25.7.10

VANITÉ


No metrô sento-me vis a vis uma senhora bochechuda, de rosto corado e sereno, olhos verdes e cabelos loiros acinzentados displicentemente trançados. Trocamos olhares rápidos e eu imediatamente penso conhecer essa mulher de algum lugar. Tento buscar nos meus arquivos pessoais a imagem dessa senhora com cara de quem está de bem com a vida, e que poderia muito bem figurar em alguma revista de receitas ensinando a gente a fazer uma suculenta apfelstrudel. Demora um pouquinho e pronto, eu a encontro dentro de um filme do Fassbinder, muito mais jovem e audaciosa. Sim, sim, sim, é ela, Hanna Schygulla, mas no segundo seguinte começo a duvidar. Porque jamais pensei que pudesse encontrá-la sentada num dos bancos da linha 1 do metrô carregando uma sacola de compras de supermercado. Para mim, ela sempre existiu dentro das salas de cinema. De qualquer forma dou mais uma olhadinha dos pés a cabeça, não tenho a menor intenção de interpelá-la fazendo perguntas ou pedir um autógrafo, quero apenas admirá-la de perto. Levantamos e saímos juntos do trem. Empurro a porta pesada de ferro que nos levará para a escada rolante e a espero passar, recebo um merci e segundos depois somos cuspidos para fora da estação St Paul. Frau Schygulla, livre leve e solta toma a direção da rue de rivoli, e eu entro numa boulangerie para comprar pão e saciar minha fome.

Anna Netrebko, a bela mezzo soprano russa de voz impecável, é protagonista de uma publicidade de tintura para cabelos exibida na tv, dessas do tipo eu-também-uso-e-você está-esperando-o-que-para-os-seus-cabelos-ficarem-tão-lindos-como-os-meus. Bobagem, mas eu me decepcionei. Não esperava vê-la nesse papel. Teria preferido vê-la apenas nos palcos dos grandes teatros soltando a voz. E me pergunto qual é o público alvo pretendido pela empresa de tintura de cabelos. Netrebko não é Madona, não é um rosto conhecido. Lógico que o problema é dela e não meu, mas se eu tivesse uma voz como a dela e cabelos como os dela, não teria me vendido como garota propaganda de produtos para cabelos. Teria sido preferível ter descoberto que ela dormiu com algum maestro influente para ganhar um papel título numa ópera do que vê-la vendendo colorantes. Tem algo fora do lugar. Cantora de ópera fazendo propaganda de tintura de cabelos na televisão não é natural Imagine Maria Callas fazendo propaganda de absorvente higiênico. Então. Não deu para imaginar, não é? Mas Netrebko não é Maria Callas, nem Sutherland, nem Anne Sofie von Otter, nem Leontine Price, nem Jessie Norman, e agora vai despontar para o lado mais menosprezado pelos fãs de ópera que não perdoam cantoras ou cantores que querem o sucesso a qualquer preço. É assim. O universo da Ópera é diferente, tem todos os pressupostos do universo pop, mas não admite o comportamento pop. Vai ter que fazer noites de gala, cds the best of e quem sabe até comercial de sabonete. Elitista? Imagina!

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