Tenho um amigo que diz não conhecer nenhum outro remédio melhor para esquecer uma decepção do que viver outra ainda maior. Eu completo afirmando que é porque a gente esquece muito rápido das decepções, com raras exceções (desculpe o excesso de ões, mas não deu para evitar e estou com preguiça para encontrar um sinônimo), qualquer segundo de felicidade é capaz de fazer esquecer horas de sofrimento. Outro amigo usa o mesmo raciocínio para o amor, outro ainda para seus horríveis porres, e eu que dificilmente sofro de decepções porque espero muito pouco do ser humano (a gente fala sobre isso num outro dia, agora não é o momento certo), adequo essa suposta verdade para a literatura. Na mesma tarde em que abandonei o premiado livro “O tigre branco” por tê-lo achado uma decepção e um porre, comprei o último do David Lodge que aqui na França teve o título traduzido para “La vie em sourdine”. Nao poderia ter tido idéia melhor.
No Brasil o livro se chama “Surdo Mudo”, Marcelino Freire fez uma resenha na Folha de São Paulo e eu compartilho de sua opinião, o livro é um imenso prazer. Do autor eu já conhecia “Terapia” e “Duras Verdades”, mas esse os supera em quase tudo, porque o humor está ainda mais refinado, e a sensibilidade para falar das relações humanas parece ter atingido uma maturidade não vista nos outros romances. Mesmo lendo o livro em francês, o que me leva muitas vezes a ter que parar e pensar sobre uma ou outra palavra, Lodge me emociona e me enche de esperança. É, eu disse esperança mesmo. O escritor que já ultrapassa os setenta anos, escreve cada dia melhor, e eu quero acreditar que para um escritor, envelhecer pode ser uma contribuição. Não necessariamente dever ser uma regra, mas acredito que o homem (ao menos aquele que amadureceu) abandona alguns vícios e também algumas vaidades. Orgulho e vaidade são sentimentos que eu desprezo nas pessoas, e quando eu os reconheço em mim, trato logo de começar a aniquilá-los. São sentimentos inúteis e bobos. Como o calor aqui ainda está insuportável, entre o meio dia e as seis da tarde fico em casa lendo, e “Surdo Mudo” tem me proporcionado horas de prazer. Já teria acabado de ler, não fossem as interrupções provocadas pelos meus vizinhos de andar. Um casal de árabes com um filho chamado Mohamed (inevitável) e outro de judeus com um bebê que ainda não sei como se chama. Sei que estou bem no meio, meu apartamento fica entre os dois e me considero a própria faixa de Gaza. Os dois casais são educados quando entram comigo no elevador, porém são barulhentos e falam muito alto, e Mohamed que já deve ter uns sete anos, deve se alimentar de pilhas duracel logo de manhã. Interessante observar (querendo ou não sou obrigado a ouvir os casais conversando, o calor nos obriga a deixar as janelas abertas, e essas janelas dão para um pátio interior que, acredito, reflete o som que sai dos apartamentos), os dois homens são fortes e pelo que percebi são eles os bambambans da casa. Já as mulheres são bem diferentes, a árabe quase não fala, passa o dia dentro de casa cuidando do Mohamed e dos afazeres do lar e esperando o Mohamed senior chegar para jantar, já a vizinha judia encara o marido por qualquer motivo, está sempre discutindo com ele, e entra e sai do apartamento praticamente o dia inteiro. As vezes dou de cara com ela na entrada do prédio, digo bom dia ou boa tarde e trato de me apressar. Ela adora fazer perguntas, quer saber tudo sobre a minha vida. Daria para fazer um roteiro de novela das sete, estou a disposição para co roteirizar e dar consultorias.
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