18.11.08

ESPELHOS

Ontem quando estava dentro do elevador encostei meu rosto bem próximo do espelho e percebi a quantidade de cabelos brancos que eu teria se não fosse careca. Explico: raspo a cabeça a cada dois dias, caso contrário eu pareceria com o palhaço Boso. E também minha barba começa a ficar grisalha. Não tenho problemas com isso. Nem por estar mais gordinho do que sempre fui. Minha vaidade não é tão forte que me faça suportar privações ou que me leve a passar horas dentro de uma academia para moldar meu corpo aos padrões de beleza exigidos pela maioria. Não troco queijos de alto teor de gordura por ricota ou tofu. O que me incomoda são as dificuldades que surgem em decorrência das gordurinhas a mais. Caminho muito, e lógico me sinto mais cansado, só isso. Folheando o livro “A boa vida segundo Hemingway” encontrei uma frase dele que é muito engraçada: “escrever e viajar, se não alargam os seus horizontes, alargam o tamanho de sua bunda.” Ele dizia que escrevia de pé por causa disso. Aliás esse livro é bem interessante, porque nele você definitivamente percebe que o ser humano é muito complexo para ser definido ou enquadrado dentro de conceitos ou perfis. Hemingway tinha muitos Hemingways dentro dele, e todos eles juntos formavam a sua personalidade complexa. Lógico que um biógrafo pode tentar traçar um perfil, mas fica nisso, na tentativa. Ontem por exemplo vi um documentário chamado Brando sobre a vida e a obra de Marlon Brando. A gente vê e ouve os amigos, produtores, diretores falando sobre ele, entrecortados por cenas de seus filmes, e o que sobra de tudo o que disseram é a complexidade de sua personalidade. Muito mais do que o mito em que ele se transformou para o coletivo, o que para mim ficou claro foi que durante a vida inteira ele só fez seguir seus impulsos emocionais e intuição. Com essas armas inatas ele construiu o que conseguimos enxergar como sua personalidade. Lutou por causas como os direitos dos negros norte americanos, na década de sessenta, depois dos índios, depois na ilha em que decidiu morar recluso, e assim não cedeu aos encantos da vida fácil e da fama, quando o fez, fingiu que cedia e se utilizou dela para conseguir seus intentos. Não era egoísta, era generoso, mas temperamental e idealista. Nem sei porque divaguei até aqui, só queria falar do envelhecimento descoberto mais de perto. Acho que tanto Hemingway quanto Brando me fizeram olhar para dentro e para fora de mim, ainda mais do que já faço em período integral. Mas de uma maneira mais saudável, menos punitiva, mais complacente. Fica uma frase do Hemingway então, para finalizar esse post: “Decadência é uma palavra difícil de ser usada, pois ela tornou-se pouco mais do que um termo ofensivo, usado por críticos quando se referem a qualquer coisa que eles ainda não compreendem ou que parece ser diferente de seus conceitos morais.”

Nenhum comentário: