(escrevo do notebook sem tio, sem cedilha e outros acentos da língua portuguesa)
Estou na Austria desde sexta feira. Vim para rever amigos, passar alguns dias, e tentar amenizar a angústia da espera da resposta que aguardo da Sorbonne. Vivi 12 anos aqui, uma vida provinciana, pacata, previsível, e hoje me pergunto como fui capaz de renunciar a vida urbana que me é tao valiosa. Na época todos esses registros da realidade local me eram evidentes, mas nao me perturbavam com agora. O contato com a natureza me proporciona um imenso prazer, mas a falta de alternativas culturais que preenchem o vazio das horas como salas de cinemas, livrarias, cafés, exposicoes, empobrece e muito a vida das pessoas. Fala-se muito, come-se muito, fofoca-se muito, uma eterna corrida em círculos na qual o rabo nunca é mordido. A lusitana gira, o mundo roda e eu também mudei bastante. Amanha vou para Viena, de onde na quinta parto para Paris novamente. Lá a natureza está confinada em parques, o cheiro do mato nao é tao frequente, por outro lado sou obrigado a me programar e até a fazer listas de prioridades do que quero ver tamanha a abundância de opcoes culturais, o que verdadeiramente me interessa.
Ontem antes de dormir assisti um pouco de televisao. O tema em 4 canais alemaes e um austríaco era o constante aumento do número de neonazistas nesses dois países nos últimos anos. Reportagens feitas por gente séria, e por isso mesmo assustadoras. Eles estao ainda mais organizados que na década passada, e com o descrédito da direita aparentemente menos xenófoba, muitos eleitores e simpatizantes passaram a engordar os partidos clandestinos e também as manifestacoes publicas dos partidos ultra direitistas. Antigos pudores e refroes conhecidos se transformaram em palavras de orgulho, expoe-se abertamente em qualquer bierhalle a vontade de se exterminar as impurezas da sociedade, tudo que vem de fora e é estranho a cultura alema. Esqueca a palavra minoria, nao nesse caso, o índice medidor de porcentagens aponta para cima. Tentar rastrear os motivos do crescimento do número de simpatizantes nas camadas mais pobres da sociedade ou justificar tal tendência ao aumento de desemprego também é jogar seu tempo fora. Comece por cima, nas camadas abastadas e formadoras de opiniao, por quem nao aparece e nem quer mostrar o rosto mas que manipula eficiente e silenciosamente o fermento que faz crescer a massa.
Hoje visitei um amigo que nao via há mais de dez anos. Até dois anos antes de minha partida nos víamos quase que diariamente e por uma série de motivos fomos nos afastando. Fui a casa dele sem antes avisar. Toquei a campainha e ele botou o rosto na janela da cozinha e gritou para que eu entrasse sem mesmo ver quem estava na porta. Quando me viu seus olhos umideceram, por alguns segundos ele conseguiu controlar as emocoes, depois me abracou e o choro escorreu desavergonhado sobre suas bochechas. Um homem que ano que vem fará 80 anos. Contou-me sobre sua vida nesses últimos dez anos em que estive ausente, o que fez e o que nao fez, seus medos, suas esperancas, seus sonhos, sua vontade de viver pelo menos até os cem anos. Um homem que antes nao conseguia demonstrar sentimentos nem expressá-los. Um homem que sufocava suas emocoes na terra fria, e as enterrava caprichosamente nos buracos que cavava para plantar legumes, verduras e flores. Alguma coisa dentro dele ficou explicitamente mais doce. A expressao facial está mais terna. O dedo verde se humanizou, é de carne e osso, e eu passei o resto do meu dia acreditando um pouco mais no ser humano, no poder de curandeiro do tempo, na vida, no amor, na palavra.
Estou na Austria desde sexta feira. Vim para rever amigos, passar alguns dias, e tentar amenizar a angústia da espera da resposta que aguardo da Sorbonne. Vivi 12 anos aqui, uma vida provinciana, pacata, previsível, e hoje me pergunto como fui capaz de renunciar a vida urbana que me é tao valiosa. Na época todos esses registros da realidade local me eram evidentes, mas nao me perturbavam com agora. O contato com a natureza me proporciona um imenso prazer, mas a falta de alternativas culturais que preenchem o vazio das horas como salas de cinemas, livrarias, cafés, exposicoes, empobrece e muito a vida das pessoas. Fala-se muito, come-se muito, fofoca-se muito, uma eterna corrida em círculos na qual o rabo nunca é mordido. A lusitana gira, o mundo roda e eu também mudei bastante. Amanha vou para Viena, de onde na quinta parto para Paris novamente. Lá a natureza está confinada em parques, o cheiro do mato nao é tao frequente, por outro lado sou obrigado a me programar e até a fazer listas de prioridades do que quero ver tamanha a abundância de opcoes culturais, o que verdadeiramente me interessa.
Ontem antes de dormir assisti um pouco de televisao. O tema em 4 canais alemaes e um austríaco era o constante aumento do número de neonazistas nesses dois países nos últimos anos. Reportagens feitas por gente séria, e por isso mesmo assustadoras. Eles estao ainda mais organizados que na década passada, e com o descrédito da direita aparentemente menos xenófoba, muitos eleitores e simpatizantes passaram a engordar os partidos clandestinos e também as manifestacoes publicas dos partidos ultra direitistas. Antigos pudores e refroes conhecidos se transformaram em palavras de orgulho, expoe-se abertamente em qualquer bierhalle a vontade de se exterminar as impurezas da sociedade, tudo que vem de fora e é estranho a cultura alema. Esqueca a palavra minoria, nao nesse caso, o índice medidor de porcentagens aponta para cima. Tentar rastrear os motivos do crescimento do número de simpatizantes nas camadas mais pobres da sociedade ou justificar tal tendência ao aumento de desemprego também é jogar seu tempo fora. Comece por cima, nas camadas abastadas e formadoras de opiniao, por quem nao aparece e nem quer mostrar o rosto mas que manipula eficiente e silenciosamente o fermento que faz crescer a massa.
Hoje visitei um amigo que nao via há mais de dez anos. Até dois anos antes de minha partida nos víamos quase que diariamente e por uma série de motivos fomos nos afastando. Fui a casa dele sem antes avisar. Toquei a campainha e ele botou o rosto na janela da cozinha e gritou para que eu entrasse sem mesmo ver quem estava na porta. Quando me viu seus olhos umideceram, por alguns segundos ele conseguiu controlar as emocoes, depois me abracou e o choro escorreu desavergonhado sobre suas bochechas. Um homem que ano que vem fará 80 anos. Contou-me sobre sua vida nesses últimos dez anos em que estive ausente, o que fez e o que nao fez, seus medos, suas esperancas, seus sonhos, sua vontade de viver pelo menos até os cem anos. Um homem que antes nao conseguia demonstrar sentimentos nem expressá-los. Um homem que sufocava suas emocoes na terra fria, e as enterrava caprichosamente nos buracos que cavava para plantar legumes, verduras e flores. Alguma coisa dentro dele ficou explicitamente mais doce. A expressao facial está mais terna. O dedo verde se humanizou, é de carne e osso, e eu passei o resto do meu dia acreditando um pouco mais no ser humano, no poder de curandeiro do tempo, na vida, no amor, na palavra.
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