Esses dias tenho pensado muito naqueles dizeres da Clarice Lispector, alguma coisa como “a gente ter que viver apesar de”. Tem um montão de “apesar de” que vem atropelando a fluidez dos dias, incomodando o fundo da alma e colocando pedras no coração. Não acho que é o espírito natalino. Talvez o volume de “apesar de” tenha aumentado nos últimos meses, por isso essa sensação de acho que não vai dar ou descrença. Continuar a fazer as coisas “apesar de” faz muito mal. O espírito adoece. Quanto menos “apesar de” a gente carregar sobre nossos ombros, melhor e mais saudável a gente vai se sentir. Descobrir os “apesar de” pode ser um processo demorado, porque às vezes a gente sem perceber os incorpora no dia a dia. E se livrar deles não é tão fácil ou instantâneo como dissolver Toddy num copo de leite. Depois que a gente os descobre as coisas ficam ainda mais difíceis, ter consciência deles pode ser ainda mais penoso. Mas o grande negócio de nossas vidas é na medida do possível se livrar deles.
Outro dia entrei no elevador e ao cumprimentar um dos moradores, ele me respondeu, “tudo bem, fazer o que, a gente vai levando como dá para levar”. Ai meu Deus, pensei, que medo, não quero ser assim, ir levando como der para levar, não quero levar nada que não caiba nos meus bolsos, quero sim levar somente o que eu escolher.
Exceto as coisas/pessoas/fatos que não dependem de nossa vontade de ter/conviver/viver, e acho que quando se tem coragem de tomar decisões dá para reduzir bastante o número de coisas/pessoas/fatos indesejáveis, todo o resto tem que fazer parte das escolhas e de deliberações conscientes. É difícil. Muito difícil. E não tem nada a ver com perder a flexibilidade, o jogo de cintura. Tem mais a ver com “hay que endurecer-se, pero sin perder la ternura”, qualquer coisa que se encaixe nisso. E vou chegando a conclusão de que faz parte dos exercícios que duram uma vida inteira.
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