16.11.08

SINAIS

Até pouco tempo acreditei que preferia o ser humano individualmente, aquele que tinha opinião própria, agia por seus próprios impulsos e valorizava sua consciência. Sempre tive aversão à turba, seguidores de ídolos, fãs histéricos, gente que precisa de mais gente para se sentir confortável dentro do seu universo almôndega que criou para viver. Mas hoje, olhando o pico do Jaraguá da minha varanda me veio um pensamento que pode ser óbvio agora, mas que ainda não era óbvio até surgir do nada e materializar-se dentro da minha massa cinzenta: prefiro a idéia que faço do ser humano do que propriamente o que ele é, gosto do que eu acho que ele pode ser. No processo de conhecimento com o indivíduo, construo um outro personagem que pode ser completamente diferente daquele que ele realmente é. As vezes há coincidências entre os personagens, isto é, entre quem ele é e aquele outro ser que eu criei independente da realidade, mas muitas vezes a relação só sobrevive porque eu contribui aperfeiçoando sua personalidade por minha conta. Pensei um bocado sobre isso, até que a névoa cobriu o pico e toda a Serra da Cantareira e eu preferi entrar, fazer um café e ler o jornal.


No Caderno dois do Estadão de hoje há uma entrevista muito boa do escritor Mia Couto. Eu poderia enfatizar “escritor moçambicano”, mas não fiz isso. Não enfatizei sua nacionalidade. Porque apesar de reconhecer que particularidades de um continente, uma nação e uma cultura regional podem interferir e moldam o pensamento de um homem/escritor, acho que Mia Couto extrapola tudo isso, vai muito além, pensa como um cidadão habitante do mundo. E há também uma entrevista com a Monja Coen no meio do caderno dois, ao lado da coluna social. Engraçada essa mistura, nos moldes de a vida como ela é, gente mundana ao lado de uma mulher que dedica todo o seu tempo ao cultivo da vida espiritual. O que não quer dizer que as figuras estampadas na página da coluna social também não busquem conforto espiritual nas horas em que não estão preocupadas com o próprio umbigo. Mesmo assim. Gosto do que ela fala. Da fé que ela tem no ser humano, na evolução da espécie, na idéia de que tudo é passageiro e se renova. Acho importante que ela divulgue sua fé. Sem cinismo ou falta de respeito a Monja (mesmo porque acredito na maioria das “coisas” que ela acredita), tudo é mesmo passageiro, basta imaginar que segundos depois de passar os olhos nas fotos estampadas na coluna social a gente não consegue se lembrar de ninguém que estava lá. E o esforço que fazem para aparecerem de qualquer forma, a todo custo (que as vezes é caríssimo) numa fotinho tamanho três por quatro segurando um copinho. Mas o que importa mesmo permanece. E na maioria das vezes não é palpável, nem passível de registros fotográficos.

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