tomando chá, havia mofado. Bem. Não. Sim. Talvez. Estou mais calmo agora.
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