8.8.10

NO ESCURINHO


Sonhar faz toda a diferença. A vida sem os sonhos é a vida dos animais. Faça um teste, tente apenas viver, sem ansiar, sem desejar, se conseguir chegar perto desse estado vegetativo você vai começar a se parecer com uma folha de alface, sem vida própria, sem dinâmica. Dar sentido a vida é tarefa difícil. Quando começar a refletir sobre isso assegure-se de que está bem, caso contrário vá ao cinema, faça como eu fiz nessa tarde cinza parisiense. E se o filme “O ilusionista” já estiver sendo exibido na sua cidade entre na sala e relaxe. Você vai ver um desenho animado feito pelo diretor francês Sylvain Chomet, o mesmo diretor de “As bicicletas de Belleville” que rodou com sucesso aí no Brasil. O roteiro foi escrito por Jacques Tati e foi entregue ao diretor pelas mãos da filha de Tati. O filme conta a história de um mágico que sai da França em busca de trabalho, quando sua profissão entra em decadência no final dos anos 50 e os teatros de revista e circos começam a perder espaço para os grupos de rock e outras modernidades. Uma homenagem que Tati fez a esses artistas e que por sua vez o diretor faz a Tati. Bem feito, sem diálogos, apenas alguns murmurinhos servem como voz entre os personagens, música bem feitinha. Não espere um puuuta filme, porque não é, mas é muito melhor assisti-lo do que tentar encontrar o sentido da vida numa tarde cinzenta.

Assisti a um documentário sobre Beethoven, especificamente sobre o período em que sua surdez se agravou e como seu comportamento foi mudando a partir do agravamento da deficiência auditiva. Ele deixa uma carta, mais conhecida como testamento de Heiligstadt (em referência ao nome da cidade vizinha a Viena onde passou recluso os últimos anos de sua vida), na qual esclarece algumas de suas reações consideradas agressivas. Não podia sair pelas ruas dizendo que não ouvia bem toda vez que não escutava o que lhe era dito. Era o compositor e maestro oficial da corte, seria certamente dispensado de seu posto. Beethoven foi o primeiro músico que se rebelou contra a condição humilhante e decorativa como os músicos de sua época eram tratados pelos monarcas. Negou-se a ficar a disposição do Imperador austríaco para tocar quando o mesmo quisesse, ou servindo de fundo musical nos salões. Disse explicitamente ao monarca que sua música não era feita para servir a aristocracia e que a aristocracia é que deveria servir a música. Coragem de quem sabe a que veio ao mundo. Um gênio que por isso mesmo foi convidado para trabalhar em Viena ganhando muito bem para isso inovando a relação compositor e monarcas. Compôs a Pastoral quando já estava totalmente surdo. Hoje de manhã enquanto tentava dar um sentido a minha vida mergulhado nos novos contos, ouvi a sexta sinfonia (Pastoral) como se a ouvisse pela primeira vez. Beethoven considerava essa a sua obra mais descritiva. No momento em que eu a ouvia acreditei poder ter compreendido o que ele quis dizer. Um jeito de sonhar de olhos abertos. Acreditar que é possível compreender o que Beethoven quis dizer não é pretensao, mas vontade de dar sentido as emoções que as vezes mais atrapalham do que ajudam.

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