31.12.10

FELIZ ANO NOVO!

Que a boa energia lançada na virada do ano nos acompanhe durante todo 2011.

28.12.10

PAPAI NOEL

Passei o natal em Grenoble na casa dos avós de um amigo. Tranqüilo, sem estresse. Três dias calmos, na companhia de gente acolhedora e boa. Comemos e bebemos muito, mas também gastamos energias fazendo longas caminhadas nas montanhas cobertas de neve. Estou de volta em Paris e passo o Reveillon aqui. Enquanto o tgv rolava me trazendo de volta, refleti sobre como essas datas de festas coletivas conseguem mobilizar as emoções. Ninguém escapa. De uma maneira ou de outra, mobilizam até aqueles que passam esses dias criticando a onda de consumismo que se instaura quando na verdade a idéia é a confraternização e bla bla bla. Emoção também pode ser tratada como um produto consumível. Na maioria das vezes por essas mesmas pessoas que amam nos dizer como é que devemos nos sentir.

Tem um clochard que mora na Rue St Antoine bem próximo aqui de casa. Quando eu ia em direção ao metro vi quando uma mulher lhe entregou um par de sapatos. Ele perguntou qual era o número, e ao ouvir a resposta disse que os sapatos eram pequenos para os seus pés. A mulher insistiu e disse que mesmo assim queria que ele ficasse com os sapatos. O sujeito lhe respondeu que não, o que faria com um par de sapatos que não cabiam nos seus pés? Os dois discutiram e ele mandou ela enfiar o sapato vocês sabem onde. Eu me diverti. Pense bem. O que ela queria?

Um outro clochard que faz ponto todos os dias de manhã sentado nas escadarias do metrô St Paul desejando bom dia para os passantes e atrapalhando o acesso a entrada da estação, passou o dia 24 fantasiado de papai Noel com uma garrafa de vinho na mão e um saco plástico preto vazio ao lado. Casais jovens que passavam com seus filhinhos pelo local tratavam de desviar rapidamente. Ho ho ho.

Pouco antes da minha professora do primeiro ano primário me dizer que Papai Noel não existia, eu me perdi da minha mãe numa grande loja de departamentos. Fazíamos as compras de natal quando eu o avistei no fundo da loja. Sem que ela percebesse, eu fui procurá-lo, atraído por sua longa barba branca, não me lembro bem como tudo aconteceu, sei que ao me aproximar dele desatei a chorar de medo e acabei sendo anunciado como menino perdido pelos alto falantes da loja. Naquele ano ainda desejei uma máquina fotográfica kodak. O coitado do meu pai se virou para dar conta do recado. Lembro que ganhei a máquina e no dia seguinte já não tinha mais o menor interesse nela. Nem sei por que pedi uma máquina fotográfica de presente. O que me lembro é que infernizei a vida dele para ganhá-la.

Sem balanços. 2010 passou muito rápido. Quase todos os meus desejos foram realizados por mim mesmo. Quase todos. Virei meu próprio papai Noel? Não tenho queixas. Tenho feito menos pedidos a mim mesmo, já que com o tempo fui obrigado a aceitar que nem tudo depende somente da minha vontade de realizá-los, mas de uma imensa gama de fatores extraordinários e de outras pessoas. Continuo pedindo. E desejando. E quando dou de cara com um papai Noel já não o temo. Eu o abraço (quando ele permite), e sopro alguns desejos em seu ouvido.

21.12.10

SONHOS


Assisti um documentário sobre o poder dos sonhos feito em 2009 por uma inglesa chamada Amy Hardie que me impressionou bastante. Amy é ela mesma a protagonista de seu documentário. Mulher que sempre se considerou racional e cartesiana, ela nunca se lembrava de seus sonhos. Um dia, ela sonha que seu cavalo está lhe dizendo que vai morrer. Assustada ela acorda e vai procurar o cavalo e o encontra morto. Algum tempo depois, ela tem um outro sonho, dessa vez com o primeiro marido já falecido com quem ela teve um filho, que lhe diz que ela morrerá aos 48 anos. O problema é que ela havia acabado de fazer 48 anos poucos dias antes de sonhar. A partir daí ela passa a fazer uma crônica diária, filma suas filhas falando sobre a morte, seu marido que é psicanalista e que tenta analisar seus medos com argumentos racionais para tentar explicar os sonhos, expõem seu medos, filma seu cotidiano em contagem regressiva. Depois de dois ou três meses ela desenvolve uma grave doença nos pulmões, e os médicos que tratam dela não conseguem descobrir a razão e nem a cura para a doença. A gente vai ficando aflito porque tudo nos leva a crer que ela vai filmar a própria morte. Nesse meio tempo ela ouve falar de uma brasileira (tinha que ser) que é xamã e que mora na Escócia. Vai procurá-la e a moça lhe diz que ela tem que sonhar de novo e interferir nesse sonho. As duas fazem um ritual maluco e entram no sonho e conseguem desconectar o processo de morte que ela mesma havia programado ao acreditar na previsão feita no sonho. Ufa, um sufoco, o cavalo reaparece, o medo de serpentes, o ex marido, tudo volta a ser cozinhado no caldeirão daquela sessão xamãnica e nos é compartilhado. O filme é sério e de alguma forma tenta discutir as diferentes percepções que a gente pode ter da realidade.

Corta.

Dia seguinte.

Caminho com muito cuidado para não escorregar nas ruas enlameadas de neve.
Reflito.
Sobre as múltiplas realidades existentes.
Qual será o processo seletivo?
Como é que isso deve funcionar?
Então sou eu quem as inventa ou elas se apresentam prontas?
Creio que estamos sempre fazendo escolhas.
Mesmo quando achamos que não.
E elas devem ter uma relação com a razão, e também com a intuição.
Eu também não me lembro dos meus sonhos.
Dizem que sempre sonhamos, mesmo quando achamos que não.
Acho que deve ter alguma relação com o fato de existir gente que sonha enquanto está acordado, o que é o meu caso.
Sonho durante o dia.
De noite tento dormir.
De noite o órgão responsável pela produção dos sonhos está tão cansado que me boicota.
Que saco!
Queria sonhar.
E lembrar dos meus sonhos.

19.12.10

SERIA O RENASCIMENTO DOS ISMOS?


É com uma certa frequência que escuto falar sobre o fim das ideologias. Segundo a opinião dos que insistem em decretar a derrocada dos ismos, uma das razões seria a vitória do niilismo. Outro dia refletindo sobre isso, encontrei uma face positiva contida nesse argumento. Porque se o idealista, como eu o compreendo, acredita em algo que pode ser pura imaginação e fantasia e nega a realidade individual das coisas, isso quer dizer que estamos menos vulneráveis e desconfiamos mais de teorias que nos são apresentadas como soluções salvadoras e definitivas. O que não é de todo mal. Talvez formemos uma massa de incrédulos, no fundo uma massa de niilistas que só acredita vendo e não está disposta a embarcar em novos ismos a qualquer preço. A face negativa fica por conta da passividade, que venceu a vontade de tomar as rédeas e transformar, típica dos idealistas, e traço forte dos descrentes. Se as definições me permitissem ser mais flexível eu diria que estamos mais para uma sociedade niilista idealista, um bando de gente descrente com devaneios egocêntricos. O engajamento será sempre proporcional a visão que o indivíduo tem da realidade.

O filme do inglês Michel Hoffman, que tenta nos contar como foram os últimos dias da vida de Tolstoi, e aqui saiu com o título “Tolstoi, o último outono”, é uma mostra de como podemos banalizar um mito quando tentamos tirá-lo de seu trono de intocável. Isso pode ser saudável? Sim, pode, mas é inevitável que seja também brochante. A parte a interpretação excepcional de Helen Mirren e Christopher Plummer, não sei não se a coisa foi assim tão descafeinada, beirando a tea time. Faltou o peso sombrio do homem Tolstoi e sobrou uma coisa inglesa mais para “orgulho e preconceito”. O filme trata de relação tumultuada entre Tolstoi, sua mulher Sofia com quem viveu quase meio século e seu admirador e chefe da seita toistoniana, Chertcov. Chertcov tenta convencer Tolstoi da necessidade de deixar seu legado para o povo russo enquanto Sofia se sente traída pelo homem que ela dedicou a vida inteira e que está prestes a deserdá-la. Se procurarmos lá no fundo nossa porção Poliana, podemos encontrar algo de positivo nesse embate entre idealismo e realidade, no filme representado por Chertcov e Sofia na mesma ordem. Aí entra a história do engajamento ser proporcional a amplitude da visão da realidade do indivíduo. Esta é a chave do filme, e do embate dos personagens envolvidos, se apegue a esse argumento e vá assisti-lo.

Vou tentar aqui fazer uma previsão. Acho que vem aí uma onda de protestos estudantis e movimentos sociais. Diferente de maio 68, vai ser uma coisa organizada sobre os preceitos dessa sociedade niilista idealista egocentrista, isto é, um bicho de sete cabeças. Eu o sinto sendo alimentado nas conversas entre professores e estudantes. Por enquanto e só um sentimento, daqueles que vem com arrepios na coluna, mas que no fundo provoca uma certa felicidade.

15.12.10

O OLHAR DA ROMY SCHNEIDER

Sexta que vem o canal de televisão Arte vai mostrar um documentário com a atriz Romy Schneider. E toda hora que eles fazem a chamada para nos lembrar do documentário, eles abrem a cena com ela cantando "La chanson d'Hélène", que foi tema do filme "Les choses de la vie" de Claude Sautet. Bem... os dias aqui estão frios, neva muito, a cidade nos lembra o tempo inteiro que o amor é... ehhh já me esqueci, faz tanto tempo, de qualquer forma eu não consigo mais tirar esse olhar e a voz da Romy Schneider da cabeça. Saio para a rua e ela me acompanha. E faz um estrago danado. O amor, o começo, o meio e o fim. Quanta coisa pode caber num olhar, quanto sentimento uma canção é capaz de provocar, quanta coisa está passando pela minha cabeça nesses dias. O amor do jeito que eu conheço foi-me apresentado pelo cinema. Antes de amar a primeira pessoa que amei, o cinema já havia soprado em meu ouvido as canções de amor que me fariam sonhar e grudado nos meus olhos as imagens de como meu amor deveria se parecer. Essas imagens e canções fazem parte do meu imaginário romântico, e eu duvido de toda pessoa que tenta me convencer que o amor como eu o imagino não possa existir. Sonho para continuar vivo. Compartilho com voces o vídeo e a canção, reparem no olhar da Romy Schneider.


PURO ACASO

Um amigo me presenteou dois jeans, um azul escuro e outro preto, Levis 501, ele os trouxe de uma viagem que fez aos EUA. Chegaram em boa hora, não sei como mas ele leu meus pensamentos. Hoje eu os levei para fazer a barra aqui perto de casa, numa costureira que eu sempre vi trabalhando numa pequena oficina quando passava pela Rue de Turenne. Uma senhorinha simpática que trabalha sozinha na sua oficina. Durante o tempo em que experimentei as calças ela quis saber tudo sobre minha vida e contou mais um tanto da sua. Veio da Tunísia há 50 anos, é judia, viúva e tem dois filhos, um deles acaba de vender o apartamento e ela está com medo que ele não encontre outro logo e gaste todo o dinheiro. Tem razão eu respondi, conheço essa história, dinheiro na mão é vendaval, ou se reinveste logo em algo concreto ou ele desaparece. Depois ela abriu uma gaveta e me mostrou um bolinho com 750 reais que um brasileiro lhe deu como pagamento de outros reparos. Eles valem alguma coisa? Sim, eu lhe respondi, aproximadamente uns 300 euros. Ela ficou feliz da vida. Deve trocar logo ou guardar? Troque logo eu lhe recomendei, e compre alguma coisa de presente para a senhora. Não, ela sorriu. Não preciso de nada, mas vou trocar assim mesmo. Na hora de pagar ela cobrou apenas pelo trabalho de uma das calças. Eu quis pagar as duas, mas não teve jeito, ela se recusou a receber. Saí de lá e depois de caminhar algumas quadras entrei numa livraria que fica na Rue de Bretagne, logo que entrei dei de cara com outro senhor que conheci num Café outro dia e com quem conversei longas horas. No dia em que eu o conheci falamos sobre livros e foi ele quem me indicou a livraria onde estávamos agora. Contei a ele que havia levado minhas calças para fazer a barra e resolvido vir conhecer a livraria. Ele conhece a costureira, me contou que foram namorados logo que ela chegou em Paris no final da década de 50. Disse que ela era uma mulher belíssima, mas que a coisa não se desenvolveu porque ele enveredou por outras áreas. Outras áreas? Sim, ele gostava muito dela, mas acabou gostando mais ainda do irmão dela, com quem ele manteve encontros em segredo até o dia que não deu mais para esconder e os dois tiveram que assumir a história. Segundo ele, o rapaz era de uma beleza inacreditável e o seduziu. Como assim seduziu? Até então eu não sabia que me interessava por rapazes, ele me respondeu com um sorriso maroto no rosto. Ah bom, e depois disso? perguntei curioso. Depois disso eu vivi com o irmão dela até pouco tempo, precisamente até dois anos atrás, quando ele faleceu com quase noventa anos. Viveram juntos por mais de 50 anos? Sim, e nesse tempo todo a irmã costureira não os perdoou, nunca mais falou com nenhum dos dois, nem no enterro ela apareceu. Meu Deus, eu disse, essa história parece ter sido inventada. Non, non monsieur, não saiu de nenhum livro, essa é a história da minha vida, ele me respondeu. Antes de pegar sua sacolinha de livros e ir embora, ele voltou-se novamente para mim e me disse, ah monsieur, se você quiser agradecê-la e fazê-la feliz, compre um sonho de baunilha e leve para ela, é seu doce predileto. E foi o que fiz. Comprei o sonho de baunilha e levei para ela. Feliz como uma criança ela me perguntou como eu sabia que ela gostava de sonhos. Eu lhe respondi que não sabia, que havia acertado por puro acaso. Agradeci mais uma vez e voltei para casa tentando me convencer de que esses encontros são apenas obras do acaso.


13.12.10

CALMA, É SÓ MAIS UM PRODUTO

No final de semana vi dois filmes. Um deles, uma bobagem, “De vrais mensonges” (Mentiras verdadeiras, ou algo parecido em português) com a Audrey Tautou, vá num domingo a tarde, sessão das 16 horas e esqueça que eu falei sobre o filme. Essa moça vai se perder se não parar de se auto-interpretar como uma moça boazinha, vai entrar no rol das ordinárias com voz infantilizada. Pronto, é só isso. Mas se quiser ver um filme bem feito, simples, que conta uma história mais simples ainda, vá ver “Mardi, après Noel” (terça, depois do natal), um filme que vem da Romênia, com bons atores, e que conta a história de um casal que tem uma filha de oito anos e que vai acabar se separando porque o sujeito se apaixona pela dentista da filha. O interessante é a maneira delicada como o tema separação e a passagem da perda da ingenuidade é tratada. Salvou o mal humor provocado pela Tautou e sua voz de nenê.

Voltou a fazer muito frio em Paris. A temperatura caiu para 8 graus negativos hoje. Sai de casa ainda muito cedo para ir a Sorbonne, com o dia começando a clarear. Teria preferido ficar na cama, mas não queria perder a aula de sociologia da cultura com esse professor que gosto tanto chamado Pecquignot. Três horas ininterruptas de um prazer inenarrável. Claro, objetivo e bem humorado. Marx, Michel Verret, Bourdieu, Hoggart, ele os trata com um respeito enorme, e nos apresenta esses sujeitos com um talento raro. No volta, ainda no metrô, meus pensamentos me levavam para outros lugares. O que vou fazer com tudo isso que estou ouvindo e acumulando dentro da minha cabeça? Dá para transformar o acumulo em produto e sobreviver deles? Dá para por Marx na minha vida? Porque se minha existência está diretamente ligada a minha produção, meu Deus, estou frito.

11.12.10

À LA RECHERCHE


Faz muito tempo que não sei o que é dormir um sono de horas ininterruptas. Durmo em conta gotas. Durmo no limite entre os territórios da consciência e o da inconsciência. Um replay da outra metade do dia, onde de alguma forma também fico transitando entre um e outro território. Longtemps, je me suis couché de bonne heure. Na maior parte do tempo é lá que fico, nesse lugar que não é nem um nem outro, e quando estou num quero ir para o outro e quando estou noutro quero voltar para o um. A luz verde permanentemente acesa do pequeno aparelho responsável pela minha conexão com a internete serve como um farol. Sou um rochedo no meio do oceano. Essa é a minha conexão. Voltarei para ela na manhã. Por enquanto me conecto a outros quartos onde dormi parte da minha vida. O perfume das tannenpalm é só uma lembrança. O silêncio. Eu o escuto, também como parte da lembrança. Agora é o cheiro do lixo que sobe com os homens poubelles quando abro as janelas. L’habitude! A única que tenho é a de lutar contra o que pode tornar a ser. Paciência. Não tenho. Volto para o farol e me agarro a ele. Nenhum náufrago a vista. Ouço as batidas do meu coração. Meu computador é equipado com dois. Duo cori está escrito logo ao lado das teclas que pressiono nesse momento. Duo cori. O perfume de vétiver está impregnado em todos os objetos e tecidos. O teto está mais baixo. Posso tocá-lo, mas não. Branco. Frio. Liso. O teto não foi feito para ser tocado. O sino da igreja bateu uma única vez. Meia hora de alguma hora. St Paul. St Paul. St Paul. São Paulo, 25/1/1962, St Paul. Logo ao lado. Faz um milhão de anos que moro num lugar chamado longe.

5.12.10

ANTICONGESTIONANTE E 131


Nos últimos cinco dias não saí de casa. Peguei uma gripe muito forte e não tive condições de fazer nada nem disposição física. Quando acordava dos meus pesadelos, uma seqüência enorme deles, acho que provocada pelos remédios e descongestionantes, sentava para escrever meu quarto romance, ainda sem título. Nevou muito ontem de manhã, mas a neve não resistiu a chuva fria que veio logo em seguida e derreteu. Tive como trilha sonora, o Quarteto de cordas de Budapest executando Beethoven que encontrei por 8 euros a caixa completa num sebo da Rue Vaugirard. Ouvi esses cds exaustivamente e escrevi também exaustivamente. Em alguns momentos me pergunto por que insisto em fazer isso. Passar horas em frente ao computador escrevendo e sofrendo para dar sentido a uma história que só interessa a mim mesmo, sem falar no cansaço físico, na dor nas costas e na congestão intestinal por passar horas sentado nessa porcaria de cadeira. Devo ter tendências masoquistas. Acho que escrevo para não enlouquecer. Ou já devo estar louco e ainda não me dei conta. Mas desconfio que escrevo para não enlouquecer, porque não saberia o que fazer com um monte de coisas e assuntos que não me interessam, e quatro montes ainda maiores de pessoas que me interessam ainda menos. Prefiro assim. Não tenho medo da solidão. Outro dia, enquanto dialogava com os meus botões, conclui que não conheço outra forma de sociabilizar com as pessoas a não ser pelo distanciamento. Quando me distancio é quando mais me sinto próximo delas. E Deus não vai me castigar por isso. Minha produção literária se faz a conta gotas, esse é o meu maior castigo. E eu tenho o péssimo costume de me maltratar. As vezes tenho a impressão de que faço de tudo para procrastinar minha escrita. Não sei fazer de outro modo, ou não tenho alternativa. Não sei. O que sei é que gostaria de ter conhecido Beethoven. Eu lhe beijaria as mãos e sussurraria em seu ouvido toda a minha gratidão. O quarteto para cordas número 131 em dó menor é mais um exemplo da genialidade desse sujeito forte e sensível. Depois desses cinco dias eu o conheço de cor e só não saio assobiando porque não teria fôlego para acompanhar os acordes ininterruptos e longos. Dormi com o adágio do primeiro movimento, acordei com ele, escrevi com ele e chorei com ele. E o quarteto de Budapest o interpreta magistralmente (uma expressão que devo estar plagiando de algum crítico besta, mas sinceramente, não tenho outras palavras para dizer o que quero dizer). Ainda estou me recuperando da minha gripe infernal. Voltei para o limbo, daqui a pouco volto para o cotidiano. E enquanto escrevo esse post ouço mais uma vez o quarteto para cordas 131. É assim que as coisas devem ser. É assim que eu gosto de perceber e absorver a vida: através da pele. O resto é shopping center, supermercado.

2.12.10

LARRY CLARK

A exposição do fotógrafo Larry Clark no mam de Paris causou discussões e polêmica mesmo antes de sua data de abertura. O prefeito queria proibi-la por achar que algumas fotos de Clark são um atentado ao pudor. Lembre-se, o prefeito de Paris é conhecidamente gay e aí vai um recado para quem está acostumado a enquadrar o homossexual num único formato: tem para todo mundo, o leque de tipos é no mínimo igual ao do heterossexual, vai do conservador ao estridente, do tradicional ao pós-moderno, do gari ao prefeito. Enfim, a exposição foi aberta com a condição de que a entrada seria proibida para menores de 18 anos. Quando a visitei não vi nada que um adolescente não poderia ver e que não possa ver num clicar de teclas no computador de sua casa. Aliás, a exposição é composta na maioria de fotos de adolescentes e teria como alvo exatamente esse público. Uma advertência na entrada do museu teria sido suficiente. Enquanto via as fotos, novamente tive minhas velhas reflexões sobre como enquadrar a fotografia no imenso universo da arte. As fotos de Larry Clark por exemplo, são um misto de documento e testemunho. Não consigo vê-las como uma produção artística, no sentido original do que é fazer arte, como produção de algo inteiramente novo no campo intelectual ou material, mas como recriação de um estado da realidade. Quando vemos os garotos injetando drogas nas veias enquanto seus pênis estão em estado de semi rigidez (Nossa! Demorei para achar uma expressão que substituísse o popular “frappé”), as imagens são o registro de um testemunho, no caso o do Larry Clark num universo que a maioria dos visitantes da exposição já ouviu falar mas poucos tenham feito parte, e funcionam como uma forma de incursão higiênica num mundo que esses visitantes normalmente não teriam entrado não fosse através dessas fotos. Como bom ouvinte voyeur que sou, ouvi pouquíssimos comentários das pessoas que estavam próximas, o silêncio acompanhava o olhar da maioria. Passa-se de um pênis semi-ereto a outro sem nenhum comentário, de um pico a outro com cara de paisagem, adultos de idade variada, mentes cheias de fantasias. O que se passa dentro de cada uma dessas cabeças? O que estão pensando? No final da exposição minhas emoções estavam em baixo da sola dos meus pés, saí me perguntando o por que daquele cansaço. Entrar no universo de Larry Clark não exige nenhum esforço, e talvez esteja aí o perigo.

29.11.10

AMARELINHA

Para começar esse post escrevendo as palavras que vocês estão lendo agora, escrevi e deletei pelo menos uma dezena de frases. Queria falar sobre a dificuldade que é construir uma relação de intimidade com as pessoas que acreditamos mais próximas. Todas as vezes que comecei a escrever achei que minhas palavras “soavam” de alguma maneira inadequadas. Difícil. Mas vou tentar. Porque hoje estou precisando dizer o que venho pensando desde que cheguei aqui e me distanciei geográfica e fisicamente das pessoas que amo. Intimidade não tem nada a ver com consangüinidade. Não é porque somos irmãos, primos, tios que somos automaticamente íntimos. Intimidade se constrói. E é difícil e delicada essa construção. A imagem de uma pirâmide de cartas que qualquer ventinho pode botar no chão me vem a cabeça. Depois de colocar a última carta ainda falta uma proteção de vidro. Talvez até por isso nos tornamos muito mais facilmente íntimos de pessoas que não tem nada a ver com a nossa família. Porque nos obrigamos a reinventar delicadezas para acessá-las. Por outro lado, a gente tem a impressão de que já conhece tudo sobre alguém que cresceu do nosso lado, e que isso é o suficiente para nos sentirmos íntimos. Mas não é assim que as coisas funcionam. Nesse caso tudo é muito mais complicado. A gente precisa se mostrar disponível e querer. Sobretudo a gente tem que querer. E quando a gente quer a gente se aproxima, se mostra, se expõe, demonstra que quer ser próximo, que está se mostrando porque apesar (é isso, escrevi apesar) dos laços sanguíneos você quer trocar confidencias com essa pessoa, dizer como se sente, porque sente tal sentimento, e quer saber o que a outra pessoa pensa e sente, e quer dar e ouvir opiniões, mesmo que contrárias as suas e quer discutir detalhes e ouvir, sobretudo você quer ouvir. E como são importantes nessa hora as opiniões contrárias as suas! Mas é difícil, reconheço. Porque o problema é reconhecer esse sentimento no/a outro/a, e lógico, o/a outro/a também tem que reconhecer isso em você. Os sinais tem que ser claros. Fumaça branca para mostrar que há consenso e que uma decisão interna foi tomada antes disso. Quando é que funciona? Não tem receita pronta, não é como fazer bolo de caixinha de supermercado. O que sei é que as pessoas têm que estar dispostas a construir a tal da pirâmide de cartas juntas, alternando a vez, entender intuitiva e racionalmente o funcionamento dessa construção e depois não esquecer da proteção de vidro. Ora sou eu quem coloca mais uma carta, ora é você quem vai apoiar mais uma sobre a última camada de cartas da pirâmide. Difícil. Mas se tiver vontade dá, e se souber rir quando um dos dois deixá-la desabar com o único propósito de recomeçar a montar a pirâmide, melhor ainda.

Cavar, cavar e cavar e quando encontrar as raízes, arrancá-las.
Deixá-las soltas no ar.
Como árvores que possuem raízes aéreas,
Tubos aspiradores de oxigênio.

25.11.10

DA SÉRIE FELICIDADES QUE CUSTAM 1 EURO

Escritor sempre foi duro. Escrever e ganhar dinheiro nunca deu muito certo. A maioria dos escritores sobrevive às custas de trabalhos paralelos, ou tem a sorte de encontrar alguém que acredita em seus trabalhos e os financia, pode ser a mulher, a mãe, o companheiro ou uma amiga anjo da guarda (como eu tenho a sorte de ter, vou mantê-la no anonimato e rezo por ela todos os dias). Na verdade esses sujeitos continuam escritores por teimosia, exercem seus ofícios silenciosamente, escrevem nas horas que lhes restam livres, são mal vistos pelos familiares e amigos, chamados pelas costas de preguiçosos ou fracos por não abandonarem a carreira (sem futuro) e se juntarem aos outros bilhões de mortais que têm um trabalho considerado normal, enfim, um martírio em vida sem nenhuma garantia de que um dia reverterão a situação e poderão de alguma forma retribuir um pouco do que receberam as poucas pessoas de bem que acreditraram neles. No Brasil vão quando muito vender 3.000 exemplares, ou um pouco mais, e viver das migalhas que as editoras vão lhes pagar. Ou quando estiverem bem velhinhos vão ganhar algum prêmio literário que vai dar para no máximo trocar de carro ou cobrir o saldo negativo do banco. Uma pobreza. País sem leitores, país sem escritores, quanto menos educação a criança brasileira receber mais difícil será a vida do escritor no Brasil.

Estou lendo um livro (mais um que paguei apenas 1 euro) que narra as histórias de dificuldades dos escritores. O livro abre sempre o capítulo que vai falar de tal escritor com uma introdução que informa o leitor a respeito de sua vida e depois transcreve a troca de correspondência entre ele e o seu editor. Não preciso dizer que elas são recheadas de pedidos de empréstimos e brigas por causa de dinheiro ou picaretagem de ambas as partes. Algumas delas são muito divertidas. Como as de Balzac que começam educadíssimas e acabam em trocas de acusações e numa lavação de roupa suja sensacional. Balzac que também foi editor entre outras atividades que exerceu, acabou em dificuldades financeiras e passou a cobrar seus débitos juntos aos editores. Outras rabiscam um pouco a imagem dos personagens. É o caso da história do Flaubert que já no final de sua vida faz de tudo para que um de seus amigos, Louis Bouilhet (já morto), fosse editado. Seu editor, Michel Levy, que acreditou mais do que ninguém em Flaubert e publicou dois de seus livros sem mesmo tê-los lido, fez de tudo para tirá-lo da idéia. Sabia que o cara não era bom, mas Flaubert era teimoso e briguento, insistiu tanto que o editor acabou cedendo. Lógico que Flaubert pediu um adiantamento para organizar a coletânea de poemas do amigo. E não é que ele enfiou centenas de páginas brancas para “inchar” o livro de poesias e receber mais dinheiro do que deveria?

Por último estão as correspondências trocadas entre André Gide e Marcel Proust. São antes de tudo emocionantes. Por tudo. Pelas circunstâncias e pelo humanismo dos dois escritores. E uma janela que se abre nos mostrando a trama mental de Proust, o manuseio das palavras, a desenvoltura de sua inteligência expressada através da exposição de suas emoções. Gide na época era editor de uma revista chamada La Nouvelle Revue Française que depois acabou se fundindo com o editor Gaston Gallimard e hoje é a editora Gallimard. Estamos em 1912 e Proust manda seus originais para eles avaliarem. Gide e seus colaboradores na época consideram Proust um cara esnobe e mundano por causa de suas opiniões como colaborador do jornal Figaro, e rejeitam a edição. Proust ao contrário, acredita em seu livro, e o publica apesar da negativa, pagando do próprio bolso a edição pela editora Grasset em 1913. Um belo dia o livro já publicado cai nas mãos de André Gide e esse percebe o erro que cometeu. Sente uma culpa do tamanho daquelas que nós escritores jogamos como praga a todos os editores que nos lêem e nos rejeitam. Envia uma carta ao Proust confessando que apenas folheou superficilamente o livro, e o esnobou. Pede desculpas e faz um mea culpa honesto e emocionante. A resposta de Proust é de uma delicadeza inenarrável. Nela Proust escreve que algumas alegrias são muito mais intensas quando vem a posteriore, como a que ele sente enquanto lê a confissão na carta de Gide. Diz ainda que Gide lhe proporcionou mil vezes mais prazer do que a tristeza que ele o fez sentir quando seus originais foram rejeitados. Há toda uma série de cartas trocadas entre os dois, e daquele momento em diante Gide faz de tudo para trazer Proust para sua editora e consegue. Eles se tornam amigos. Em 1918 Proust recebe o prêmio Goncourt pelo livro “A sombra das raparigas em flôr” já pela editora Gallimard e mesmo depois de sua morte mais dois livros seus são editados pela mesma editora.

22.11.10

QUEM ESCOLHE QUEM


Ao vasculhar as bancas de um pequeno sebo próximo a Sorbonne, encontrei um pequeno livro intitulado “Petits écrits français” (Pequenos escritos/textos franceses) que como o próprio texto diz, traz alguns textos, anotações e também algumas cartas trocadas entre Schopenhauer e seu amigo de infância Anthime Gregoire de Blésimaire. A história é a seguinte: Anthime era filho de um amigo do pai de Schopenhauer, e esse último resolveu enviar o filho a Havre para que o mesmo passasse uma temporada (dois anos 1797-1799) e fosse educado nos moldes burgueses da época. O pai de Schopenhauer esperava assim que o filho seguisse sua profissão de comerciante. “Meu filho deve ler os grandes livros do mundo” ele disse esperando que no futuro o filho realizasse seu sonho. Mas como todo mundo hoje sabe o filho preferiu ser filósofo a ser caixeiro viajante. Encontrei o livro por acaso e paguei apenas 1 euro quando ia a pé para a universidade. Atravessei a ponte de Sully, passei pelo instituto do mundo árabe e vi o sebo do outro lado da rua antes de chegar a rue Monge. Fazia um frio danado, mas não resisti e parei para fuçar os livros. Depois como de costume entrei no Café Vert para esperar Luca, um amigo que faz o curso comigo antes de irmos para a aula. Comecei a ler o livro no Café e só parei no fim da aula sobre a crítica da consciência. Não consegui me controlar tamanho prazer que a leitura me proporcionou. Schopenhauer foi mais forte que Poulet e sua escola de Geneva, tema da aula que eu deveria ter prestado atenção hoje. Que delícia, o tempo passou e eu nem percebi. Entre outras cartas, o livro traz uma que foi enviada a um editor francês chamado Aubert de Vitry, na qual ele se oferece para fazer as revisões das obras de Goethe que foi seu amigo íntimo. Sua humildade e delicadeza no "manuseio" das palavras, e também sua segurança em afirmar que ninguém mais além dele seria capaz de revisar Goethe são de emocionar. O editor, apesar de todas as apresentações e referencias a seu nome, na época já um homem conhecido e publicado, o ignorou. É isso. Paris tem dessas coisas, sebos onde os livros parecem estar esperando por você. Dia cinza, frio, sua moral está murcha como uma ameixa e o livro sente isso no momento em que bate o olho em você. Você pega o bichinho, vira de um lado, do outro, abre para ver se está em bom estado. Nem percebe que ele entrou na sua mente e sussurrou “me compra, me compra”. Pensa que é livre para escolher e acaba comprando. Então começa a ler a primeira página e pronto, a vida sorri para você novamente.

21.11.10

INSUSTENTÁVEL LEVEZA


Durante a semana várias vezes refleti sobre um sentimento que vem ocupando um espaço cada vez maior em mim. O desacreditamento. Tenho desacreditado progressivamente. Os motivos que vêm dando força a esse sentimento eu não saberia traduzir em palavras. Desconfio que eles têm a ver com envelhecer. Envelhecer num sentido mais literal, quero dizer, do tempo que passa e que me obriga a aceitar as coisas mais como elas são e menos como gostaria que fossem, assim como a mim mesmo como sou. O cansaço também pode ter contribuido. Talvez. De uns tempos para cá venho desligando os cabos que me conectam a tubos geradores de esperança e de esperanças alheias. Leia-se aí também a esperança que não é a minha, que gostariam que eu compartilhasse e que ao me mostrar desinteressado sou visto como um caso perdido. Fui de repente dizendo não e arrancando os fios conectores. Meu corpo e minha mente começaram a exigir de mim mesmo uma postura mais alinhada ao homem que penso ser. Ter que acreditar é uma atividade exaustiva. Não vou mais me esforçar. É isso. E pela primeira vez parece que não vou sentir dor, nenhuma até agora. Nem depressão. Nem tristeza. Nem a descrença foi originada por algum tipo de revolta. Não estou me rebelando. Ao contrário, estou me aliviando. A descrença é leve como uma pluma que cai lentamente do 15 andar. E me parece muito mais saudável. De qualquer forma, respiro melhor, caminho com mais desenvoltura, falo com as pessoas não esperando que elas me digam nada, aliás, não espero mais nada. Não espero e não me surpreendo. E não me amedronto com o isolamento decorrente dessa descrença. Não compartilho a idéia de que tudo é relativo e depende do ponto de vista de cada um. Quero dizer que não resolvi acometer-me por essa descrença. Ao contrário, ela esteve sempre presente, eu apenas passei a aceitá-la. Deve ser mais ou menos isso. Também não tenho mais vontade de analisar-me. Nem acho que é só uma fase e que ela passará. Digamos que a partir de agora começo a me sentir um homem melhor simplesmente porque acredito menos.

17.11.10

LÍNGUAS

Em junho quando cheguei aqui o Sarkozy tinha a aprovação de um pouco mais de 40% por cento dos franceses, hoje li no Le Monde que apenas 21% ainda aprovam seu governo, do jeito que vai até o natal a única pessoa que (talvez) ainda goste dele será a Carla Bruni.

Depois de reformar o seu ministério, uma reforma de araque, ele manteve quase todas as peças e também o primeiro ministro François Fillon, que é uma espécie de cão de guarda que pode morder o próprio dono a qualquer momento. É seu maior concorrente, e segundo a mesma pesquisa está com 71% de aprovação.

Dizem as más línguas (98 % delas) que os dois se amam tanto quanto se odeiam, e travam uma luta de egos impressionante.

Ontem para concorrer com a chatice que é o programa eleitoral obrigatório brasileiro, Sarkozi deu uma entrevista de 1 hora e 30 minutos na tv. Falou, falou, falou, e não falou nada. Aliás, é um excelente advogado em causa própria, falou de si mesmo e das mudanças necessárias que o governo francês pretende fazer para melhorar a situação econômica e social do país, mas esqueceu de dizer como vai fazer.

O problema é que a esquerda daqui também fala o tempo todo o que deve ser feito mas não diz como e com quais recursos. De retórica a esquerda sempre foi boa. O Partido Socialista francês deveria levantar as mãos para o céu e agradecer ao Sarkozi por já ter feito a reforma dos aposentados. Evitou um confronto com os sindicatos onde estão seus eleitores. Um abacaxi desse tamanho que já foi descascado e que a esquerda economizou. O desgaste todo recaiu nas costas do Monsieur Bruni. Se nas próximas eleições o PS conseguir convencer os franceses de que pode governar melhor, o Abacaxi será menos azedo. Uma nova reforma deverá ser feita daqui a 10 anos, porque segundo outras línguas, menos más e mais qualificadas (os 2% restantes), essa só resolve as coisas até 2020.

14.11.10

UM POST BIEN PETIT E UM DE INDIGNAÇÃO

Não postei nos últimos dias porque me faltou tempo. Estou escrevendo meu quarto romance (o lançamento do terceiro, “Dissonantes”, está previsto para o primeiro trimestre do ano que vem) e me dediquei a ele. Além disso estou tendo que ler muito para poder concluir os trabalhos da universidade, meu tempo ficou bastante reduzido. No sábado saí de casa depois das onze da noite para tomar alguma coisa e acabei numa sala de cinema na sessão da madrugada. Assisti “O homem que queria viver sua vida” (título que traduzo livremente do original que é L’homme qui voulait vivre sa vie) e gostei muito. A história de um homem que visto de fora tem tudo para se considerar um homem feliz e satisfeito, mas que contra sua vontade é obrigado a mudar totalmente o rumo de sua vida. Não conhecia o diretor (Eric Lartigau) nem os atores, com exceção a Catharine Deneuve que faz uma ponta no filme. Agora a noite revi “Os amantes da Pont Neuf” que não me suscitou as mesmas emoções das outras vezes que o assisti. Tem cenas inesquecíveis, mas hoje especialmente eu estava imune aos seus apelos.

Meu plano tv/internet/fone me dá direito a centenas de canais de tv. Zapeando encontrei até dois canais da tv armênia. Assisti a um programa com os meus conterrâneos sanguíneos tentando entender alguma coisa do que falavam, consegui compreender uma ou outra palavra e ainda tive a sensação estranha de que qualquer um daqueles seres parecidos fisicamente comigo poderia ser meu tio ou tia. Mais tarde zapeando descobri que posso ver gratuitamente o canal de sport pay per view do Brasil. E mais, assisti ao jogo do Corinthians contra o Cruzeiro e não tenho dúvidas de que o zagueiro cruzeirense cometeu pênalte no Ronaldo. O jornalista que "irradiava" o jogo disse que foi no máximo imprudência, ora, ora, que asneira, por imprudência muita gente já matou e morreu. Depois completou com mais uma bobagem, " repare que ele estava até com os olhos fechados quando foi na bola" argumento ainda pior, que demonstra que de futebol o sujeito deveria entender um pouco mais para fazer comentários num canal que se diz especialista em futebol. O zagueiro deveria ter ido na bola com os olhos abertos para tentar atingir a bola e não o atacante, se trombou com Ronaldo foi para evitar que ele dominasse a bola e chutasse ao gol, então indubitavelmente foi pênalte. Fica aí meu registro, cruzeirenses voces tem time para ganhar de qualquer um e jogaram bem, mas o risco de tomar um gol faz parte do jogo aceitem a derrota como parte do jogo e parem de ver armação no resultado. Roger, aquele que já passou por metado dos clubes do Brasil (inclusive pelo Corinthians) com seu chinelinho e agasalho de semi aposentado, não tem autoridade moral nenhuma para fazer críticas, vide sua postura antiprofissional internacionalmente conhecida (chutou fora propositalmente um pênalte e com isso provocou a saída do Passarela então técnico do Corinthians).

9.11.10

HOUELLEBECQ E AS CARTAS NA MANGA


O prêmio Goncourt 2010 (o maior prêmio literário da França) desse ano premiou meu candidato. Torcia por Michel Houellebecq e seu livro “A carta e o território” por vários motivos, entre eles, porque ele é um escritor diferente dos escritores contemporâneos franceses, é ágil, provocador, inteligente, corajoso para contradizer o “establishment” e um grande cronista de nossa época. É um escritor midiático como o acusam? Sim, é, mas nem por isso sem estofo ou conteúdo, mesmo que você não concorde com suas opiniões, ele te leva a refletir sobre o que falou, e por isso mesmo é odiado por muito intelectual integrado a esse “establishment” que não quer ver suas crenças sendo questionadas. Critica esquerda e direita, tenta desmitificar 68 mostrando que muitas das idéias não funcionaram na prática e etc. São dez os participantes da academia que elegem o premiado, oito deles votaram a favor e dois contra. Um dos que votaram contra é o escritor Tahar Bem Jelloun que eu conheço pessoalmente, também um escritor premiado com o Goncourt em outra época. Dois dias antes da premiação encontrei com ele em um jantar na casa de um amigo. Tahar deu uma entrevista ao jornal italiano La Republica no verão passado criticando Houellebecq abertamente e o desqualificando como escritor. Perguntei pessoalmente porque ele não gosta do que o Houellebecq escreve e a resposta que recebi não foi convincente. Tahar acusa Houellebecq de não ser um bom escritor e de construir polêmicas para provocar a atenção da mídia. Em seguida me perguntou se eu li o que ele escreveu sobre Picasso no último livro. Sim eu li, (ele diz apenas Picasso c’est laid”/ Picasso é feio/estéticamente) e não me incomodei. Primeiro porque não gosto de ver nenhum artista como um deus que esteja acima do bem e do mal e que não possa ser criticado. Mesmo que ele se chame Picasso ou Michelangelo, Camus ou Proust. Depois porque dentro do contexto do livro e do histórico de vida do personagem (Jed Martin, um artista plástico que se transforma no artista mais bem pago do mundo rapidamente, cujo valor de venda das obras ultrapassa o de Jeff Koons e Damien Hirst) , banalizar a obra de Picasso faz parte do perfil dado a Jed Martin e da proposta do escritor que acredito, teria sido banalizar o que é consenso no mundo intelectual e por outro lado supervalorizar o que é banal e não tem valor. No Brasil a Cia das Letras editou “Partículas Elementares” livro que chamou a atenção da crítica e que o fez ficar conhecido. Imagine se um sujeito com cara de deprimido, pesado, que fuma sem parar segurando o cigarro entre os dedos médio e anelar, fazendo afirmações bombásticas do tipo “sempre considerei as feministas amáveis e idiotas” ou “de todas as religiões a mais estúpida é o islam”, vai ser unanimidade num país orgulhoso de suas “verdades” inquestionáveis? Resumindo, gostei da premiação não apenas pela qualidade dos seus textos, mas também porque acho que o mundo atual precisa de escritores que tem coragem de falar o que pensam e de questionar o leitor (de uma forma nao placativa e engajada como ele faz), mesmo que talvez essa característica de sua personalidade atraia a mídia e sirva para chamar a atenção para si. Ou que ajude a vender seus livros.

6.11.10

MENOS

Já são mais de quatro meses que estou morando aqui. O tempo impõe um cotidiano, o que não deixa de ser saudável, mas apesar dele a cidade e sua paisagem mutante não deixam de me surpreender. Logo cedo quando ia a pé para a universidade e atravessava a Pont de Sully, o sol começava despontar e iluminou as costas da Notre Dame e o pequeno parque anexo. Da ponte a imagem era tão bela que agora ao tentar descrevê-la me dou conta da impossibilidade. Poderia escrever sobre a coloração das árvores e das trepadeiras avermelhadas que se agarram aos muros que margeiam o Sena entre a Ile de St Louis e o lado esquerdo da cidade, mas se for um pouco além na descrição da imagem, vou me perder na cafonice. Não sei montar um power point e nem quero. E acho que estou cansando de falar sobre o que sinto. Estou me calando.

Como descrever emoções sem babar? Difícil. Alguns autores conseguem, é o caso de Proust, Mann, Hustvedt, muitos fotógrafos conseguem, mas também os pintores podem se perder ao tentarem passar para as telas o que sentem. Pensei nisso enquanto tentava me desviar das centenas de pessoas e me aproximar das telas de Monet no Grand Palais. Antes uma pergunta. Por que? Por que existe tanta gente no mundo, e quase toda essa gente quer ver a exposição na mesma hora em que eu estou lá? Antes de me acusar de egoísta já vou avisando que não estou nem aí, queria o Grand Palais só para mim ou quase, como quando estive lá há mais de dez anos para ver a exposição de Delacroix e só encontrei alguns gatos pingados menos mal educados. Mas porque é Monet e a representação em tela de seu jardinzinho colorido toda a cafonalha do mundo se reúne com seus celulares equipados com máquinas fotográficas para registrar que passaram por lá. Lembre-se de como é ter que passar pelo pedágio nos feriados, ou ainda das filas de supermercados de Ubatuba ou Guarujento nesses dias, das praias lotadas, dos sujeitos segurando as latinhas de cerveja enquanto escutam o último funk da cachorra no volume máximo dos auto-falantes dos seus possantes ou dos mauricinhos e suas patricinhas andando de mãos dadas na orla da praia. É mais ou menos assim. Vou ter que voltar, ou me esconder no banheiro do museu e passar a noite dentro dele. De qualquer maneira, voltando a descrição das emoções, mesmo depois de quase morrer esmagado pelos visitantes da exposição, restam ainda algumas dentro do meu coração. São poucas, e miúdas, mas melhor assim. Muito Monet junto pode começar a cheirar a caramelo, é bom de ver, mas em doses excessivas pode fazer mal ao fígado. O excesso na descrição é o veneno. Mas como saber o que é excesso e o que não é enquanto agente descritivo? Numa situação em que estiver por alguma razão se sentindo cheio de emoção, escreva o que está sentindo e depois leia em voz alta e de preferência em frente a um espelho, se você se achar ridículo é porque é ridículo mesmo, não duvide de sua intuição. Rasgue ou apague tudo o que escreveu e esqueça. Emoção é coisa para amador, fica na superfície, é a espuma do sabonete, já o sentimento é o próprio sabonete.

2.11.10

AMORES IMAGINÁRIOS

Para que um triangulo amoroso se realize é preciso que as três pessoas estejam envolvidas na “trelação”. Quando um dos três é o objeto de desejo mas não participa, então o triangulo não se concretiza. E quando dois estão apaixonados por aquele um que não passa de um hedonista desgraçado que adora ser adulado o tempo inteiro, então o triângulo não fecha. Triângulo ou não, quem não conhece um sujeito que tem como passa tempo fazer de tudo para todo mundo adorá-lo, e que não quer nada além do prazer de se sentir adorado. Saí da sala de cinema onde fui assistir “Amores imaginários” o novo filme de Xavier Dolan reafirmando meu desprezo por sedutores do mesmo naipe do Nicolas. Sedutor que vai até as últimas conseqüências e gosta de dividir o prazer eu gosto, mas os mais comuns do tipo desse Nicolas eu não quero nem passar perto. Não vou contar a história do filme, mas dizer que mesmo tendo lido críticas ruins, eu gostei bastante do novo filme desse canadense de ainda 23 anos, diretor e roteirista do “Eu matei minha mãe” que assisti ano passado (falei sobre o filme aqui no blog). Dolan é talentoso, além de diretor e roteirista é também ator e uma das vértices do triângulo. Divertido, sem frescuras, sensível, direto, debochado, assumido, competente e com um senso de humor refinado. Mesmo que em alguns momentos uma pitada de mundo vintage-modinha-musiquinha-indy tempere o filme, a qualidade da obra não sofre com os exageros. Uma comédia dramática bem feita. Uma das coisas que pensei durante o filme é que ele está procurando um caminho. Está crescendo como cineasta e buscando uma linguagem própria. A desse filme é totalmente diferente da do primeiro, e acho que ele assistiu bastante Woody Allen e Almodóvar, porque o filme é um cruzamento dos dois (mesmo que ainda em gestação). Agora que você já parou de alfinetar as bonequinhas de pano com a cara da Dilma e/ou do Serra, vai sobrar tempo para ir ao cinema. Recomendo.

30.10.10

PISANDO EM FOLHAS

Refletindo a possibilidade da vida ser o resultado entre determinação e acidente fui me vendo cada vez mais encurralado. Quanto de determinação seria preciso para que os acidentes se produzissem ao longo do caminho percorrido em função dessa mesma determinação? Os apressados diriam que acidentes não se produzem, por isso mesmo são acidentes, ocorrências inesperadas. Mas e se os acidentes forem acasos independentes? E ainda, e se eles não tiverem nenhuma relação com a determinação, e se auto produzem espontaneamente, desconhecendo o lugar onde são inesperados. Talvez alguns tenham autonomia, vida própria, e estariam determinados a interferir como um raio sobre nossas vidas. Como os personagens de um livro que começa a ser escrito, movidos pelo determinismo do autor, mas sujeitos a mudanças de destino por causa da “autonomia” que adquirem no decorrer da escritura da trama. Uma boa quantidade de acidentes pode tornar a vida bem mais interessante, é fato, mesmo que as vezes inconvenientes. O determinismo puro nada mais seria do que a precocidade da morte, a vida cumprindo uma função biológica, começo meio e fim e nenhuma experiência entre os períodos. Um sujeito poderia insistir, fingir seguir o seu caminho ignorando os acidentes de percurso. Poderia, e sua vida ficaria reduzida a execução do percurso. Mas, consciente da existência desses acasos, isto é, tendo consciência da margem de erro, teria ele condições de evitá-los ou de ao menos desviar da inevitabilidade dos acidentes? Não creio que a maioria dos acidentes é vista como tal, mas como dificuldades advindas da determinação. A reflexão sobre o que acontece “por acaso” é menos profunda, recebe o nome de contratempo. Contratempo.

26.10.10

VIDA DUPLA

Um dos livros que estou lendo da imensa lista indicada pelos professores do mestrado me trouxe algumas informações que gostaria de compartilhar com vocês. O nome do livro é “A condição literária – A vida dupla dos escritores”. O autor, Bernard Lahire, fez um grande estudo sobre o longo caminho que os autores percorrem até se aceitarem como escritores. Vou evitar os dados porcentuais da pesquisa feita pelo autor, para não encher vocês com números, e vou apenas citar alguns dados dela já que o estudo tem mais de 600 páginas. Então vamos ao que interessa.

A grande maioria dos autores por exemplo, só passa a se auto denominar “escritor” depois de muitos livros publicados e alguns prêmios recebidos, ou ainda somente depois de ter sido publicado por uma grande editora. Antes disso, mesmo que ele tenha escrito muitos livros, raramente eles se dizem escritores, na maioria das vezes quando alguém lhes pergunta se são escritores eles afirmam apenas “que escrevem”.

Se por um lado a maioria dos escritores considera o que fazem um produto de “criação”, por outro lado só uma pequena parcela deles considera que “escrever” é uma verdadeira profissão. A explicação é a péssima remuneração proveniente do “escrever”. Normalmente o segundo métier é sua fonte de renda e por isso considerado sua verdadeira profissão.

Com raras exceções todos os escritores têm o que ele chama de “segundo metier”. Essa segunda profissão muitas vezes nada tem a ver com o que ele realmente gosta de fazer, que é escrever, mas como ele não consegue viver do que escreve, tem que trabalhar para sobreviver e se transforma num sujeito muuuuuuito infeliz. As vezes se deprime a tal ponto que despiroca e abandona tudo e todos porque acha que se não escrever ele vai morrer.

Outra peculiaridade é a vida privada desses autores. Família, mulheres, maridos, casos e afins também interferem no processo de aceitação. Mas muitas vezes nem quando um desses anexos o considera escritor, ele consegue se aceitar como tal. Na verdade ele precisa de uma série de combinações para poder se olhar no espelho e dizer: sou escritor. Por exemplo, ser reconhecido por outros escritores, publicar muitos livros, receber prêmios, ser reconhecido pela mídia especializada e etc...

Normalmente o auto grau de investimento psíquico exigido todo o tempo no processo de criação, que o faz pensar sobre a escrita mesmo quando ele não está escrevendo, é determinante para a construção e aceitação de si mesmo como escritor. Outro elemento determinante na construção de sua própria imagem e aceitação é a disposição material e espacial reservada para o ato de escrever. Se faltar um desses elementos, normalmente ele também não se denomina “escritor”.

Mais de três terços deles tem constantemente a sensação de “serem interrompidos” nos seus processos de criação. Outro mesmo tanto reserva parte de seu tempo para a escrita, procura espaços silenciosos e se isola. Nesses momentos não querem ver ninguém, e toda e qualquer pessoa pode ser um fator de distração e por isso mesmo de irritação.

Para um escritor autonomia tem um critério de avaliação própria. Ela é primeiramente e antes de tudo definida a partir do controle do tempo que ele tem para se dedicar a literatura.

24.10.10

BIUTIFUL E BIUTIFUL

“Biutiful”, o novo filme de Iñarritu é uma porrada no estomago. O espectador passa quase duas horas e meia de filme tentando respirar de alguma maneira. Sofre com Javier Bardem, sofre com os imigrantes chineses, sofre com os imigrantes africanos, sofre com os filhos dele, sofre sem parar com a sucessão de imagens duras e realistas do cineasta mexicano autor de “Amores perros”, “21 gramas” e do holywoodiano “Babel”. A força das imagens é um dos trunfos do cinema, e Inãrratu e seu câmera sabem disso. Nem tudo é perfeito, mas a maior parte do filme convence. E o (sub) mundo certamente pode ser ainda pior. Tem doses de discurso politicamente correto, mas escancara a podridão sem filtrar seu fedor. Se conseguir assistir o filme com os dois lados do cérebro ligados, vai perceber que tecnicamente o filme é perfeito. Um exemplo é a cena em que a polícia cerca os africanos numa praça de Barcelona. Mas não vai ser fácil se distanciar das emoções. Javier Bardem e igualmente a atriz argentina Maricel Alvarez vão te deixar muito próximo do desespero e da angústia. Ao contrário do que alguns críticos daqui fizeram questão de ressaltar como o único ponto negativo do filme, a espiritualidade e a possibilidade de dialogar com os mortos, atributos de Uxbal, o personagem interpretado por Bardem, na minha opinião dão ao filme a sustentação necessária para a credibilidade da história. Porque a vida de Uxbal (e a nossa) sem a fé seria insuportável. Não só ele, mas tudo em sua volta está apodrecendo. A moeda de troca nesse caso ultrapassa o valor do dinheiro. Pequenos atos oriundos de uma moral própria do submundo, dão aos homens que dele e nele vivem um sentimento de dignidade e redenção que as condições precárias de sub-existência lhes tiraram. E a fé entra nesse contexto como uma sobrevivente de todas as esperanças que já foram enterradas vivas. A trilha sonora do filme também é um dos pontos positivos e ajuda a confundir o lado esquerdo e o direito do nosso cérebro. Vá sem medo de sofrer. Posso te garantir que tua vida é no mínimo um pedacinho da ilha de caras perto da vida de Uxbal.

Mas se quiser uma sessão da tarde café com leite, mas nem por isso menos boa, vá assistir o novo filme de Woody Allen, que aqui recebeu um nome beeem compriiido: “Você vai encontrar um belo e triste desconhecido” A boa qualidade "quase" constante de Allen, atores de primeira, Anthony Hopkins, Naomi Watts e o canastrão Antonio Banderas que bem dirigido consegue nos enganar, é uma garantia de que você não vai jogar nem seu tempo nem o seu dinheiro fora. Gosto do tema e de como Allen o aborda. Envelhecer, medo da morte, fé (olha ela novamente aí) e o acaso (ou será o destino?) tudo isso na mão do diretor americano é um prato cheio. Compre seu saco de pipocas e vá. Posso te garantir que tua vida é no mínimo parecida com alguns dos personagens do Woody Allen. E se não for, então você passou duas horas sem pensar nos candidatos e em suas propostas inteligentes que vão transformar o Brasil num país ainda mais perfeito.

23.10.10

A VOZ DA CONSCIÊNCIA

Você já falou sozinho? Eu já. E ultimamente tenho sentido prazer em dialogar comigo mesmo. Ando pelas ruas soltando a voz. Até pouco tempo refletia sobre o que eu não conseguia entender silenciosamente, num diálogo interior, uma espécie de monólogo cheio de pudor. Agora boto para fora, falo com os meus fantasmas e mando eles pararem de me encher o saco. Normalmente os pensamentos vem cheios de vícios de raciocínio, com a cara maquiada de pseudo verdades ou afirmativas, e porque a gente se acostumou a aceitá-los como donos da razão, não dialogamos com eles. Resolvi me rebelar, discuto, e se eles continuarem a insistir em me desestruturar eu até mando calar a boca. A sensação de alívio depois dessa dose de auto autoritarismo é quase como a que temos depois de tomar um copo imenso de água com sal de frutas: alívio imediato. Experimente, você não vai se arrepender.

Ontem passei a tarde estudando uma conferência feita em 1969 por Michel Foucault no Collège de France quando ainda era professor de filosofia no Centro experimental de Vincennes. O tema: “O que é o autor? ” Algumas xícaras de café e horas depois meus neurônios e minhas costas pediram descanso. O homem tinha um raciocínio lógico admirável, e para um simples escritor estudante como eu, que nunca se preocupou em pensar sobre o próprio ofício mas apenas em escrever, o tema é fascinante. Passava das dez quando tomei um banho e saí para beber um copo de vinho e ver se encontrava alguém para conversar. Encontrei, mas não quem eu queria, por isso preferi não conversar, mas beber. Ainda tenho ideais por isso as vezes (e bota vezes nisso) preciso beber para borrá-los um pouco. Nem sempre o que a realidade me oferece combina bem com meus ideais, por causa disso, prefiro ficar só que mal acompanhado. Sou teimoso, talvez mais teimoso que idealista. Nem estou falando de amor. Só alguém para passar algumas horas e alimentar os ideais com doses grandes de esperança. Alguns copos de vinho depois as coisas mudam. Posso escolher se quero terminar a noite mais realista e menos esperançoso, ou mais esperançoso e menos realista. E aí que a coisa pega. Aquela voz interior quer começar a querer sair da toca e a gente tem que se impor, mandá-la calar a boca e ficar no lugar dela. Incorruptível. Voltei para casa disposto a continuar esperançoso, mesmo que cada vez mais realista.

21.10.10

J. M. BASQUIAT


Ontem na hora do almoço entre uma aula e outra fui com amigos ver a exposição do Jean Michel Basquiat no MAM daqui. Fila na bilheteria, fila para comprar os livros dele e muita gente nas salas. Mais de uma centena de quadros foram expostos e muito bem distribuídos e agrupados, seguindo datas e galeristas que o acompanharam. Não gosto de tudo o que vi, mas gosto de grande parte das suas obras. Basquiat ao contrário do que muita gente pensa não saiu do nada, era filho de uma família de classe média do Bronx, mãe e pai instruídos, teve acesso a cultura e desde criança visitou com sua mãe museus e galerias de arte. Nas telas muita violência, morte, injustiça social e racismo, retrato de América de sua época (e desde sempre). A leitura que faço de suas obras não é de caos, ou de alguém que pintou as telas como se estivesse em transe, mas as cores que dão forma a muitos signos e símbolos aparentemente sem sentido, são produto de reflexão e de uma consciência estética muito bem preparada. Saí da exposição exausto. Cada um daqueles quadros exige do visitante paciência e concentração, são muitas as informações neles contidas. Entre as obras algumas feitas com Andy Warhol, e uma especialmente boa é a leitura feita de Warhol por Basquiat, uma banana semi descascada com um pedaço da fruta ainda dentro da casca onde não se vê nenhum rosto, mas o pedaço da fruta sobressalente é a cabeça do Warhol. Alguns desenhos agrupados têm uma força estética muito forte, mesmo que quando de perto para nós não fazem sentido, o conjunto e o agrupamento é impressionante. Não é possível visitar a exposição e dizer que ela é linda, não é o belo o que se vê nas suas telas e nem acredito que ele estivesse preocupado com isso, mas a produção de um artista urbano inovador, sem comparativos, um misto de pintura figurativa expressionista que deu forma a sua energia criando obras sem nenhuma preocupação com a estética pré existente, por isso mesmo genial. A exposição fica até 30 de janeiro de 2011, vale a pena ver de perto.

18.10.10

NARCISOS


Quando eu ainda era adolescente e comecei a ler os meus primeiros livros, acreditava que os personagens ou pelo menos o personagem principal da história era o espelho do autor que havia escolhido para ler. Na verdade acho que o motivo principal da escolha de um livro era a vida privada do autor. Queria saber tudo, se ele era casado ou solteiro, se era de esquerda ou de direita, o que fazia além de escrever, qual o seu país de origem, como ele pensava, e etc... e quando começava a ler já tinha uma idéia preconcebida do sujeito. Muitas vezes gostava muito mais do autor do que dos livros que ele escrevia. Com Sartre foi assim. Gostava de sua imagem de intelectual engajado e ainda tinha a história dele com a Simone de Beauvoir, um casamento que para mim representava um modelo de união e liberdade. Fui adolescente na década de 70, o Brasil vivia uma ditadura militar, eu tinha conhecimento sobre a situação política do país através do meu pai, um leitor assíduo de jornais e um sujeito que gostava de comentar e ouvir a opinião dos filhos. Escolhia meus autores quase na totalidade por que de alguma forma eu imaginava que eles eram ou haviam sido transgressores ou porque tinham uma posição política a qual eu simpatizava. Gide, Hemingway, Camus, Virgínia Woolf, Norman Mayler, Gore Vidal, Jean Genet, Paulo Francis (li seus livros de narrativa complicadíssima), Jorge Amado, comecei com eles. Patrícia Highsmith talvez foi uma das primeiras autoras que eu passei a ficar interessado a partir de suas histórias. Li todos os livros dela ainda quando morava na Áustria, e só depois fui me interessar por sua vida privada. Com Thomas Mann, Hesse e Kafka foi a mesma coisa, mas eu já era mais velho e já havia começado a vivenciar algumas desilusões e a me desiludir com a figura do intelectual engajado. A partir daí passei a me interessar mais pelas histórias, a prestar mais atenção na trama, na construção dos personagens, no perfil psicológico deles e etc... Lógico que a imagem ideal do escritor para mim ficou sendo a de um sujeito com posições políticas humanistas, não vaidoso (quanta ingenuidade!) e liberal no sentido de ausência de preconceitos (bota mais ingenuidade nisso). Quanto mais minhas aulas na Sorbonne avançam, mais evidente fica a constatação do quão ingênuo eu fui acreditando na biografia desses autores. Lógico que alguns eram fiéis e coerentes politicamente, mas que bobagem acreditar que uma história bem escrita está intimamente ligada ao caráter do escritor.

O que escrevi acima serve também aos professores e intelectuais. Quanta vaidade! Ao assistir alguns deles dando aulas lembro-me constantemente do personagem Bruno do romance do Houellebecq no livro “Partículas Elementares” que é professor e não consegue controlar suas taras na frente das estudantes vestidas com suas mini saias provocantes. E elas são bonitinhas mesmo com seus cabelos selvagens e peles branquinhas. Prontas para sorrir ou se impressionar por qualquer graça ou demonstração de saber. Vaidade é mais ou menos como a inveja, todo mundo tem ou sente, mas não a enxerga nele próprio ou não gosta de admiti-la como parte do pacote que forma o perfil de sua personalidade. Não deve ter cura, mas dá para controlar se o sujeito conseguir ao menos admitir que ela existe e está entre seus sentimentos menos nobres.

A vantagem de envelhecer está aí. Na descoberta e na aceitação dessas constatações. A gente se impressiona menos com as pessoas, o que torna a vida mais besta e sem graça, menos apaixonante, mas também não sente a menor vontade de impressionar os outros. Para a maioria a gente pode passar uma imagem de alguém meio “blasé”, mas a verdade é que quando a gente entende a pequeneza contida nos atos e nas palavras de um ser humano vaidoso, o sentimento natural é o desprezo. O orgulho a gente deixa para uma outra ocasião.

17.10.10

SEM FILTRO

Domingo é um dia diferente. Desde há muito tempo eu sei disso. Por alguma razão quando ele está apenas começando tudo parece bom, mas as horas passam e a partir do meio dia vou escurecendo. E escureço sempre muito mais rápido que o próprio domingo, lá pelas cinco horas da tarde já me transformei num breu total. Normalmente para atrasar esse processo mergulho na literatura, ou entro numa sala de cinema, hoje para variar fui à biblioteca Richelieu. Lá sentei-me algumas horas, li, estudei, olhei para os meus iguais, saí para tomar um café e quando voltei me misturei clandestinamente a um grupo de franceses que fazia uma visita guiada pelas salas de exposições da biblioteca. Ouvi atentamente as explicações do guia sobre as peças expostas, mas depois de algum tempo o sotaque cheio de tiques do moço começou a me fazer prestar mais atenção no seu jeito de falar do que nos objetos. Se em Viena a voz nasalada é utilizada pelos vienenses que se pretendem chiques e falam o schönbrunner deutsch, aqui começo identificar alguns trejeitos e um rabicho que sobra ao final de cada palavra dita que acredito não deve ter nenhuma outra utilidade a não ser pretender-se erudito ou sei lá o que. Sei que aos domingos algumas horas antes e algumas depois das cinco vejo o mundo completamente sem filtro. Todo o entorno descolore e passa a ser visto em preto e branco. E quer saber? Não acho tão ruim esse estado de alma. Até tenho um certo prazer nisso. Masoquista? Não, longe disso, mas muito mais disposto a dialogar com uma outra realidade que normalmente é ofuscada pela intensidade das cores.

Numa entrevista no Le Monde o escritor Charles Dantzig que acaba de lançar o livro intitulado “Por que ler?” diz que entre outras razões a gente deve ler porque ler não serve para nada. Porque a literatura não deve ter uma função utilitária, quando lemos estamos sós com o livro e é nesse momento que as coisas do espírito, isto é, tudo que não tem uma função prática, se comunicam e adquirem força. A literatura, se a gente puder dizer que ela tem uma função, é a de nos manter vivos num mundo embrutecido. Quando leio um romance não leio porque acho que depois de terminá-lo serei um homem melhor, mas porque durante a leitura esqueço tudo o que me distrai do que supostamente é vida. E quando estou escrevendo, acontece a mesma coisa, mergulho numa outra realidade que me ajuda a me manter vivo. Enquanto escrevo quero apenas contar uma história, e isso é o bastante para mim enquanto homem, não quero ensinar, não quero dizer nada, apenas contar uma história. Não li o livro de Dantzig, mas li o de Ítalo Calvino chamado “Por que ler os clássicos”, e recomendo. Se você acha que o livro do Calvino é didático e chato, não sabe o que está perdendo.

Veja como a vida da gente pode ficar menos complicada quando dizemos o que pensamos. Ontem fui jantar num pequeno bistrozinho que costumo ir de vez em quando. Como de costume sentei-me numa mesa escondida no fundo do local. O bistrô rapidamente lotou e quatro sujeitos sentaram-se à mesa ao lado da minha. Um deles não parava de fazer piadas, tinha a voz forte, falava muito alto e era do tipo que olha para os lados porque precisa da aprovação enquanto canta trechos de músicas antigas e solta gargalhadas constrangedoras. O proprietário do local passou algumas vezes de um lado para outro e depois de um tempo postou-se ao meu lado e me perguntou se eu estava me sentindo incomodado. Eu disse que sim. Corri o risco de tomar algumas porradas dos sujeitos, mas para minha sorte eles se limitaram a me olhar como se eu fosse um ser repulsivo e eles os normais. Os quatro foram obrigados a se mudar para uma outra mesa próxima da entrada/saída do bistrô. Pude jantar sossegado e ainda fui presenteado com um conhaque no final, que eu acho que foi um prêmio por ter falado o que pensava. Das duas uma, ou estou me transformando num ser insuportavelmente chato, ou o maioria das pessoas não tem semancol. Lógico que as duas variáveis são verdadeiras. E não apenas verdadeiras mas também dependentes uma da outra. Mas é isso, vou continuar a dizer que eles me incomodam, ontem o proprietário do bistrô confirmou o que eu desconfiava há algum tempo: não estou sozinho no mundo, existem outros chatos ainda piores do que eu.

13.10.10

LUXO


Como toda metrópole, Paris é uma cidade extremamente barulhenta. Logo de manhã sou despertado pelas vozes dos garis que conversam uns com os outros gritando e, a não ser que você tenha janelas com vidros anti ruídos, impossível não ouvi-los. Outro barulho perturbador é o som das sirenes das ambulâncias que atravessam a cidade ligadas num volume absurdo e inutilmente alto. Não entendo porque precisam fazer o escândalo que fazem, na verdade você corre o risco de morrer de susto se estiver ao lado de uma delas no momento em que o motorista ligar a sirene. Desde que li o último livro do David Lodge (“la vie em surdine” que recebeu o absurdo título em português “Surdo Mundo”) passei a reparar no enorme número de pessoas que usam aparelhos de audição. E o que me chama atenção é o número de pessoas cada vez mais jovem que precisa usar esses pequenos pontos antes vistos apenas nos ouvidos das pessoas mais velhas. Na Sorbonne tenho um total de seis professores, dois deles usam, e são relativamente jovens. Dia desses um deles, M. Fraisse, foi obrigado a interromper a aula até que a ambulância se distanciasse suficientemente para que ele pudesse continuar. São barulhos desnecessários, que vão desde o tom alto da voz de alguém que fala muito alto ao seu lado, passando pelos sons das chamadas dos celulares, escapamentos das vespas/lambretas, enfim, um montão de sons que poderiam ser reduzidos se as pessoas tivessem um pouquinho só de bom senso.

Hoje passei o dia inteiro na biblioteca François Miterrand fazendo pesquisa. O silêncio dentro das salas era de outro mundo. Um prazer inenarrável. Aproveitei para ver uma pequena exposição do fotógrafo francês Raymond Depardon chamada La France numa das salas de exposição da biblioteca. Tecnicamente as fotografias são perfeitas, imagens de fachadas de estabelecimentos comerciais no interior da França, enfim tudo que não me provoca a menor emoção. Mas o prazer proporcionado pelo silêncio me chamou para dentro das salas de leitura e logo eu esqueci as fotografias esteticamente perfeitas.

Na verdade gosto cada vez menos de tudo que parece perfeito ou do que pretende ser perfeito. O erro, a falha, o desvio, o desarrumado, o estranho, o que me força a pensar e ter que olhar com mais atenção para encontrar o belo onde ele parece não ter lugar, tudo isso vem me interessando cada vez mais.

11.10.10

BALANÇA MAS NÃO CAI


Desconfie de tudo que considerar evidente, tudo que é evidente é ideológico. Foi assim que meu professor de Sociologia da Cultura com sua voz mansa, mas nem por isso menos assertiva, abriu sua aula logo cedo e ajudou a despertar as dezenas de cérebros que ainda estavam acordando. Sentado na carteira da terceira fileira, minha mente ficou dividida, uma parte ficou atenta ao que ele nos falava e outra parte começou a digerir a frase e a buscar ressonância no nível pessoal. Isso não acontece raramente comigo, a tendência é sempre aspirar o que vem de fora e ver se serve ou cabe na minha experiência individual. E quase sempre serve e cabe. Assim visitei outras áreas mentais e encontrei lá dentro outros aprendizados que casam harmoniosamente com ela. Meus últimos anos de vida foram praticamente preenchidos por exercícios cujas práticas consistem em aprender a ver o que está por trás de tudo que os olhos simplesmente vêem. Encontrar o oculto no aparente, e depois o aparente no oculto, e mais adiante o oculto no oculto, o aparente no aparente e assim por diante. Prática que terei que fazer o resto da minha vida, porque toda nova situação me obriga a fazer novas reflexões.

Novas reflexões. Para sair do discurso que é evidente e cheio de armadilhas. Desconfiar. Do evidente. Das próprias reflexões. Da ideologia que aparentemente não tem corpo e está por trás de quase tudo organizando e acomodando o modo de pensar.

Todas as segundas feiras logo cedo terei esse senhor despertando minha consciência, me convidando a refletir sobre a maneira pela qual o irracional se exprime. Que sorte!

7.10.10

ENTREATOS E SUPOSIÇÕES


Desde o começo das aulas meu tempo livre ficou bastante reduzido. Tenho que ler muito, a bibliografia indicada pelos professores é bastante extensa. Além disso, os horários das aulas não são regulares, há dias em que tenho aula na parte da manhã e outros à tarde, e dias que tenho aulas antes e depois do almoço. Os livros servirão de base não apenas do conhecimento geral, mas também para trabalhos individuais, enfim, bastante puxado. Mas encontrei um tempinho para ir a Ópera, porque ninguém é de ferro e se não tiver um pouquinho de divertimento e prazer, a cabeça não descansa e aí é que a coisa não vai para frente. Assisti “Eugene Onéguine” de Tchaikovski na Bastille que é do lado de casa. Quase todo o elenco era composto de cantores russos, o que de alguma maneira garantiu um bom espetáculo, já que ele foi apresentado na língua original. Não que isso seja um pressuposto para a credibilidade da ópera, mas nesse caso o triângulo língua/expressão/sentimentos harmoniza como samba nos pés de um brasileiro. Mas uma das coisas que mais gostei nessa apresentação foi a cenário e a iluminação. Um trio de alemães que conseguiram ajudar a contar a história do prepotente e infeliz Onéguine com simplicidade e acredito também com pouco investimento. São eles Willy Decker na direção, Wolfgang Gussmann no cenário, e Hans Toelstede na iluminação. Logo que a cortina subiu fiquei impressionado com a artimanha usada para dar perspectiva e profundidade a imagem campestre e rural que o livreto escrito também pelo próprio Tchaikovski pede. E mantendo a mesmo cenário, mudando apenas a iluminação, dia e noite, sol e neve, montanha e salão de dança se tornavam críveis diante dos nossos olhos. Lógico que embalado pela bela música e áreas da ópera mergulhe fundo na história. Mas não é sempre que isso acontece, se algo não dá liga, você pode se sentir “excluído” e o espetáculo fica prejudicado.

Tenho recebido e-mails que denunciam os dois candidatos, Serra e Dilma, de todo o tipo de envolvimento ilícito ou outras acusações. Envolvimento de Serra com TFP, e Dilma sendo acusada de guerrilheira assassina são apenas dois exemplos do conteúdo desses e-mails. O conteúdo desses e-mails e as acusações podem ser verdadeiros? Sim. E podem ser falsos? Sim. O que não consigo entender é como algumas pessoas se indignam e se deixam convencer tão facilmente, sem se perguntar pelo menos uma vez se o que estão lendo é verdadeiro ou não e de onde esses e-mails podem estar vindo. Duvidar da imprensa oficial é um dever, e do que circula na internet uma obrigação. Menos gente, menos. Nem um nem outro é santo e vai fazer milagre, os dois são de carne e osso e tem partidos milionários por trás e seus múltiplos interesses. Podem me acusar do que quiserem, eu não botaria a minha mão no fogo por nenhum político, e por esses dois candidatos nem a pontinha do meu dedo.


1.10.10

DOUTOR EU NÃO ME ENGANO...

O jornal “Liberation” distribui gratuitamente exemplares aos estudantes da Sorbonne. O diário considerado de esquerda, ou melhor, um pouco mais “de esquerda” do que o tradicional “Le Monde”, tem um formato menor e traz artigos interessantes escritos pelos próprios articulistas e também outros escritos em conjunto por especialistas e outros intelectuais. Um amigo septuagenário gosta de afirmar que o jornal é a último guardião dos ideais de esquerda e que se sente um adolescente ao folheá-lo. Quando ouço a palavra guardião já sinto vontade de sair correndo, e como sou de uma geração que viu homens que se diziam de esquerda dançarem de rosto coladinho com os que se diziam de direita, leio, vejo e escuto tudo sempre desconfiando muito do conteúdo e de quem os produziu. Na quarta feira o “Liberation” trouxe uma matéria de sete páginas sobre o Brasil e as eleições. Fez uma análise sobre o governo de oito anos de Lula, o que mudou e o que não foi feito no país e ainda o que os próprios brasileiros pensam sobre o governo Lula. Trouxe entrevistas com candidatos que eu mesmo não conhecia, como uma puta do Rio de Janeiro que abandonou “a vida” para se dedicar à vida pública e defender os direitos da classe que quer representar, meia página com Raí, jogador de futebol querido na França e ídolo no PSG (Paris Saint-Germain), que fez críticas claras e objetivas ao governo Lula expondo a sua frustração e decepção em relação a falta de uma política pública voltada para a educação. Lógico que os ingredientes folclóricos, e não por isso menos realistas, da visão dos jornalistas estrangeiros entrou nas matérias, as favelas no Rio, as bairros marginalizados e esquecidos pelos governos de São Paulo, os muitos ricos, os muitos pobres, a trajetória da própria vida de Lula, a idolatria por sua mãe e etc... A matéria de jornal é rica em informação, e passa a impressão ao leitor estrangeiro de que muita coisa mudou no Brasil desde o início do governo Lula. Infelizmente eu não consigo compartilhar da mesma opinião. A sensação que tenho é de que estruturalmente nada mudou no Brasil. O paternalismo foi intensificado, a miséria continua existindo, a crença de que o Estado deve dar de graça casa e comida foi amplamente aprofundada, no quesito educação pública nada foi feito, a segurança pública piorou, e exemplos de como prosperar utilizando-se da esperteza e da malandragem foram difundidos publicamente e justificados de acordo com a conveniência dos homens públicos que lucraram com o governo. Amigos lulistas me criticam, argumentam que não se pode fazer tudo em oito anos. Concordo. Mas vocês concordam que dá para começar a fazer alguma coisa nessa direção em oito anos? No artigo Serra foi qualificado como de direita. Eu sinceramente vejo Serra como um grande e enorme zero a esquerda. Seu governo em São Paulo foi um exemplo de “laissez faire”, não como símbolo do liberalismo econômico, mas literalmente porque ele não fez nada que eu consiga me lembrar de importante para o Estado, tudo funcionou sozinho, com ele governador ou não, as coisas se desenvolveram (ou não) sozinhas. Da mesma forma que não consigo acreditar que ele no governo federal modificaria alguma coisa, sorry, mas o PSDB escolheu um sujeito inexpressivo e vaidoso para disputar a presidência com a pupila de Lula. Para terminar quero dizer que acredito em mudanças sim, mas não nessas superficialmente construídas sobre o suporte econômico e da estética. Cortes de cabelo, plásticas e liftings ajudam a mudar a aparência, mas os sujeitos que se submetem a esses artifícios continuam os mesmos por dentro, a gente fala que eles estão belos e eles acreditam, é simples assim. Em relação a um país a coisa não funciona dessa maneira, você pode fazer uma plástica aqui ou ali, mas não consegue esconder por muito tempo as partes do todo que não foram bem tratadas. As reformas devem ser estruturais, seguir um plano que pode precisar de gerações para começar a dar resultados. Educação é um exemplo disso, sistema de previdência social e saúde é outro, reforma no judiciário, na segurança pública, nada disso melhora apenas com palavras, tem que reformar de verdade, ter coragem para aceitar que se não mudarmos o jeito de pensar, o agir estará sempre condicionado ao olhar folclórico que vem de fora. Aparentemente nenhuma dessas reformas garante voto e reeleição a quem se atrever a fazê-las. Pena, o tempo passou e aquele que poderia ter entrado na história como o presidente que realmente fez mudanças que teriam mudado estruturalmente o pais, não as fez, ficou na janela vendo o bonde passar, vaidoso de suas políticas econômicas e assistencialistas. O poder sempre corrompeu e não tenho dúvidas continuará botando na horizontal homens imbuídos de boas intenções, mas que chance perdemos com um homem que termina o seu mandato com a popularidade altíssima e que poderia ter se arriscado mais! Seja quem for o novo presidente do país, Dilma ou Serra, aposto minhas fichas que mais uma vez nada será feito nesse sentido. Porque a sociedade é quem deveria exigir, e então voltamos para o início da conversa, seria preciso saber exigir. Para mim o patrimônio de um país e de seu povo não deve ser medido apenas pelo acesso aos bens materiais, mas também e antes de tudo pelos imateriais, aqueles que nao podem ser comprados, como educação, cultura, saúde, e nesse sentido acho que Lula deixou a desejar. Ainda estamos correndo atrás do atraso, nos contentamos com muito pouco, ainda estamos no negativo.

28.9.10

REDUNDÂNCIA PORTENHA

Assisti a mais um bom filme argentino. Dessa vez num pequeno cinema aqui no Marais chamado Le Nouveau Latina que tem duas salas. Bom filme argentino está quase virando redundância. O filme se chama “El último Verano de la Boyita” foi muito bem dirigido e muito bem roteirizado por Julia Solomonoff, é de 2009. Novamente os bons ingredientes que têm contribuído para essa redundância: sensibilidade “al dente”, no ponto certo, fotografia primorosa, atores excelentes (incluindo as crianças). O filme conta a história de duas irmãs, Luciana e Jorgelina que nesse verão passam a perder as afinidades e a não mais brincar juntas porque a primeira está entrando na adolescência. Jorgelina a mais nova das duas vai para a fazenda com o pai que está se separando da mãe. Lá Jorgelina se encontra com Mario, garoto filho dos caseiros com quem tem afinidades. A pré puberdade está batendo a porta, os corpos tanto de sua irmã como de Mario estão mudando e Jorgelina é testemunha desse mutação inevitável. A beleza do cenário e a forma como os pampas argentinos foram integrados a história é um dos pontos positivos desse belo filme. Ele tem algo de XXY, filme também argentino que de outra maneira também tratou do mesmo assunto. E uma das coisas que eu também pensei durante a exibição do filme foi que os rostos dos camponeses (pais do Mario e também o próprio Mário e outros cawboys que fazem parte do filme) me lembraram de alguma maneira os rostos dos filmes de Pasoline. Olhares áridos e sofridos que me levaram ao cineasta italiano. Boa história, bons atores, bom roteiro, boa fotografia, enfim, mais um bom filme argentino.

26.9.10

TERRITÓRIO NADA NEUTRO

O primeiro domingo do outono não foi nada agradável. Ventou, fez frio e acinzentou não apenas o céu, mas também o estado de espírito das pessoas. Passei a manhã lendo o novo livro do Michel Houellebecq, “La carte et le territoire” (não sei se já foi traduzido e publicado no Brasil) que está sendo muito elogiado pela crítica, e como sempre o autor de “Partículas Elementares” (livro publicado pela Companhia das Letras no Brasil) provoca ou amor ou ódio, ninguém fica em cima do muro. Eu faço parte dos que gostam dos livros dele, gostei muito do Partículas e estou gostando muito do novo. Houellebecq escreve zombando da gente e dele mesmo, isso não quer dizer que seus livros são engraçados, não, eles são ácidos e cinzentos como a chuva fina que caia na cidade hoje. Se no “Partículas Elementares” ele desceu a lenha na geração 68 e em quase todos os dogmas que eles deixaram de herança, no novo “La Carte et le territoire” ele explicita a superficialidade do mundo em que vivemos hoje. O que é real e o que não é, o que quer dizer qualidade num mundo inteiramente construído por interesses econômicos e toda a superficialidade cultivada e adorada por pseudo intelectuais desvairados com o poder e levados a sério por uma geração cada vez mais ignorante e por isso mesmo sem opinião. Seu novo livro tem uma narrativa ágil, é contemporâneo na medida em que expõe a nós mesmos e zomba da pretensa seriedade atribuída a algumas obras e seus artistas. São personagens do livro não apenas Jeff koons e Damien Hirst, mas também ele mesmo Hoellebecq aparece na narrativa. Gosto da maneira pouco artificial de como ele registra nosso tempo em sua narrativa, e também do perfil psicológico de seus personagens. Não fazer parte do establishment e fazer questão de dizer isso em seus livros provoca inimizades e desprezo pela maioria de críticos, mas Hoellebecq parece não estar nem aí com o desprezo dos outros, e me deixa a impressão de que se preocupa muito mais com o seu próprio aborrecimento diante de um mundo artificial e de egos inchados. Recomendo, compre um saquinho de sal de frutas e boa leitura.

24.9.10

DÉSOLÉ


Normalmente depois de ouvir alguém pedir desculpas, por mais grave que tenha sido a razão que originou o pedido de desculpas, o mais provável é que a gente desarme, baixe as armas, abandone a vontade de reagir e retome ao caminho da razão e da razoabilidade. Uma das observações que venho fazendo aqui em Paris como antropólogo vira latas, é que o pedido de desculpas só funciona quando ele “vem de dentro”, isto é, quando ele for feito com sinceridade, caso contrário, melhor não dizer nada. Aqui o excuse moi e o désolé são muito mal empregados e muitas vezes usados como disfarce para um cinismo que beira ao sadismo. Eles são usados para qualquer coisa, e como além de antropólogo vira latas sou também analista psico-social na horas vagas, estou quase querendo afirmar que esse mal uso talvez demonstre inconscientemente um pouco do caráter das pessoas. No Brasil, nas ruas, nos estabelecimentos comerciais, dentro dos vagões do metrô não é comum alguém se desculpar por ter esbarrado em você ou simplesmente porque não tem o produto que você queria comprar. O sujeito entra carregado de sacolas pisa no teu pé e das duas uma; ou ele reclama com você por que você ocupava o lugar onde ele queria colocar o pé dele, ou te ignora, não fala nada. Aqui em Paris, o que me chama a atenção é o costume de se pedir desculpas por qualquer coisa de uma maneira tão automatizada que desconfio que o excuse moi e o désolé perderam seus propósitos originais e passaram a servir também como uma forma de mascarar um tipo de prazer sádico. Exemplo disso é o que acontece no metrô diariamente. O vagão chega lotado na plataforma, duas ou três pessoas dessem e mais de vinte estão esperando para entrar. Qualquer ser humano normal esperaria o próximo metrô, mas como todo mundo está com pressa ou por alguma outra razão que ainda não consegui entender, todos querem entrar e avançam para dentro do vagão empurrando e esmagando os que já estavam dentro. A cada empurrão ou esmagamento ouvi-se um pedido de desculpas. Aperta-se daqui e dali, e a campainha já tocou avisando que as portas vão se fechar e que o trem vai partir e as pessoas que estão de fora continuam empurrando as de dentro e repetindo excuse moi para cá e désolé para lá. Eu me pergunto se realmente o sujeito estaria tão désolé. Porque ele sabia que deveria ter ficado do lado de fora esperando o outro trem chegar. Outro exemplo é a enorme quantidade de vendedores mal humorados que depois de atenderem o cliente com cara de quem acaba de chupar um limão, no finalzinho do diálogo soltam um “désolé” com um prazer in-des-cri-tí-vel. Na verdade o désolé deles é muito mais um “ caia fora, não me encha o saco, não percebeu que eu não estou a fim de te atender?” do que um pedido de desculpas.

Por sugestão do meu orientador li um livro chamado “Paranóia Global” do escritor Éric Sadin. Livro composto de pequenos textos que foram escritos com a mesmo formato das escrituras usadas para descrever tecnologias de vigilância. O resultado são textos frios, que não provocam nenhum tipo de emoção. Depois de ler o livro, percebi que nada ficou retido na minha memória. No final há um texto explicativo interessante sobre a ausência de vírgulas, opção feita pelo autor do livro para melhor demonstrar como a forma de escrever textos de sms, e-mails, twitters e afins estão alterando a forma narrativa ao desprezarem as convenções linguísticas implantadas há alguns séculos. A vírgula como instrumento usado para dar sentido e ritmo a um texto/pensamento está condenada a desaparecer para sempre de nossas vidas. Até mesmo o ponto, que determina o fim de uma frase corre o risco de entrar na lista das formas de linguagem e narrativa em extinção por causa da maneira abreviada que os utilitários desses meios passaram a fazer dele.

Estamos nos transformando em corpos de bases de dados. Acumuladores e distribuidores de informações que não se submetem a nenhum tipo de reflexão profunda sobre essa mesma base de dados.

21.9.10

STEP DANCE


Já ouvi muitas pessoas dizerem que tem vontade de jogar fora seus celulares ou computadores. Principalmente quando eles não correspondem as suas expectativas, ou melhor, quando eles não fazem o que seus proprietários gostariam que eles fizessem. Não me surpreendo com a reação de ódio e amor que elas desenvolvem por seus aparelhinhos de estimação. São pessoas inteligentes e sensíveis e sabem que eles foram feitos para serem usados e comandados pelo ser humano que os detém, mas na hora em que eles emperram, ou que seus limites ficam expostos, elas enlouquecem. Acho que um dos problemas está no fato de que todos esses aparelhinhos de estimação vêem ao mundo junto com a idéia de que podem tudo e a gente aacaba creditando que realmente eles podem. “Esse celular é o máximo, ele pode tudo, até falar com você ele fala, tira fotos, faz filmes, envia e recebe mensagens rapidamente, você pode baixar mais de 3.000 músicas, ver a novela das 8, fazer sexo virtualmente, uma maravilha!” Lógico que se ele não obedecer um dos itens por falta de habilidade do proprietário a culpa é dele e de ninguém mais. Normalmente ele vem com um manual de instruções, mas para que ler esse misto de bula e bíblia se a gente já sabe tudo sobre ele? É só ligar. Pronto, ele funciona e como num passe de mágica ele vai fazendo as coisas sozinhas, dá até ordens ao seu novo escravo. Aperte o botão estrelinha se quiser isso, o zero se quiser aquilo e a coisa funciona e nos convence de nossa habilidade. Dia desses, em frente o liceu Charlemagne vi uma garota sapateando sobre um celular. Quando ele escapava das solas dos seus sapatinhos outras duas garotas disputavam o direito de estraçalhá-lo. Um grupo de garotos observava tudo relativamente de perto, quando o celular foi parar a alguns centímetros dos pés deles, aí a coisa degringolou, um deles pegou o coitado e o arremessou contra o muro do colégio. O celular espatifou-se em vários pedaços que foram por fim disputados e chutados para longe. Um verdadeiro massacre em praça pública, que culminou em aplausos e gritos eufóricos e a imediata apresentação do novo aparelho da garota para todo mundo ver. Assisti estupefato ao esquartejamento do aparelho rejeitado e ao batizado do novo felizardo. O infeliz foi substituído por um outro ainda mais rápido e melhor, com capacidades inenarráveis e inteligência superior, com muito mais utilidades. Quase um deus com design moderno, mais leve e menor, mais fino e mais, mais, deixo pensar, hum... mais, mais... ah sei lá, só sei que ele vai ser mais e melhor. Porque é assim que as coisas devem ser não é? Mais e melhor? Aliás, não é assim que as coisas funcionam na vida da gente? Custo e benefício? Então, não é assim que funcionam as relações entre as pessoas? Enquanto funcionarem e servirem para alguma coisa elas prestam, e quando não mais tiverem uma função eu as descarto? Não? Não é assim que a vida funciona? Jura que não? Ih, agora deu um nó na minha cabeça. Espera um pouquinho, vou perguntar para os meus seguidores do twitter o que eles pensam e te respondo.