19.12.08
IR E VOLTAR
15.12.08
GOSTO DE CONVERSAR
Hoje a tarde descobri que posso não querer conhecer uma pessoa apenas porque não gosto do jeito como ela fala ao celular.
Ou.
Não obrigado, seu relógio dourado impede que eu me aproxime de você. Talvez se.
Ou.
Posso alisar o seu braço? Só isso. Só quero alisar os pêlos do seu braço. Não precisa falar nada. Já te observei o bastante para saber que fora o seu braço e os pêlos que cobrem a pele dele, nada mais em você me interessa.
Ou.
Gosto de você de costas. De frente você me decepciona.
Não. Enquanto você estava sozinho você era tão, tão... mais interessante. Depois que passou a conversar com esses dois caras palitando os dentes, prefiro observar a bolsa feita de pele de cobra daquela mulher. Será que é verdadeira ou imitação?
Ou.
Eu me sento e não faço nada. Imagino diálogos. Imagino conversar com pessoas que não conheço. Trocar informações codificadas. Olhar nos olhos delas. Curioso. Gosto do ser humano que ainda não conheço.
14.12.08
SÓ CÓLERA.
Assisti em dvd o filme “O amor em tempos de cólera”. Romance que dispensa apresentação, já que qualquer pessoa que não tenha sofrido um naufrágio e vivido isolado numa ilha como o Tom Hanks viveu no filme “Náufrago”, tem obrigação de saber um pouco sobre a história. O romance do Gabriel Garcia Márquez fala de amor. Um homem que viveu mais de meio século esperando o amor de sua vida. No livro tudo parece mais real que no filme. Sei que essa crítica parece lugar comum quando alguém resolve fazer comparações entre romances e filme baseados nesses romances. Mas nesse caso é pura verdade. O filme é bem produzido, tem cenas muito bonitas, mas frustra o leitor, ops, quero dizer o espectador. O romance/escrito tem uma força que nem o ótimo Javier Bardem no filme consegue resgatar. Lembro-me que quando li o livro as cenas me pareciam reais, transbordavam em erotismo. No filme o erotismo se transformou em alguma coisa muito próxima do exótico. Deve ter custado uma fortuna filmá-lo, mas com todo respeito ao esforço feito, ficou faltando a riqueza de detalhes e imagens que o livro consegue despertar. Sofrível.
13.12.08
POLITICAMENTE CORRETO
Não posso me esquecer de que quando falo ou critico alguma coisa da qual não gosto, faço isso do meu ponto de vista. Portanto, parto dos meus princípios para demonstrar meu desapreço ou desgosto.
Então a boca retangular da modelo fotografada e estampada nas páginas dos jornais, que a faz parecer muito mais com uma caricatura do que com uma mulher, talvez seja feia apenas para mim, enquanto que para outras pessoas seja linda e objeto de desejo.
Sou aquariano, meu ascendente é virgem, então não adianta nem me falar que sou muito crítico, porque já sei disso há muito mais tempo que qualquer um.
O que é normal? Não sei e não sou eu quem vai definir. Mas ganhei de presente uma cabeça com massa cinzenta dentro, então faço uso dela.
Se não consigo fazer uma análise crítica do que observo, então..., então..., passo a fazer parte dos que estão do outro lado, isto é, dos que não conseguem fazer uma análise crítica nem de si próprios.
Sim. Senão, não é indivíduo. É reprodutor. Que pode ser gente também, mas dentro de outro contexto.
Existem pouquíssimas verdades absolutas, todas elas são universais e servem para todos os indivíduos. Entretanto nem todo indivíduo é capaz de discernir uma verdade absoluta de uma crença pessoal. (odeio aforismos e todos os livrinhos que os propagam)
Boi, boi, boi, boi da cara preta, pega essa criança que tem medo de careta.
10.12.08
BATE E VOLTA
Tive que ir a Brasília a trabalho em viagem bate/volta. Morei lá por mais de seis meses em oitenta e seis, ainda no século passado. Depois de vinte e dois anos e virada de século, achei que não mudou muita coisa. Brasília é uma cidade agradável para se morar. Espaçosa, iluminada, arborizada, de vez em quando sopra um vento com cheirinho de mato, e uma mistura rica de gente de tudo quanto é lugar que migrou para lá. Assim que cheguei, ainda no percurso aeroporto/cidade, me deu um leve saudosismo, mas passou rapidinho. Com todos os problemas de São Paulo não gostaria de morar em qualquer outra cidade. Talvez todo brasileiro fale como eu quando fale de sua cidade, mas é assim que sinto. Fiquei hospedado na casa de um querido amigo, que na época já morava lá, e o mais gostoso foi perceber que eles continuam cultivando o hábito de se encontrar para jantar juntos, intercalando as casas, ora se cozinha na de um, ora na do outro. Assim se conversa muito, troca-se idéias, se fofoca e etc. Hábito esse que eu sinto que nós paulistanos estamos perdendo. Não acho que tem a ver somente com os problemas da cidade, como a maioria das pessoas que conheço gosta de citar o trânsito e a violência isso ou aquilo. Tem a ver com a vontade de se isolar, falta de paciência, preguiça, egoísmo e não sei mais o que. Talvez até porque estamos nos tornando menos tolerantes. Tudo parece um pouco mais pesado, mais estreito, menos generoso de uns tempos para cá. Talvez realmente tenha a ver com o estresse que a cidade nos impõe, mas acho que se continuarmos nessa toada, em pouco tempo nos transformaremos em estranhos amigos. Gente que se conhece, mas que não sabe muito da vida do outro, ou de como o outro pensa, quais são seus verdadeiros sentimentos, enfim, uma relação mais distanciada, menos intimista. Eu mesmo sou um sujeito que aprecia a solidão. Não tenho medo de estar só. Ocupo bem o meu tempo com leituras, vejo filmes e preciso ficar sozinho para escrever. Mas confesso que de vez em quando sinto falta dos amigos para dividir pensamentos e agregar outros novos. Além da vontade de voltar e rever os meus amigos, e de novamente degustar o delicioso bacalhau que comi na casa de um deles, trouxe esses pensamentos de lá comigo. Na bagagem, o que mudou, o que fazer, o que não fazer. Vinte e quatro horas longe de casa, e um montão de novas idéias para pensar.
7.12.08
ESMOLA
Não mendigar. No amor.
Na arte. Não mendigar.
Não mendigar. No trabalho.
No que mais caro lhe parecer.
Não mendigue.
Nunca mais.
Custe o que custar.
Agüente firme.
Morda uma toalha ou o próprio braço.
Reprima a tentação.
Vire o rosto para você mesmo.
Ignore-se.
Amanhã você vai acordar com alguns centímetros a mais.
Nas laterais e na altura.
Uma fortaleza.
Tarde de conclusões.
Não mendigue. Nunca mais.
6.12.08
BUENAS
4.12.08
TEM PARA TODO MUNDO
Vi hoje um quiosque dentro da estação Sé do metrô que vende planos funerários. Você paga mensalidades a partir de R$ 41,50 e garante o lugar e como será seu funeral. Num primeiro momento é esquisitíssimo, num segundo continua esquisitíssimo, e no terceiro já me acostumei com a idéia de que é esquisitíssimo. Tenho um amigo austríaco que não acharia nada disso esquisito. Por lá programar e prever os custos e despesas de tudo que terá a ver com a sua morte é normal. Talvez seja mesmo. Mas que é esquisito ver um quiosque dentro da estação do metrô vendendo planos funerários, a isso é.
Hoje enquanto almoçava minha empregada me perguntou por que eu não trocava uns vasos que tenho sobre uma mesa redonda de lugar. Argumentei que gosto de ter os objetos que comprei pelas cidades ou países onde já visitei expostos. Completei dizendo que a casa da gente reflete um pouco do que somos. Depois de alguns minutos me surpreendi constrangido com a minha explicação que poderia ter saído da boca da Martha Stewart. Quase comecei a me chicotear, mas logo desisti, afinal, não vou conseguir deixar de ser um pequeno burguês se começar a negar o que sou. Mesmo que isso seja difícil de engolir. Então me convenci de que existem vários tipos e graduações de pequeno burguês, e mesmo sem saber em qual tipo eu me encaixo, decidi que pertenço a um que seja de fácil digestão.
O que dizer então dos livros que vão se acumulando pelas estantes e mesas de cabeceira, ou sobre os pufes? Ah sim, livros são diferentes de vasos. Tenho um carinho ainda mais especial por eles. Gosto deles enfileirados sobre as prateleiras. Não coleciono nada. Não tenho aquários cheios de rolhas ou caixinhas de fósforos, ou soldadinhos de chumbo. Mas sou feito de carne e osso, livros são meus objetos de desejo e eu tenho muito ciúmes deles. Não os empresto para ninguém. Prefiro comprar e dar de presente a emprestar um livro que eu tenha lido e gostado.
Por outro lado sou um burguês que não dá o menor valor a carros, jóias, relógios, roupas de grife, bares badalados, não uso a palavra fake para definir o que é falso, nem uso óculos inóóórmes na cara.
3.12.08
O PODER DOS CAFONAS
Não sei quantos quilômetros eu caminhei hoje, mas foram muitos. Subi toda a avenida Angélica até alcançar a avenida Consolação e então atravessei toda a extensão da avenida Paulista até alcançar o SESC. Quando acabei o que tinha que fazer, retornei novamente a pé para meu apartamento refazendo todo o trajeto que, como disse meu querido amigo Alan, fica no “baixo Higienópolis”, porque já muito próximo da estação Marechal do metrô, e, portanto não tão chique como todo resto do bairro. Na volta já escurecia e eu pude apreciar a cafonice das decorações natalinas que enfeitam as fachadas dos prédios do bairro. Meu Deus do céu, eu gostaria de saber como/quando/quem disse que todos esses milhares de luzinhas piscando em torno dos troncos, grades, portarias, janelas, grades e batentes, são bonitas e chiques? E os pequenos veadinhos feitos de palha e arame ou papais Noel subindo escadinhas? Coroando a cafonice a fachada do shopping Higienópolis com seus ursos de pelúcia gigantes, pescando em laguinhos, virando as cabecinhas, não sei como ninguém ainda pensou em também iluminá-los ou fazê-los cantar o jingle bell. No natal a classe média brasileira tem a oportunidade de mostrar toda a sua breguice e o faz com muito talento e abundância. Fora o cenário sinto um prazer imenso em caminhar pela cidade e voltar para casa a pé. Por volta das sete e meia da noite, quando eu atravessava a consolação, a avenida Paulista, o túnel que levam os carros dela para a avenida doutor Arnaldo e a própria avenida consolação estavam intransitáveis. Tudo parado. Fileiras enormes de automóveis e ônibus parados. Enquanto isso minhas duas pernas me transportavam com rapidez pelas ruas. Não sei aonde tudo isso vai dar, quero dizer, a cafonice e o trânsito da cidade. Torço para que as pessoas deixem os carros em casa e utilizem mais os meios de transporte público e também para que revejam seus gostos. Mesmo que aparentemente distantes acho que as duas coisas andam juntas. Menos gente, menos. Caminhem mais e ao invés de comprarem tantas luzinhas comprem espelhos.
2.12.08
DO CÉU
29.11.08
PUPI, A ECONOMISTA
Desde que as bolsas começaram a cair tenho ouvido muita gente falar e opinar sobre crise econômica. Nunca gostei do tema economia. O caderno econômico é o último que pego para ler no jornal, e mesmo assim, dou uma folheada e largo. Acho o assunto chato, empolado e virtual. Tenho a impressão que os economistas estão sempre apostando em alguma coisa que está condicionada a uma outra coisa, e que essa outra coisa é decorrência de algo que não aconteceu e que poderá acontecer se a conjuntura acompanhar a tendência mundial que é totalmente dependente dos movimentos regionais. Não. Ainda não enlouqueci. Na verdade acho que loucos são eles que tentam nos explicar alguma coisa que eles mesmo não dominam. Sei que a economia mundial está interligada em razão da globalização, e que o emprego de muita gente depende do crescimento ou pelo menos da manutenção dela. Mas sinceramente a economia não me interessa, mesmo sabendo que sou afetado diretamente por ela, e que posso ser o próximo. E também não acho que o Barack Obama vai ser o salvador da pátria. Acho que o buraco é mais embaixo. O nosso pelo menos é aqui no hemisfério sul, abaixo da linha do equador e portanto historicamente escolado para sobreviver as desvantagens que a política econômica dos países ricos nos impõe. Outro pensamento que venho ouvindo é o de que a crise vai nos fazer repensar sobre os porquês de termos chegado a esse ponto e então teremos a chance de reconstruir sociedades mais justas. Há, há, há. Não acredito em prognósticos messiânicos e muito menos em economistas messiânicos. Se são tão inteligentes e capazes de prever e gerir, por que então não fizeram nada antes? Ora, ora, não fizeram porque até agora estavam lucrando com toda a coisa. E é isso que importa no universo deles, tirar vantagem de uma situação. Se aposta muito, mas enquanto os valores das apostas sobem ou descem a engrenagem continua sendo lubrificada para não parar de funcionar. Então vou continuar a não fazer a menor questão de ler o que eles escrevem nos cadernos de economia. Vou guardá-los como faço desde que minha mãe adotou uma cachorrinha chamada Pupi: ela é tão mal acostumada que só faz suas necessidades sobre eles.
28.11.08
NA PONTA DOS DEDOS
Em Setembro quando fui ao Rio para o lançamento do “Contos Indiscretos”, ganhei de um amigo francês um DVD duplo sobre a trajetória vida/obra do pianista russo Slatoslav Richter. Quando penso na hipótese de reencarnação e outras vidas depois desta, penso que na próxima “encadernação” eu quero nascer pianista. Tenho fascínio pelo instrumento e pelo som do piano. Estudei piano quando criança, depois quando já adulto voltei a estudar e desisti quando percebi que não tenho o menor talento para a coisa. Até toco algumas peças, mas prefiro poupar os amigos e vizinhos e a mim mesmo do sofrimento. Tive a feliz oportunidade de assistir duas apresentações do Richter quando morava na Áustria. Numa delas ele exigiu que todo o teatro e também no palco as luzes fossem apagadas. Ficou apenas um pequeno foco de luz em cima da partitura. Ele defende a teoria que o público tem apenas que ouvir a música. Para ele, essas nossas vontades de ver as mãos do pianista ou o rosto retorcido pelas emoções, não são importantes. Os filmes mostram desde seus primeiros passos em Odessa até o ano de sua morte em 1998. Imagine quanta riqueza de histórias que um homem que nasceu em 1915, filho de pai de origem alemã e mãe russa, que vivenciou a primeira e a segunda guerra, a era Stalin, regime comunista na União Soviética tem para contar. O filme todo é costurado por suas opiniões, ele aparece já bem velho, falando russo sua língua natural, conversando com o entrevistador (que a gente não vê), vestido de maneira simples, magro, de barba por fazer. Ele fala de sua origem, família, preferências musicais, outros pianistas, tem gravações históricas dele tocando com o violinista Oistrach e o cellista Rostropovich, ou acompanhando o barítono Fischer Diskau. Mas o que me impressionou muito foi essa dureza que ele tinha na alma e que se traduzia no rosto quase sempre rígido. Homem de emoções controladas, muito exigente consigo mesmo. Quando se apresentou nos EUA pela primeira vez e foi exaltado pelos críticos e imprensa, ele disse que naquelas apresentações ele tocou muito mal e que não aceitaria a opinião da crítica americana porque eles não entendiam nada. Até o final da vida o que fez foi exigir de si próprio a proximidade do que imaginava ser a perfeição. Dizia por exemplo que não havia encontrado o “ponto” certo para tocar a música de Mozart. Fiquei pensando sobre isso, e acho que sua rigidez batia de frente com a leveza do compositor austríaco. Leveza essa que na prática está longe de ser verdadeira se você se propuser a interpretá-lo. Tocou em muitos enterros e cerimônias fúnebres, como por exemplo no funeral do Stálin (com quem ele não simpatizava). O que me fascinou na sua personalidade sisuda foi perceber que ele construiu sua carreira respeitando os limites éticos e morais que ele havia imposto a si mesmo. Essa secura e precisão contidas em sua maneira de conduzir a vida podem ser percebidas nas suas gravações, e eu acho que isso servia apenas para ele manter sob controle o universo de emoções conflituosas que ele tinha dentro dele. E que graças a Deus vazaram através das pontas dos seus dedos.
26.11.08
PODRES E SENSATOS
Durou quase três anos, com muitas variações de humor, emoções, dores nas costas, prazer, algumas noites de insônia, o ponto final veio ontem. Conclui o romance que estava escrevendo. O título ainda provisório é “Podres e Sensatos”. De agosto até ontem, fiz inúmeras revisões e deixei ele descansando no barril de carvalho, amadurecendo, para desenvolver o sabor das frutas e só depois chegar pronto para ser consumido. Agora imprimi, e vou passar para duas ou três pessoas que considero confiáveis e respeito para ouvir o que pensam. Se criei um bicho já pronto, com todos os membros no lugar, ou se preciso fazer algumas intervenções. Parte difícil, mas essencial. Gosto do que vem agora. Da lapidação, até deixar o texto sequinho e digno da publicação. Como diz o Antonio Lobo Antunes, escrever é muito difícil. Não acho que é bobagem dizer isso, é difícil sim, porque mexe com a gente tanto física como emocionalmente. Mesmo assim, não gostaria de fazer outra coisa. Gosto de escrever e de tudo que envolve o ofício.
25.11.08
Me gusta leer
PARA OUVIDOS E OLHOS
Fazia muito, muito ,muito tempo que não assistia um bom espetáculo no Municipal. “Sansão e Dalila” do Camille Saint-Saëns é uma das óperas que mais gosto dentre as óperas do repertório francês. Porque é rica em todos os aspectos que uma ópera deve conter para ser lembrada como uma grande obra. A começar pelo libreto baseado num trecho bíblico. O povo de Israel prisioneiro dos filisteus que será libertado por um sujeito abençoado por Deus e tem toda sua força concentrada nos seus cabelos. Depois o sujeito poderoso que libertou todo seu povo sendo seduzido por uma mulher, que não é judia, mas exatamente do meio daqueles que até então eram seus opressores. E também a concepção que Saint-Saëns fez para apresentar sua obra: generoso espaço para os coros, tenores e barítonos podem expor suas vozes em diálogos/árias, e meio-sopranos (que eu prefiro às vozes muito agudas das sopranos) que tem a chance de demonstrar todo o seu talento como atrizes e cantoras. O espetáculo que o Municipal está apresentando é muito bem dirigido e produzido. Os cenários (de Helio Eichbauer) são de uma beleza e soluções primorosas. Os figurinos (com exceção das jovens filistéias que mais parecem sevilhanas) são leves e de cores muito bem combinadas. Para mim nessa montagem um ponto negativo foi que em alguns momentos, como por exemplo quando Dalila recebe Sansão e está tentando seduzi-lo, a luz frontal do palco poderia ter sido menos intensa, para contribuir com o clima/ambiente convidativo/vingativo. As vozes: nota máxima para Denise de Freitas (Dalila), perfeita, comovente como Dalila, sabe se mexer no palco e conseguiu me emocionar na ária “mon coeur s’ouvre à toi voix”. A propros essa ária, fiquei pensando com os meus botões; uma ária que tenta convencer um homem do amor de uma mulher, com um apelo emocional extraordinário, mas que no fundo é uma farsa, Dalila na verdade com seu belo canto está trazendo Sansão para a sua desgraça, para sua perdição. O Sansão ( na apresentação que eu vi, Marcello Vanucci) tem uma voz muito boa, mas deve aprender a dominar seus gestos para caracterizar melhor o personagem, por vezes muito duro, gestos abruptos, quase caricato. Sumo Sacerdote (Leonardo Neiva) muito bom. Abimelech (Lucas Debevec ) muito bom. Coro perfeito. Acho que me empolguei, mas é tão raro uma boa ópera em São Paulo que eu quis falar um pouco e recomendar. Sem pretensão, apenas minha visão crítica do que assisti. No todo, foi um prazer. Para quem não gosta de ópera, tem um filme, dirigido e produzido por Cecil B. Demille, com o Victor Mature fazendo o Sansão, que é bem legal de assistir, sessão da tarde, clássico.
24.11.08
ÚLTIMAS PÁGINAS.
Terminar de ler um bom livro é muito diferente de apenas terminar de ler um livro. É parecido com quando você sai da sala de cinema onde passou aproximadamente duas horas se emocionando com o filme que estava assistindo, e carrega dentro da alma a emoção até sua casa. Quando você acaba de ler a última página, o coração entristece um pouco, porque já começa a sentir saudades de todos aqueles personagens que te ensinaram a ver as coisas de um outro jeito, te emocionaram e fizeram você refletir sobre sua própria vida. A convivência com eles é por vezes muito mais real do que a que temos com pessoas com quem convivemos na vida real. Saber que chegou a hora de me separar daqueles personagens e de suas vidas, é difícil. Um pouco como uma ressaca boa, se é que ela existe. Foi assim que me senti quando fechei o livro da Siri Hustvedt ontem de manhã. “O que eu amava” demorou para fazer parte do meu dia a dia, mas depois que entrou me chamava toda hora para ele. Parecia me dizer, olha para mim, olha para mim, leia em minhas páginas o que eu tenho para te dizer, tenho mais para te dizer, vem para mim. Gosto dos livros que me levam a pensar sobre mim, que não contam apenas histórias, mas que me convidam a participar e fazer parte das vidas de seus personagens. Quem sou, por que sou, também sou, o que posso fazer, o que não posso, também penso assim, sinto muito, choro, dou risada. Fecho a última página e me sinto um pouco mais completo, mais preenchido depois de ter convivido com ele.
Hoje tem uma crônica muito bem escrita do sociólogo e agora colunista José de Souza Martins na última página do caderno Cidade/Metrópolis do Estadão. Compartilho do seu ponto de vista sobre os modos de como o cidadão paulistano aprende a ver sua cidade. Ele as dividiu em quatro: os pedestres, os que trafegam de ônibus, metrô ou trem, os que circulam de automóvel, e por último os que sobrevoam a cidade com seus helicópteros. As descrições estão no artigo, não vou reproduzi-las aqui, mas se puderem dar uma lida, é curta, objetiva e inteligente.
22.11.08
A PALAVRA DE CADA UM
Fui assistir ao debate/encontro dos escritores Menalton Braff e Murilo Carvalho intermediado pela Ivana Arruda Leite ontem no SESC Pinheiros. O debate fez parte da Balada Literária, evento criado por Marcelino Freire que termina hoje. Gostei de ter ido. Assim como em qualquer outro evento que reúne pessoas com os mesmos objetivos, a diversidade de interesses e os diferentes pontos de vista do público leitor expõem as múltiplas cores do universo literário. Os dois falaram sobre suas vidas, como e porque escreveram seus livros, seus prêmios, e etc... Quando o público presente pôde participar, a discussão desviou para a falta de políticas públicas necessárias para a formação de novos leitores. Aí a coisa emperrou. Mesmo que positivamente, porque iniciou-se uma boa discussão. Porque apesar de todos ali presentes serem pessoas bem intencionadas, a falta de objetividade e o excesso de opiniões pessoais interferiu negativamente na discussão. A discussão é necessária, e todos devem opinar. Mas em alguns a necessidade de citar outros escritores que eles consideram ruins ou “menores” para ilustrar o que pensam é muito forte. Paulo Coelho e Jô Soares são os campeões das chicotadas. Eu acho isso desnecessário. Não há razão para se denegrir a obra de um ou outro escritor em público. O gosto do leitor é subjetivo, depende da formação educacional e cultural de cada um. Aquilo que me agrada pode não agradar a outros, mas nem por isso é melhor do que o escritor escolhido pelo outro. Não posso querer impor meu padrão de qualidade. Assim como qualquer tipo de discussão que vai pelo caminho de que é melhor se ler autores nacionais do que os de qualquer outro país me irrita. Isso é mais antigo que acreditar que os Homens são todos iguais. Não somos, e é exatamente essa diversidade que nos faz interessantes. Acredito que entre outras funções (odeio ter que usar a palavra função quando falo de literatura, mas aqui ela é necessária), a literatura ajuda a ampliar os horizontes, a divulgar as diferenças culturais, a variedade de sentimentos que todos os homens sentem independente de raça, cor e de sua posição política. Mas acredito que esses encontros são bons exatamente por isso, porque nos fazem pensar, discutir, notar as diferenças que existem entre pessoas com o mesmo objetivo. Ivana se saiu bem como intermediadora, simples, deixou fluir a conversa e terminou na hora certa, isto é, antes que os ânimos se exaltassem demais.
20.11.08
FACA AMOLADA
O Viaduto do Chá estava lindo e de longe o Teatro Municipal todo iluminado é uma beleza. Cheguei em casa, não fui atacado por ninguém, encontrei minha casa limpinha, agradeci a São Miguel Arcanjo por me proteger de tudo o que vi, tomei um banho e antes de adormecer revi flashes do curta do Gustavo, insetos se transformando, ele se barbeando na frente do espelho, beijando a Juliana que é linda e simpática, as pérolas envoltas em seu pescoço, o escurinho do cinema e depois disso não me lembro de mais nada. Precisava do sono para refazer todas as imagens que meus olhos gravaram durante a noite, sublimá-las para poder suportá-las e continuar a acreditar que a vida real, como no “Pérolas”, também as transformações podem ser positivas. Quero acreditar. Por enquanto.
18.11.08
ESPELHOS
16.11.08
SINAIS
Até pouco tempo acreditei que preferia o ser humano individualmente, aquele que tinha opinião própria, agia por seus próprios impulsos e valorizava sua consciência. Sempre tive aversão à turba, seguidores de ídolos, fãs histéricos, gente que precisa de mais gente para se sentir confortável dentro do seu universo almôndega que criou para viver. Mas hoje, olhando o pico do Jaraguá da minha varanda me veio um pensamento que pode ser óbvio agora, mas que ainda não era óbvio até surgir do nada e materializar-se dentro da minha massa cinzenta: prefiro a idéia que faço do ser humano do que propriamente o que ele é, gosto do que eu acho que ele pode ser. No processo de conhecimento com o indivíduo, construo um outro personagem que pode ser completamente diferente daquele que ele realmente é. As vezes há coincidências entre os personagens, isto é, entre quem ele é e aquele outro ser que eu criei independente da realidade, mas muitas vezes a relação só sobrevive porque eu contribui aperfeiçoando sua personalidade por minha conta. Pensei um bocado sobre isso, até que a névoa cobriu o pico e toda a Serra da Cantareira e eu preferi entrar, fazer um café e ler o jornal.
No Caderno dois do Estadão de hoje há uma entrevista muito boa do escritor Mia Couto. Eu poderia enfatizar “escritor moçambicano”, mas não fiz isso. Não enfatizei sua nacionalidade. Porque apesar de reconhecer que particularidades de um continente, uma nação e uma cultura regional podem interferir e moldam o pensamento de um homem/escritor, acho que Mia Couto extrapola tudo isso, vai muito além, pensa como um cidadão habitante do mundo. E há também uma entrevista com a Monja Coen no meio do caderno dois, ao lado da coluna social. Engraçada essa mistura, nos moldes de a vida como ela é, gente mundana ao lado de uma mulher que dedica todo o seu tempo ao cultivo da vida espiritual. O que não quer dizer que as figuras estampadas na página da coluna social também não busquem conforto espiritual nas horas em que não estão preocupadas com o próprio umbigo. Mesmo assim. Gosto do que ela fala. Da fé que ela tem no ser humano, na evolução da espécie, na idéia de que tudo é passageiro e se renova. Acho importante que ela divulgue sua fé. Sem cinismo ou falta de respeito a Monja (mesmo porque acredito na maioria das “coisas” que ela acredita), tudo é mesmo passageiro, basta imaginar que segundos depois de passar os olhos nas fotos estampadas na coluna social a gente não consegue se lembrar de ninguém que estava lá. E o esforço que fazem para aparecerem de qualquer forma, a todo custo (que as vezes é caríssimo) numa fotinho tamanho três por quatro segurando um copinho. Mas o que importa mesmo permanece. E na maioria das vezes não é palpável, nem passível de registros fotográficos.
13.11.08
A ESSÊNCIA
"É como se eu sentisse a essência dele, tenho até vontade de gritar"
12.11.08
LEITURAS E AS PÉROLAS DO GUSTAVO VINAGRE
10.11.08
HOMO URBIS
Você pode entrar e se sentar numa dessas cadeiras de plástico de um desses botecos das esquinas de qualquer cidade do Brasil. Você pode e todo o mundo também pode. E pode também falar num volume de voz muito alto. Rir muito alto. Gargalhar muito alto. Você pode tudo isso e mais o que achar que pode fazer com sua vidinha descolada. Vai fundo, mas me deixa aqui no meu canto silencioso e limpo. Não traga essa sua idéia de ser feliz aprendida por meio de reclame de cerveja para dentro da minha casa. Não quero. Sinto nojo. Fecho o nariz quando passo em frente a um desses botecos. Não me interessa o que você pensa de mim. Faça a análise que você quiser (se for capaz de). Sou assim. E assado, também sou assim. E não saio em bando. De roupinha igual, e cabelinho, e bracinho que não passa pelo buraco da manga de sua camisetinha. Fecho os olhos para não ver. Viro o rosto. Atravesso a rua. Sinto náuseas. Vá para o inferno e leve todos os seus amigos junto com você.
Você pode ficar aí dentro da sua casa limpinha de cadeiras desenhadas por designers super bem intencionados de qualquer lugar do mundo. Você pode e todo o mundo também pode. E pode falar baixo, colocar a mão na boca quando rir. Você pode tudo isso e mais o que achar que pode fazer com sua vida lounge. Fica aí, na sua sala com música ambiente, mas não me venha dizer o que não devo fazer. Não traga essa sua idéia de ser feliz aprendida das páginas de revistas de decoração para dentro da minha casa. Não quero. Fico constrangido. Não aguento o cheiro do perfume das amostras grátis que vem junto com elas. Não me interesso por nada disso. Não me importa o que seu terapeuta pensa sobre mim. Não gosto que falem de mim. Saio com quem eu quiser. Tenho os amigos que quiser. Vou para onde achar que devo ir.
Você pode ficar aí dentro de sua bolha imaginando que pode ver todo mundo mas que ninguém te vê. Você pode e outros como você também podem. E pode não falar, usar óculos escuros achando que ninguém consegue ver para onde você está olhando. Engano seu achar que sua bolha é impenetrável. Mais do que isso, ela é de sabão. Pode explodir a qualquer momento. Não traga essa sua idéia de ser feliz aprendida nas orelhas dos livros para dentro da minha casa. Não quero. Você fala demais. Sente demais. Pensa demais. Reflete demais. Não dou a mínima para suas receitas de vida extraídas do alfabeto de sopa de letrinhas. Não me importo com o seu projeto de vida ideal. Gosto do que sobra. Do que é supérfluo. Do luxo. Olha... oi... psiu... vai explodir do mesmo jeito.
8.11.08
PENSO, LOGO INEXISTO
Com a diminuição do tamanho das salas de cinema, não preciso falar que quem saiu perdendo fomos nós, os freqüentadores e amantes do cinema. Cinema é tela grande, som de boa qualidade, cadeiras confortáveis e breu. Fica difícil assistir a um filme como o “Climas” numa sala pequena como a de número três do Reserva Cultural. O som da sala ao lado atravessa as paredes e atrapalha quem está assistindo ao filme. Isso acontece em outras salas de outros cinemas também. Como no Unibanco da Augusta, ou no do Shopping Bourbon. Querem economizar, diminuir as salas para poderem exibir mais filmes e perder menos com a redução do número de freqüentadores, um pouco caso total com a qualidade das salas e com o público. Como tudo aqui. Isso faz parte de um pensamento generalizado dos empresários de qualquer negócio que tenha a ver com cultura no país. Não se comprometem com o produto que estão vendendo, querem vender mais, só isso. Funcionários mal preparados, que abrem portas e cortinas das salas antes do filme terminar, que conversam em voz alta do lado de fora. Esquecem (ou não sabem) que a sala onde o filme está sendo projetado é parte importante do espetáculo.
“Climas”é muito bem dirigido, tem ótimos atores e fotografia impecável. É um filme pleno de silêncios, econômico em diálogos, mas tudo tem sua razão de ser. Tem ritmo próprio. Seduz pela qualidade, pela forma, pelo tema. Fala da complexidade dos sentimentos relativos ao amor. É filme para quem gosta de cinema. Tem um Q dos filmes do final da década de setenta, de Antonioni, de Jabor em Eu te amo. Não tem pressa para contar a história que quer contar.
Chovia muito quando saí do cinema. Me refugiei na Fnac da Paulista. No andar de baixo, dos eletrônicos e computadores havia muita gente, no andar de cima, dos livros, alguns gatos pingados. A imagem e o som não precisam de esforço para prender a atenção do visitante. Estão na frente dos nossos olhos e invadem os ouvidos. O livro, você tem que procurar, se concentrar para ler, precisa de tempo para engatar. É um tipo de mídia que nos remete a um outro ritmo. Aquele que escreve e aquele que lê, precisam do silêncio. A gente pode circular por todos esses universos midiáticos, mas quando pega um livro e começa a ler entra num universo próprio, que é particular porque aciona emoções particulares e individuais mesmo que universais.
6.11.08
CLAROS E ESCUROS
4.11.08
FUSÃO E DISFUNÇÃO
Sobre a fusão Itaú/Unibanco, a gente já sabe que será o maior banco do hemisfério sul, que não haverá dispensa de funcionários, que os donos choraram ao lembrarem de seus pai fundadores, que voaram em aviões separados para Brasília para avisar o ministro Meirelles, e que comeram bem casados e tomaram champanhe para comemorar.
Ninguém falou, mas a gente também sabe que o número de funcionários não subirá para que sejamos melhores atendidos, as agencias continuarão tendo entre dois e quatro caixas para atenderem uma fila com mais de trinta pessoas, quando você fizer um crédito e quiser pagá-lo antecipadamente, através de seu gerente você receberá a notícia de que eles não reduzirão os juros e continuarão lucrando bilhões de reais, mais do que qualquer banco em qualquer economia do mundo lucra no ano. Sei que eles contribuem com ações de cunho social, mas fazem pouco, muito pouco se compararmos a exorbitância dos seus ganhos.
Mas tudo bem, você pode sair por aí falando que é brasileiro o maior banco do hemisfério sul.
2.11.08
RAÍZES.
Para quem não conhece e para quem quer conhecer mais, a exposição da Maria Bonomi na Pinacoteca é uma beleza. Conheço algumas pessoas que torcem o nariz para xilogravuras. Diante das obras da Maria Bonomi tenho certeza que o nariz delas dariam nós e congelariam para sempre. Gosto de quase tudo. Se pudesse comprar uma de suas xilogravuras eu compraria. Adoraria poder conviver com uma delas. Cores, texturas, formas, materiais, até os títulos me agradam. Se você ainda não viu, vá ver, é uma oportunidade rara de ver tanta coisa boa junto e de uma só vez. Vai sair de lá mais rico/a, porque andar entre essas obras faz a gente se sentir acumulando valores.
Aproveitei para passear na Praça da Luz, que está linda e bem cuidada. Um prazer observar as raízes expostas dessas árvores tão velhas. Gostaria muito que a prefeitura fizesse mais praças pelas cidades. Mas quero praças com árvores e bancos para sentar. Não precisam de mais nada. Somente caminhos, árvores e bancos. Não precisam de marquises horríveis e concreto para todo lado, nem arquiteto premiado para desenhá-las. Um jardineiro e um paisagista de cabeça boa e simples dão conta do recado. Praças aproximam os moradores da cidade, fazem o cidadão se sentir agregado ao espaço público. Além disso são ilhas de repouso, respiro e contemplação da natureza.
Saio cada vez menos de casa. Não sei o que acontece. Não, não tenho síndrome do pânico e outras doenças contemporâneas. Gosto de sair para tomar um café, ir ao cinema e voltar logo para o meu canto. Saio, vou e volto, relâmpago. Noto cada vez mais o surgimento de cafés pela cidade. Gosto disso. Dos cafés nas ruas e não em shopping centers. Torço para que alguma livraria decente abra no meu bairro Santa Cecília/Higienópolis. Aqui têm duas ou três, mas deixam a desejar. Não vou dar nomes. Mas são fracas e pouco convidativas, ou dentro dos shoppings e são higiênicas, limpinhas, não há aconchego. Não são gemütlich como eu gostaria que fossem. Sim o livro deve ser comercializado como um produto, mas nem por isso deve-se deixar de atender as necessidades do comprador de livros. A apresentação do livro, o espaço onde ele é oferecido e onde o consumidor circula é importante e deveria ser considerado. A única livraria dentro de shopping que eu conheço e que me agrada é a Livraria da Travessa que fica dentro do Shopping Leblon no Rio. Ainda não fui conhecer a Livraria da Vila do Shopping Cidade Jardim. Não sei quando vou. Esses lugares me intimidam. Tirar o carro, atravessar a cidade, enfrentar trânsito, preço absurdo de estacionamento, e uma lista de coisas que me constrangem que gritam dentro da minha cabeça quando penso em ir até lá, ai que preguiça. Fico por aqui mesmo.
31.10.08
DENTRO E FORA
Somos todos românticos. Há os que queiram negar este estado de espírito que ficou gravado no nosso código genético há pelo menos dois séculos. Mas em algum momento a barreira que tenta segurar o ser romântico que há dentro dele, rompe. Todo mundo tem seus sonhos em formatos idealizados.
Não sei se o mundo seria melhor se assim não fossemos. Principalmente porque sei que quase tudo que imaginamos perfeito e, portanto inatingível, serve como panos quentes para suavizar a realidade.
Buscamos a razão, mas essa razão que acreditamos limpa, cartesiana, lógica, já está infectada com o vírus do romantismo.
Quanto mais o homem busca o individualismo, mais ele se aproxima do romantismo.
29.10.08
ACH, DIE LIEBE
28.10.08
DIAS DE ALLEN
26.10.08
DESAPEGO E CEREJEIRAS
24.10.08
TUDO MENOS ISSO
Já sei que não consigo ser diferente em algumas coisas. E tenho certezas. Não sou sempre dúvidas. Entretanto, por mais que eu tente não consigo deixar de analisar as situações e toda a lista do parágrafo acima de uma forma muito peculiar. Mesmo porque acho que faz parte da conjunção astral/carmática que resultou no meu jeito de ser. Mas algumas coisas realmente não são tão importantes, então eu gostaria de poder ouvir e não ligar, ler e não fixar na mente o que li, ver e não ser tocado pelo que vi. Porque assim as coisas ficariam mais fáceis para mim. Duvidaria menos. Conheço muita gente que consegue. Que está mais focada na sua própria vida e não é tão afetada com o lixo ou o luxo que está ao redor. Vai em frente, não perde tempo analisando por exemplo, qual a importância daquilo que faz ou deixa de fazer para o resto do mundo, está interessada em fazer o que quer fazer e pronto. Dane-se o resto, e vamos que vamos porque não quero perder o trem. Talvez esse tempo que eu acho que estou perdendo realmente não seja uma perda, mas uma estufa quente e úmida onde um universo de fungos e bactérias estejam surgindo sem que eu perceba, e em algum momento eles me servirão como alimento para continuar a tal da vida. Talvez eu só consiga funcionar assim. Mas que é chato e desconfortável, ah isso é. Na próxima encadernação, se eu puder escolher vou preferir vir ao mundo mais levinho, mais ausente do que presente, menos preocupado em tentar me entender e como os outros funcionam. Quem sabe não venho em forma de passarinho, e fico vendo tudo acontecer, lá de cima, sobrevoando a cidade. Ou como peixe (não de aquário, preciso de espaço) e passo a vida passeando debaixo d’água, comendo plâncton e brincando de esconde esconde entre os corais. Qualquer coisa, com tanto que seja menos racional e menos emocional. O gato de um amigo meu, por exemplo, que come quando tem fome e depois de se lamber vai dormir de barriga cheia, de vez em quando aparece só para que cocem a sua cabeça ou escovem a sua barriga.
21.10.08
FOGO BAIXO
Uma nuvem negra entrou no meu caminho. Não sei como, quando vi eu já estava dentro. E então alguma coisa me puxa sempre para dentro, como se o centro da força da gravidade se localizasse no interior do meu cérebro. Não há saída. Os anos de convivência com essa nuvem, que está sempre indo e vindo de algum lugar para onde ela vai quando sai do meu caminho, me ensinaram que o melhor é esperar ela resolver ir embora. Não quero mais medir forças com ela. Mesmo porque se eu começar a interrogá-la, ao invés de respostas encontrarei ainda mais perguntas, e esse monte de por quês se multiplica e a coisa fica ainda pior. Então fico quieto. Não falo. Penso em fogo baixo. Fico pequeno. Lambo uma ferida aqui e outra acolá. Olho para mim com desconfiança. Escrevo. Leio. Escrevo e leio. Ataco os farináceos. Depois os laticínios. Inspiro e solto o ar pela boca para ver se o ventinho que sai de dentro de mim acorda a dona nuvem e ela se toca de ir embora. Não há saída. Estou dentro dela. Vou esperar.
Fui ver outro filme da mostra. Desta vez um argentino/mexicano chamado “El Bosque”. Direção de dois guapos chamados Pablo Siciliano e Eugenio Lassere. Li naqueles livros que ficam sobre os balcões em frente as salas dos cinemas que eles foram premiados na Argentina. E são bons. O filme tem apenas três atores, que como sempre nos filmes argentinos dão conta do recado. Não conheço nada da escola Argentina de interpretação, mas acho eles muito bons. Me convencem sempre. Se vestem com a pele dos personagens e acreditam. O filme mantém o suspense do início ao fim. Sempre no limite. Alguma coisa vai acontecer, a gente sabe desde o início, mas somos conduzidos a esperar até o final para ter certeza de que aquilo que imaginamos que acontecerá (para mim aconteceu esse insight no meio do filme) realmente acontecerá. Certamente o filme foi feito com baixos custos, mas nem por isso ele se mostra pobre. Entramos no bosque, sentimos medo. Saímos do bosque e entramos na casa e sentimos medo. Trilha sonora muito boa. O final para mim foi previsível, porque no meio do filme imaginei que ele terminaria da maneira como terminou, mas isso não incomoda, não frustra e não tira o mérito dos diretores.
20.10.08
SONÍFERO
17.10.08
NOLL, ROTH E A FATALIDADE.
Fui ver “Fatal”, o filme baseado no livro “O Animal Agonizante” do Philip Roth. Saí do cinema satisfeito e emocionado. O filme é bom. Excelente roteiro (para quem já leu o livro, saberá perceber minha afirmação), belíssima fotografia, e atores que dão conta do recado. Penélope Cruz (Consuela, adoro pronunciar esse nome) está linda e enigmática como a personagem exige. Gosto muito do Bem Kingsely no papel de escritor/professor solitário e do Dennis Hopper, que mesmo na pequena, mas importante participação, preenche a tela e desenvolve seu personagem com maestria. Não vou entrar na discussão sobre se o livro ou o filme é melhor. Um livro sempre nos dá a possibilidade de refletir com mais amplitude e calma sobre qualquer tema. Leia o livro e veja o filme, ou faço o inverso, não importa. O filme é bom, porque é bem feito, conta a história do ponto de vista de quem o fez, mais carregado de emoção, talvez ajudado pela linda trilha musical. Para a grande maioria que não lê mesmo, e que prefere se sentar e se deixar envolver pelas imagens, o filme vai satisfazer pelo conjunto, bom roteiro/bons atores/boa fotografia/boa música. O que me agrada nos livros do Roth é sua capacidade de contar uma história misturando temas delicados com uma aparente leveza. Sejam eles os conflitos entre pai e filho, o amor de um homem velho por uma mulher trinta anos mais nova, a solidão escolhida, tudo parece muito leve e enquadrado no cotidiano dos personagens, sem discurso moralista ou exageros. O filme consegue passar essa “leveza”, mas a medida que a gente lê/vê e se envolve com a história, a gente compreende que a coisa não é tão fácil quanto parece. Saber contar uma história, nem sempre é explicitar tudo ao leitor/espectador. Não subestimar a capacidade de quem as lê/vê é uma virtude hoje em dia, já que todo mundo parece ter respostas prontas para tudo e assim vamos perdendo a capacidade de refletir e de conviver com as dificuldades do outro. Bom filme. Boa leitura.
Como não existe o acaso, o destino marcou um encontro comigo e com o João Gilberto Noll quarta a noite na calçada da Avenida Paulista. Sou um admirador, mas odeio qualquer tipo de tietagem ou endeusamento. Reflito se devo ou não abordá-lo. Dou três passos e me apresento. Conversamos um pouquinho e ele me disse que participaria de um evento no Sesc da avenida Paulista. Lá vou eu no dia seguinte. Levo o último livro dele (escrevi sobre o “Acenos e Afagos” no blog) para que ele me autografe. E levo o meu de presente. Tudo me parece em ebulição dentro dele. A leitura de seus textos pela sua própria voz me fascina. O sotaque gaúcho, a dicção quadrada e propositadamente lenta, os movimentos. Prazer em conhecer, em ouvir. No dia 22 de outubro ele estará no Sesc Vila Mariana.
14.10.08
INSPIRAR E EXPIRAR
13.10.08
TELEFONEMA
No meio da tarde.
“Alô”
“Viu”
“Viu o que?”
“Viu, é da Renascer?”
“Não. Você ligou para o número errado.”
“Viu, não é da Renascer.”
“Não. E aqui também não é o Viu quem está falando, viu?”
“Tá bom, desculpa, viu.
“Não tem problema.”
“Viu, acho que me enganei.”
“Também acho, viu.”
“ Então desculpe,viu.”
“Ta bom viu, agora desliga senão vou ser obrigado a te mandar para a p.. q... p...,viu?.”
10.10.08
QUASE PARANDO
Quando criança o sinal de que já estava bem próximo de casa era quando meu pai passava diante da empresa de transportes Lusitana e eu lia: “O mundo gira, a Lusitana roda”. Pensei nisso hoje porque senti muita vontade de parar de girar como o mundo e rodar como a Lusitana. Parar e não ter que dizer ou fazer qualquer coisa. Simplesmente parar. Chegar em casa. Que seria qualquer lugar onde eu pudesse me sentar e tomar um chá, abrir um livro ou observar o mundo através da minha ampla janela e não falar, não fazer, não opinar, não compreender, não interferir, ser, estar e ver a banda passar. Fazer parte cansa. E não tem como não ter que fazer parte. Não importa qual a sua praia ou tribo ou o que quer que seja, se você não quiser fazer parte, as pessoas (mesmo as da sua praia/tribo) quererão que você faça. E se você insistir em continuar tentando não fazer parte e escolher um caminho particular elas se sentirão ofendidas e te dirão “boas verdades”, porque você não tem esse direito, isto é, não tem o direito de não querer fazer parte e ficar no seu canto apenas fazendo o que quer e não fazendo o que não quer. Roda moinho, roda gigante, roda moinho, roda pião, o tempo levou...
Semana passada assisti ao “Baby Love”. O filme é baby e é love. Porque bonitinho e ordinário. Sessão da tarde com bons atores e tema que não é tão levinho quanto o filme se propõe a nos apresentar. Cheiiinho de clichês. “Fake” como diriam alguns freqüentadores das várias ilhas de caras fazendo pose de alternativos. Se não tiver o que fazer, compre um saco de pipocas e vá assistir, na saída você vai se perguntar: a Julia Roberts trabalhou nesse filme ou eu, ah, tipo assim, a vi em outro filme parecido com esse?
Uma moça simpática, a Dai, que eu não conheço pessoalmente, fez uma resenha/crítica bonita e precisa sobre meu livro. O blog dela se chama A FENIX APOPLÉTICA, O BLOG DA DAI e o endereço é: http://carva1.wordpress.com. Se tiver curioso dá uma passadinha lá para ler.
7.10.08
AMORAS E CAFÉS
As amoreiras sob o Viaduto do Chá, no jardim da lateral do Teatro Municipal estão cheias de frutas. Você sabia que lá há amoreiras? Pois é, mesmo muito mal tratada a cidade ainda guarda surpresas. Se o cheiro de urina humana não fosse tão forte naquele trecho próximo a banca de jornal, seria agradável parar para apreciar os passarinhos que delas se alimentam, ou mesmo comer algumas delas. Que tristeza é perceber o desrespeito que os cidadãos têm pela cidade onde moram.
Mas há boas notícias também. Agora há mais cafés para a gente degustar. Na Praça Dom José Gaspar abriu um recentemente que leva a marca Suplicy, com mesas e balcão, com conforto para gente grande, que quer sentar e descansar um pouco. Logo abaixo, na Rua Marconi tem o acanhadinho Giramundo que serve um expresso de primeiríssima qualidade. Do outro lado, entre a Bolsa de Valores e o largo do café há um café delicioso chamado Caffè Latte. Experimente o chease cake com calda de tangerina deles, você não vai mais conseguir passar por lá e não comê-la.
E aí a gente cai na Santa Efigênia. Mas antes de chegar nela, dá para apreciar os cartazes dos cinemas de sacanagem. Num deles, vários cartazes anunciam “filmes com as mais belas atrizes pornôs”. Parei para ver os rostos das moças nos cartazes. Não sei. Tento imaginar as um pouquinho mais feias, ou as um pouquinho menos belas. Me confundi todo quando tentei entender o limite do que é feio e do que é belo para o mercado de filmes pornôs. Preferi continuar andando até a Santa Efigênia e procurar por um telefone sem fio. Pelo menos sei avaliar a mercadoria, isto é, imagino que só de olhar vou conseguir comprar um que me agrade e funcione.
5.10.08
O SENTIDO CONTRÁRIO.
Há um sentido em tudo.
Em cada lágrima que escapa dos meus olhos.
Há um sentido.
Em tudo.
Mesmo que a razão insista em me dizer o contrário.
Em cada lágrima que escapa dos meus olhos
Há um sentido.
Que escapa dos meus olhos,
toda vez que eu tento ver um sentido,
em tudo.
2.10.08
HOMENS
Com uma insônia desgraçada e reforçada por um estado gripal, no início da madrugada assisti a um filme/documentário sobre a vida e o trabalho do roteirista norte americano Albert Isaac Bezzerides conhecido como Buzz. O Buzz era de origem greco (pai) e armênia (mãe), e o que me prendeu ao documentário foi a forma como ele falava de seu trabalho. Muito pobre ele começou a vida ajudando o pai a vender frutas no mercado de Fresno em São Francisco, e um dia vendo que sua mãe não tirava os olhos de um livro, decidiu que seria escritor. Queria escrever livros para chamar a atenção e ter o amor de sua mãe. O documentário focou sempre ele falando de como escrevia os roteiros para os filmes da Universal e depois para a MGM. Muitos sucessos, filmes que de acordo com a opinião de muitos outros roteiristas já traziam as características dos filmes noir. Mal pago, enganado por sucessivos produtores de cinema, muitos de seus filmes não levaram nem seu nome nos créditos. Acusado de comunista e boicotado pelos estúdios, depois voltou a escrever sucessos para a televisão e etc... Em muitos momentos no documentário ele diz ter “consertado” tal e tal trecho de tal e tal filme, demonstrando ao mesmo tempo despojamento e não se dando a menor importância. Ele sabia que seu trabalho como roteirista era bom, mas não via sua profissão com o glamour que as pessoas costumam ver , trabalhava como se fosse ferreiro, marceneiro ou qualquer outro artesão. Fazia seu trabalho e nunca se achou melhor ou pior, foi amigo do Falkner, e outros escritores de sua geração. No fim da vida ele assumiu um physique du rôle de um velho boxeador, camisa xadrez/gorro de lã/calça de veludo que disseram que ele nunca tirava do corpo, uma carinha simpática, como a do Norman Mailer já envelhecido. Me emocionei muito com suas aparições, suas falas sem amargura. Um homem cheio de lembranças do que fez, com consciência da importância de seu trabalho, e simples. Um pouco triste, vê-lo em sua casa cheia de carros velhos que as pessoas deixavam para que ele consertasse (e ele não consertava). Por outro lado, uma vida vivida sem arrependimentos, feita de trabalho e honestidade, sem estrelismos e egocentrismos e muita dignidade.
Reconheço em mim a alegria de “consertar” enquanto faço as revisões dos meus textos. Há uma certa euforia depois de cada corte do que penso excessivo, elimino um advérbio aqui e outro adjetivo ali e me sinto mais leve, e mais limpo, e mais feliz, um trabalho artesanal, como o de um restaurador paciente e esperançoso para ver a obra pronta. Por mais falsa que essa afirmação possa parecer, prefiro a reclusão da minha casa, escrevendo e revisando meus textos, a qualquer noite de autógrafos ou reuniões que exijam minha presença. Tenho um pouco desse silêncio do Buzz dentro de mim.
Conheci um homem muito parecido com o Buzz na cidade de Wels onde morei na Áustria. O nome dele era Willi Neuman e ele foi escultor e depois restaurador de móveis antigos. Quando a segunda guerra estourou, Hitler o obrigou a ir para Graz restaurar grandes esculturas de pedra. Willi tinha esse silêncio dentro dele, passava horas lixando e polindo suas peças e nada o fazia mais feliz. A noite bebia seu vinho e ia para cama já ansiando o dia seguinte para fazer a mesma coisa.
29.9.08
PALAVRA, WORT, WORD, MOT, PAROLE
O entendimento do significado das palavras pode variar de pessoa para pessoa. Na maioria das vezes não é assim, mas quando o que o outro entende é muito diferente do que lhe dissemos, o sentimento de frustração é imensurável. Não vou particularizar, nem dar nomes aos bois, mesmo porque os bois não iriam entender. Escrever sobre esse tema é uma forma de me sentir aliviado, de me livrar da incompreensão. Na maioria das vezes a incompreensão vem porque os interlocutores estão presos aos formatos das expressões usadas e de como elas são ditas. Quando voltei a morar no Brasil em 2000, prestava muita atenção no que me diziam. Talvez porque por mais de uma década havia me acostumado a prestar muita atenção no que me diziam em uma língua que não era a minha. Me prendia ao real significado das palavras para poder me comunicar com os outros e me fazer entender. Então percebi que compreendia o significado das palavras que meus interlocutores queriam me dizer, mas não realmente o que eles estavam querendo me dizer. Há muitas nuances que navegam junto dos significados das palavras. Quem se apega apenas as formas ou em como elas são ditas não conseguirá compreendê-las. O problema se agrava quando falamos com pessoas que julgamos serem capazes de compreender não apenas o real significado do que estamos lhes dizendo, mas também a grande quantidade de significados que as palavras contém dentro delas, isto é, do que estamos querendo lhes transmitir, e elas não nos compreendem. Porque a palavra pode ter muitos significados, e quando a utilizamos lhe emprestamos nossas intenções. O perigo se dá quando as intenções não são claras. Nós as compreendemos pelo que significam, mas não compreendemos as pretensões embutidas nelas.
Quando não souber o que dizer, opte em não dizer nada.