1.10.10

DOUTOR EU NÃO ME ENGANO...

O jornal “Liberation” distribui gratuitamente exemplares aos estudantes da Sorbonne. O diário considerado de esquerda, ou melhor, um pouco mais “de esquerda” do que o tradicional “Le Monde”, tem um formato menor e traz artigos interessantes escritos pelos próprios articulistas e também outros escritos em conjunto por especialistas e outros intelectuais. Um amigo septuagenário gosta de afirmar que o jornal é a último guardião dos ideais de esquerda e que se sente um adolescente ao folheá-lo. Quando ouço a palavra guardião já sinto vontade de sair correndo, e como sou de uma geração que viu homens que se diziam de esquerda dançarem de rosto coladinho com os que se diziam de direita, leio, vejo e escuto tudo sempre desconfiando muito do conteúdo e de quem os produziu. Na quarta feira o “Liberation” trouxe uma matéria de sete páginas sobre o Brasil e as eleições. Fez uma análise sobre o governo de oito anos de Lula, o que mudou e o que não foi feito no país e ainda o que os próprios brasileiros pensam sobre o governo Lula. Trouxe entrevistas com candidatos que eu mesmo não conhecia, como uma puta do Rio de Janeiro que abandonou “a vida” para se dedicar à vida pública e defender os direitos da classe que quer representar, meia página com Raí, jogador de futebol querido na França e ídolo no PSG (Paris Saint-Germain), que fez críticas claras e objetivas ao governo Lula expondo a sua frustração e decepção em relação a falta de uma política pública voltada para a educação. Lógico que os ingredientes folclóricos, e não por isso menos realistas, da visão dos jornalistas estrangeiros entrou nas matérias, as favelas no Rio, as bairros marginalizados e esquecidos pelos governos de São Paulo, os muitos ricos, os muitos pobres, a trajetória da própria vida de Lula, a idolatria por sua mãe e etc... A matéria de jornal é rica em informação, e passa a impressão ao leitor estrangeiro de que muita coisa mudou no Brasil desde o início do governo Lula. Infelizmente eu não consigo compartilhar da mesma opinião. A sensação que tenho é de que estruturalmente nada mudou no Brasil. O paternalismo foi intensificado, a miséria continua existindo, a crença de que o Estado deve dar de graça casa e comida foi amplamente aprofundada, no quesito educação pública nada foi feito, a segurança pública piorou, e exemplos de como prosperar utilizando-se da esperteza e da malandragem foram difundidos publicamente e justificados de acordo com a conveniência dos homens públicos que lucraram com o governo. Amigos lulistas me criticam, argumentam que não se pode fazer tudo em oito anos. Concordo. Mas vocês concordam que dá para começar a fazer alguma coisa nessa direção em oito anos? No artigo Serra foi qualificado como de direita. Eu sinceramente vejo Serra como um grande e enorme zero a esquerda. Seu governo em São Paulo foi um exemplo de “laissez faire”, não como símbolo do liberalismo econômico, mas literalmente porque ele não fez nada que eu consiga me lembrar de importante para o Estado, tudo funcionou sozinho, com ele governador ou não, as coisas se desenvolveram (ou não) sozinhas. Da mesma forma que não consigo acreditar que ele no governo federal modificaria alguma coisa, sorry, mas o PSDB escolheu um sujeito inexpressivo e vaidoso para disputar a presidência com a pupila de Lula. Para terminar quero dizer que acredito em mudanças sim, mas não nessas superficialmente construídas sobre o suporte econômico e da estética. Cortes de cabelo, plásticas e liftings ajudam a mudar a aparência, mas os sujeitos que se submetem a esses artifícios continuam os mesmos por dentro, a gente fala que eles estão belos e eles acreditam, é simples assim. Em relação a um país a coisa não funciona dessa maneira, você pode fazer uma plástica aqui ou ali, mas não consegue esconder por muito tempo as partes do todo que não foram bem tratadas. As reformas devem ser estruturais, seguir um plano que pode precisar de gerações para começar a dar resultados. Educação é um exemplo disso, sistema de previdência social e saúde é outro, reforma no judiciário, na segurança pública, nada disso melhora apenas com palavras, tem que reformar de verdade, ter coragem para aceitar que se não mudarmos o jeito de pensar, o agir estará sempre condicionado ao olhar folclórico que vem de fora. Aparentemente nenhuma dessas reformas garante voto e reeleição a quem se atrever a fazê-las. Pena, o tempo passou e aquele que poderia ter entrado na história como o presidente que realmente fez mudanças que teriam mudado estruturalmente o pais, não as fez, ficou na janela vendo o bonde passar, vaidoso de suas políticas econômicas e assistencialistas. O poder sempre corrompeu e não tenho dúvidas continuará botando na horizontal homens imbuídos de boas intenções, mas que chance perdemos com um homem que termina o seu mandato com a popularidade altíssima e que poderia ter se arriscado mais! Seja quem for o novo presidente do país, Dilma ou Serra, aposto minhas fichas que mais uma vez nada será feito nesse sentido. Porque a sociedade é quem deveria exigir, e então voltamos para o início da conversa, seria preciso saber exigir. Para mim o patrimônio de um país e de seu povo não deve ser medido apenas pelo acesso aos bens materiais, mas também e antes de tudo pelos imateriais, aqueles que nao podem ser comprados, como educação, cultura, saúde, e nesse sentido acho que Lula deixou a desejar. Ainda estamos correndo atrás do atraso, nos contentamos com muito pouco, ainda estamos no negativo.

2 comentários:

Lícia disse...

Apoiado!
Duro é ter que votar amanhã...
Bj.

LÍCIA disse...

Sobrou os dois,,,Aff!