30.12.09

PARA O QUE DER E VIER

Para o ano que terminou deixo um grande abraço de despedida. Um desses abraços raros, carregado de afeto e calor, que nos envolve com carinho e demonstra gratidão. E enquanto eu o abraço, falo em seu ouvido: obrigado por cada um desses 365 dias que esteve comigo, me empurrando para frente, e me incentivando a não desistir. Tchau 2009, e obrigado.

Para o ano que se inicia, abro meus braços. Para recebê-lo de peito aberto e sem medo. E com a confiança reforçada. Com a fé dos que acreditam não apenas em si mesmos, mas que se entregam também aos caprichos da providência divina. Que seja farto de experiência e saúde, trabalho e prazer, e que a realização de alguns sonhos gere muitos outros. Salut, Viva 2010!

Para todos que acompanharam o blog durante o ano de 2009 um feliz ano novo!

29.12.09

SIMPLE THE BEST


Novamente cinema. Hoje foi a vez de “Ervas Daninhas” de Alain Resnais. A cereja do bolo dos três filmes que vi nos últimos três dias. Ver um filme de Alain Resnais é sobretudo ver como se faz cinema com qualidade. Não importa se você gosta ou não do filme, mas você não conseguirá apontar defeitos grosseiros ou dizer que é de baixa qualidade. Dificilmente uso o verbo adorar para traduzir um sentimento bom em relação a qualquer obra de arte ou pessoa, mas adoro os filmes do Resnais. Porque são bem feitos, as histórias são interessantes e nunca esbarram no lugar comum. “Ervas Daninhas” não foge a regra da maioria de seus filmes. Boa história, bons atores (gosto mais do Dussolier do que da Sabine Azéma, acho ela sempre um pouco artificial, já ele tem o controle absoluto dos gestos e das emoções), boa trilha sonora, boa fotografia, final beirando ao absurdo. Dentro do filme é possível detectar brincadeiras sobre destino, carências, loucuras, desejo e rejeição, tudo muito bem “caché” dentro das ações e reações das personagens. Já nos primeiros minutos do filme percebe-se a mão de quem sabe o que está fazendo, tem-se a impressão de se estar assistindo uma brincadeira do diretor, tamanha a destreza de trabalho da câmera. Tudo beira o nonsense e ao sarcasmo, o drama e o humor se misturam tangenciam o ridículo, ouve-se as vozes interiores dos personagens, o que pensam, o que querem dizer mas não dizem. Não é uma história comum, ou melhor, é uma história de gente incomum, irreal e real ao mesmo tempo, uma brincadeira levada a sério. Talvez não agrade a maioria, mas de qualquer forma fazendo uma pequena retrospectiva dos filmes de Resnais (Hiroshima mon amour, Ano passado em Marienbad, Meu tio da América, Medos Privados em Lugares Públicos), me parece que ele nunca se preocupou com isso. Graças a Deus!

28.12.09

VALE O QUANTO PESA

Mais cinema. Fui assistir “Partir”. No momento temos uma avalanche da atriz Kristin Scott Thomas. O que não é desagradável, pelo contrário, é um prazer ver confirmado o seu enorme talento e a gente tem vontade de vê-la mais e mais vezes. Mas retomando o filme. “Partir” é um bom filme, de história bem construída e muito bem contada. Ao ver o ajudante de obras espanhol não é difícil entender porque Suzanne se apaixona por ele. Comparado ao seu marido seco e chato não é difícil entendê-la. Talvez seja esse o ponto fraco do filme, o personagem do marido foi construído beirando a caricatura e a gente facilmente torce contra ele. O ator é fraquinho e deixa a desejar em todos sentidos. Mas a história é definitivamente possível. Quem já se apaixonou cegamente sabe o quão vulnerável e desesperado a gente fica. Tenho uma amiga que viveu história parecida, graças a Deus com final diverso e mais feliz. Bom, contado a partir da penúltima ou antepenúltima cena, e por isso com final não surpreendente, mas com o meio muito bem recheado. Vale a pena.

27.12.09

O LADO PERFEITO DAS IMPERFEIÇÕES

Para não cair no buraco vazio das horas eu me esforço para preenchê-las com arte. Não há outra receita para apaziguar minha alma ansiosa e inquieta, pelo menos é a única até o momento que consegue preencher meus vazios e serve para diminuir o sofrimento. Não cura, mas orienta e proporciona satisfação. Por isso nesses dias que dobram de tamanho e parecem intermináveis vou ao cinema. Fui ver “A vida íntima de Pippa Lee”. Vou tentar resumir minhas impressões da seguinte maneira: o filme não é ruim, mas também não é dos melhores, porém deve necessariamente ser visto. Gosto do tema proposto, da maneira como se conta a história, mas há uma superficialidade irritante que permeia todo o filme e provoca desconfiança quanto a qualidade da obra. Há várias pitadas de humor no meio do drama proposto, e eu sou favorável a esse recurso, não é isso que diminui a dramaticidade do filme, meu desgosto vem do não aprofundamento de suas propostas e dramas. Os acontecimentos parecem estar ali gratuitamente, mesmo que eles encontrem explicações com base pseudo psicológicas. Essa mania americana de analisar desvios de comportamento do ser humano apenas raciocinando suas causas e efeitos, reduz o homem a um ser banal e previsível. Como se fosse possível prever comportamentos e reações de cada ser humano apenas analisando os acontecimentos de seu passado. Lógico que analisando o passado podemos responder muitas perguntas, mas somos mais complexos, menos previsíveis e matemáticos, e muitas vezes incapazes de lidar com nossas emoções, mesmo quando conseguimos rastreá-la. No geral o filme tem pontos positivos, a atuação de Alan Arkin, Monica Belucci por exemplo, é de tirar o chapéu, e a aparição de Julianne Moore fazendo uma pequena ponta como a amiga lésbica da tia da Pippa é de prender a respiração.

26.12.09

DIÁLOGOS EXTRA SENSORIAIS

Muitas nuvens, mas mesmo assim há leveza no ar. A cidade está calma, menos automóveis circulando e muito menos gente nas ruas. Ontem, no primeiro dia depois do nascimento de Jesus, senti vontade de matar um sujeito que estacionou seu carro numa pequena rua sem saída localizada atrás do meu prédio, e que resolveu ligar o seu som em volume altíssimo. As enormes e potentes caixas de som devem ter sido um presente de natal e ele resolveu compartilhar seus axés e outras músicas de gosto duvidoso com todo o bairro. Fica difícil manter o espírito natalino nessas horas. Moro no 15º andar. O som sobe e se torna invasivo. Depois do primeiro ovo que recebeu sobre sua linda capota brilhante, ele percebeu que nem todo mundo estava a fim de compartilhar de seus gostos. Com esse tipo de gente o diálogo não funciona, mas por incrível que pareça eles entendem a linguagem do ovo. As coisas são mais simples do que a gente imagina. Acho que um tomate também teria funcionado. Qualquer coisa orgânica, menos a palavra. A palavra não exerce influência nesses casos extremos. Ele soltou uns palavrões. Devem ter servido para ele extravasar sua raiva. Tudo bem. Sou um cara compreensível, entendo sua revolta.

24.12.09

NOEL

Feliz natal a todos que passarem por aqui.

23.12.09

SÃO TANTAS EMOÇÕES

Nos últimos dias tenho casualmente encontrado muita gente conhecida. Algumas eu não via há muito tempo por motivos alheios a minha vontade, outras vejo com mais freqüência mesmo contra a minha vontade. Noto em todos uma emoção transbordante e pouco natural. Pergunto-me se não sou eu que nesses dias que antecedem a grande histeria da celebração do natal, que fico mais crítico e presto mais atenção em tudo. Mas é muito estranho não ver alguém durante anos e de repente ser abraçado por um tamanduá com os olhos cheios de lágrimas. Assim como também é estranho ver a emoção aflorar nas pessoas com as quais você convive por obrigação ou força do destino e não tem a menor intimidade e nem tem vontade de ter. Não acho que elas finjam. Acho que esses dias que antecedem as festas são tocados por um ar de histeria em massa. Há um exército de imagens e mensagens que induzem as pessoas a isso. Sinto os abraços mais fortes do que de costume e os beijos mais úmidos melecando minhas bochechas. Em alguns momentos sinto a nuvem me envolver. Mas sinceramente, se normalmente não dá para engolir a hipocrisia individual, a em massa então fica insuportável. Prefiro aqueles caras que ficam na rua vendendo abraços em dias normais a essa turba de histéricos emocionados com seus quinze minutos de sentimentos altruístas. Aliás, de altruístas acho que eles não tem nada, porque na verdade estão só pensando em satisfazer suas próprias necessidades. Sorte que tudo isso dura somente alguns poucos dias, e são regados a vinho e boa comida.

21.12.09

BOLO DE FRUTAS


Na sexta à tarde fiz um bolo de frutas. Piquei toda variedade de nozes, castanhas e frutas secas e coloquei numa bacia grande, acrescentei cinco maçãs picadinhas, um copo de suco de laranja, quatro xícaras de farinha, três de açúcar mascavo, cinco ovos, uma colher de canela, mel a gosto, uma colher de manteiga sem sal e misturei tudo. Depois acrescentei uma colher de fermento e mexi mais uma vez cuidadosamente. Untei duas formas retangulares, daquelas que se faz bolo inglês, e as preenchi com a massa, em seguida pus no forno para assar. O bolo assou em temperatura de 180 graus por um pouco mais de uma hora. Resultado: o bolo ficou delicioso. Se nada mais der certo, vou começar a fazer bolos e vendê-los de porta em porta.

18.12.09

CENAS PRÉ NATALINAS

Cenário: Balcão de frutas secas de um supermercado.

Personagens:
Moça com aproximadamente trinta anos, lábios carnudos, falsa loira, óculos de sol segurando os cabelos na testa, roupas justíssimas, sandálias altíssimas, bolsa aparentemente de grife.

Rapaz com aproximadamente quarenta e mais do que poucos anos, careca raspado, trajando calça de agasalho, tênis, boné.

Cena 1:

Moça se aproxima do balcão improvisado de frutas secas, ignora um senhor e o rapaz careca que aguardam na fila para serem atendidos. Diz estar com pressa. Exige ser atendida com rapidez. Sem olhar para ninguém diz precisa buscar as duas filhas na escola. Tem muita coisa para fazer. Reclama com a atendente da suposta lentidão. É ríspida e o tom de sua voz é frio e demonstra arrogância. “Não. Você colocou mais damascos do que eu pedi pode tirar. Tira . Tira mais. Mais. Você não entendeu o que eu falei? Mais.Tira mais. Não, agora você tirou demais. Acrescenta mais um pouco. Não. Tira uns dois ou três. Agora pesa. Quero apenas duzentas gramas. Passou do peso. Eu te disse duzentas gramas. Que coisa! Parece que não entende português?”

Cena 2:

O rapaz careca observa e ouve as grosserias e a falta de educação da moça junto a atendente. Aproxima-se. Tem cara de quem está prestes a estapear a moça loira. Surpreendentemente consegue se controlar. Não a estapeia. Aproxima-se mais um pouco. Aguarda ela pegar o saquinho de damascos e diz: “posso te dizer uma coisa?” A moça loira olha com espanto para ele e segundos depois abre um sorriso. Antes que ela pudesse lhe responder qualquer coisa o rapaz emenda: “o correto seria você dizer duzentos gramas, entendeu?, não duzentas, talvez por isso a atendente não tenha te entendido. Ah, e se aconselha dizer por favor antes de fazer o pedido, e obrigado depois de ser atendido, isso também faz parte da comunicação entre pessoas.”

Última cena:

A moça está visivelmente assustada. Olha para o careca e pressente que se abrir a boca para dizer qualquer coisa, ele vai lhe dar uns bons tapas na cara. Distancia-se do rapaz e do balcão e estupefata com o atrevimento do careca, diz: “brasileiro é um povo mal educado mesmo, e ainda quer ensinar a gente a falar!”

LÓKI

Restam alguns dias para o final de ano, mas para mim a sensação é de que ele já ficou para trás. Sinto-me como se tivesse entrado num tempo a parte, um território extra, no limbo, ou purgatório. Um lugar/tempo entre o ano que já passou e o que vai iniciar. Faço reflexões do que foi e do que será. Mas nada de balanços, pelo amor de Deus, sem planos, metas, ou qualquer outra palavra vinda do mundo corporativo empresarial e adaptada para a vida privada. Não vou perder o meu tempo com projeções como se tivesse um power point dentro da minha cabeça. Se existe um tipo de paz que carrega em si a ansiedade, é isso que estou sentindo, uma paz ansiosa.

Ontem assisti na tv ao filme Lóki, que conta a história dos Mutantes e do Arnaldo Batista. Posso sem querer estar sofrendo os efeitos colaterais do sentimentalismo que domina a maioria das pessoas nos dias que antecedem o natal, mas em muitos trechos do filme eu me emocionei. Acho que o que mais me pegou foi a intensidade de sentimentos do Arnaldo revelada no filme. Uma intensidade profunda, sem filtros, não artificial e traduzida em música. Não há diferença entre sua vida e obra. Por incrível que pareça me lembrei de Clarice Lispector e Caio Fernando Abreu. São todos muito parecidos. O que me fez acreditar nessa semelhança, foi a intensidade dos sentimentos, o mergulho profundo dentro da alma. Neles não há divisões, não há biombos entre o consciente e o inconsciente ou entre suas obras e suas vidas. Estou Lóki? Não sei, mas juro que é melhor não ser o normal.

15.12.09

APESAR DE.


Esses dias tenho pensado muito naqueles dizeres da Clarice Lispector, alguma coisa como “a gente ter que viver apesar de”. Tem um montão de “apesar de” que vem atropelando a fluidez dos dias, incomodando o fundo da alma e colocando pedras no coração. Não acho que é o espírito natalino. Talvez o volume de “apesar de” tenha aumentado nos últimos meses, por isso essa sensação de acho que não vai dar ou descrença. Continuar a fazer as coisas “apesar de” faz muito mal. O espírito adoece. Quanto menos “apesar de” a gente carregar sobre nossos ombros, melhor e mais saudável a gente vai se sentir. Descobrir os “apesar de” pode ser um processo demorado, porque às vezes a gente sem perceber os incorpora no dia a dia. E se livrar deles não é tão fácil ou instantâneo como dissolver Toddy num copo de leite. Depois que a gente os descobre as coisas ficam ainda mais difíceis, ter consciência deles pode ser ainda mais penoso. Mas o grande negócio de nossas vidas é na medida do possível se livrar deles.


Outro dia entrei no elevador e ao cumprimentar um dos moradores, ele me respondeu, “tudo bem, fazer o que, a gente vai levando como dá para levar”. Ai meu Deus, pensei, que medo, não quero ser assim, ir levando como der para levar, não quero levar nada que não caiba nos meus bolsos, quero sim levar somente o que eu escolher.

Exceto as coisas/pessoas/fatos que não dependem de nossa vontade de ter/conviver/viver, e acho que quando se tem coragem de tomar decisões dá para reduzir bastante o número de coisas/pessoas/fatos indesejáveis, todo o resto tem que fazer parte das escolhas e de deliberações conscientes. É difícil. Muito difícil. E não tem nada a ver com perder a flexibilidade, o jogo de cintura. Tem mais a ver com “hay que endurecer-se, pero sin perder la ternura”, qualquer coisa que se encaixe nisso. E vou chegando a conclusão de que faz parte dos exercícios que duram uma vida inteira.

12.12.09

JEITINHO BOM DE CONTAR HISTÓRIA

Saí da sala do cinema pensando nas razões que me levaram a gostar do filme “É proibido fumar”. Nem sempre é assim. Normalmente eu gosto e pronto. Mas desta vez foi diferente. Comecei argumentando para mim mesmo que o filme é simples, tem uma aparência de “feito em casa”, história mais simples ainda, que não exige queimar os miolos para tentar entender. Outro motivo poderia ser o de que a gente parece conhecer aqueles personagens de algum lugar. Alguma prima se parece com a Baby e que o Max na verdade é uma cópia do sujeito que a gente vê todo dia com a barriga encostada no balcão da padaria conversando sobre futebol com o chapeiro. E acho que este é o ponto forte do filme, e o que nos faz gostar dele. Glória Pires e Paulo Miklos são tão naturalmente críveis que você esquece que está dentro de uma sala de cinema. Gosto do que está escondido atrás da simplicidade de diálogos e situações. Tudo parece simples. Uma moça carente encontra um vizinho sem muitas intenções, alguns interesses em comum com muitas diferenças embutidas. A história se desenvolve sem muitos conflitos, mas a gente sabe que a aparente ausência de conflitos é conduzida pelo desejo da busca da felicidade que cada um dos personagens guarda dentro de si. E é assim, com leveza, que você é conduzido a acompanhar a história de Baby e Max, torcendo para que eles dêem um jeito para dar certo. Não é preciso fazer um drama para se contar uma história dramática. Anna Muylaert, que é ao mesmo tempo roteirista e diretora do filme, pelo jeito sabe disso.

11.12.09

O MUNDO É DOS JOIOS


Há alguns anos a expressão popular retirada da parábola bíblica “separar o joio do trigo” era bem comum e ainda fazia sentido. Era usada quando se queria deixar claro que uma pessoa ou um tipo de comportamento ou conduta diferente da praticada pela maioria era exceção, e não a regra. A quantidade de joio infiltrada no meio dos campos de trigo era bem menor, e nem sempre significava que a pessoa ou o comportamento era repugnante, era só um joiozinho no meio do imenso campo de trigos virtuosos. O mundo mudou e com ele o joio se multiplicou. Ser joio passou a ser regra no mundo maravilhoso das aparências. Hoje está quase impossível encontrar o trigo dentro da imensa quantidade de joio. Os trigais foram perdendo lugar dentro da imensa maioria de joios multiplicados e agora confundidos pela cada vez maior quantidade de gente que não sabe diferenciar um do outro. Não é a mesma coisa. Trigo é trigo e joio é joio. Trigo da frutos, tem o poder de se transformar em pão e outros alimentos, joio é palha, vazio, quer ser e não consegue, parece mas não é. Sinceramente não acho que vão conseguir aniquilar com o trigo. Trigo que é trigo resiste, trabalha quietinho para garantir a sobrevivência da espécie, conhece suas qualidades e não quer de jeito nenhum que o confundam com joio. Cresce sob a luz do sol e não de flashes e holofotes. Acho até que tem orgulho de ser trigo, mesmo sabendo que isso não tem a menor importância no mundo dos joios.

9.12.09

INTERCÂMBIO CULTURAL


Acompanhei uma discussão antiga na tv francesa sobre a proibição de minaretes na Suíça. O programa deve ter sido reprisado, já que no dia 29 de novembro por meio de um plebiscito os suíços votaram a favor da proibição. O país inteiro tem quatro minaretes (torres das mesquitas) e eles estão aterrorizados com a idéia de serem acordados com os chamados dos mulçumanos convocando os fiéis a fazerem suas orações. Sinceramente, também não gostaria, mas será que não tem outra forma de resolver isso? Bem que o Sartre avisou que o inferno são os outros. Então, nada mais fácil que começar eliminando as diferenças. O argumento que engana apenas os sem miolos é fascismo disfarçado, porque na verdade o que eles querem é espalhar terror e medo nos cantões. Dizem se sentir ameaçados pelos muçulmanos e suas tradições. Um dos sujeitos a favor disse que a civilização européia está no início do fim, a Europa livre (há há) vai acabar, está se auto abortando (essas foram suas palavras). Senti arrepios ao ouvi-lo. Guardadas as proporções, o que fizeram com a moça da uniban é fichinha, a diferença é que lá a coisa é mais organizada, institucional, não tem gritaria e (ainda) não jogam pedras. Fiquei pensando em como ajudá-los a aprender a conviver com as diferenças. Talvez o Lula pudesse sugerir ao governo suíço um programa do tipo intercâmbio, em que os suíços viriam passar um tempo aqui no Brasil e gente iria para lá. Eles ficariam hospedados em qualquer bairro de classe média de qualquer cidade do país, não precisa ser na periferia para não chocá-los logo na chegada, pode ser em Higienópolis ou em Ipanema, numa praia de São Vicente ou Ubatuba nas festas de fim de ano. O primeiro final de semana ensolarado já servirá como início das aulas. Quando neguinho começar a lavar o carro com o som no último volume, qualquer cidadão suíço vai sentir saudades de suas geleiras e vai começar a perceber que um minaretezinho sozinho não vai fazer muita diferença. A aula se estenderá até o final da tarde, quando rapazes cheios de energia e vontade de viver encostarem o carro bem próximo do boteco da esquina e levantarem os porta-malas com as caixas de som direcionadas para fora (aposto que isso eles não conhecem, é uma coisa tipisch brasileira) para ouvir um pagode enquanto seguram suas latinhas de cerveja. A festa para a entrega do canudo vai ser um churrasco no Alvorada, o Lula vai entregar pessoalmente o diploma, para eles aprenderem que barbudo não é sinônimo de gente radical, e antes do schwitzer voltar enchanté para o seu país, vai ainda ganhar um fim de semana all inclusive em Salvador ou Recife. Afinal a gente vive num país musicalmente eclético, e nada melhor do que sair daqui com o conhecimento de mais alguns ritmos brasileiros. Ah, já ia me esquecendo dos brasileiros que deverão ir para lá. Bem acho que os primeiros a serem escolhidos para fazer o intercâmbio nos cantões deveriam ser esses aí que proporcionaram as aulas ao vivo para os suíços, é só uma questão de prioridade, e direitos, é lógico.

8.12.09

GENTE QUE FAZ

Avanço na leitura da biografia da Clarice Lispector. A biografia escrita por Benjamin Moser é rica em informações que não se reduzem especificamente a vida da Clarice. É muito mais do que isso. Leva-nos a refletir sobre o contexto histórico que precedeu o nascimento da escritora, quem eram seus avôs, a situação política que obrigou a família a sair da Ucrânia e escolher o Brasil, o Recife e etc... É muito interessante e repleta de detalhes sobre a vida familiar e a infância. Versões contadas pelas irmãs, o ponto de vista da Clarice em relação aos mesmos relatos familiares, trechos extraídos de seus textos como uma forma de traduzir sua intimidade. Não é uma biografia escrita superficialmente, e por isso mesmo requer tempo, vontade e interesse. Estou surpreso com o envolvimento e a dedicação do autor norte americano. Mas a densidade da biografia não esbarra no ritmo narrativo. Para mim a leitura está sendo um grande prazer. Recomendo.

Quem está se sentindo pesado e precisa de um pouco de leveza, mas nem por isso quer abdicar de arte com qualidade, deve assistir o filme “Julie & Julia” protagonizado por Meryl Streep. Mais uma vez ela demonstra porque é tão respeitada como atriz. E o filme é muito bem feito, roteiro sem falhas, bem dirigido, história que prende a atenção. Filme tipo sessão da tarde acima da média.

7.12.09

IMPRENSA


Li dois textos que me chamaram muita atenção pela clareza e excelência na exposição do raciocínio. Um deles uma entrevista nas páginas amarelas da revista Veja do psicanalista Jean-Pierre Lebrun, o outro, um artigo na coluna do filósofo Luiz Felipe Pondé no caderno “Ilustrada” da Folha. Pondé é sempre provocativo. Gosto disso, e aprecio suas ironias, ele as emprega com muita lucidez, mas acredito também que exatamente por causa disso deve ser muito mal interpretado. Os dois falam de coisas diferentes, mas que se relacionam. Abordam temas como educação, família, ética, promessas de felicidade por meio da exclusão da tradição. Assuntos que deveriam ser mais debatidos com a sociedade, mas que muitas vezes é motivo de desdém entre os que se acham modernos e antenados. Se não estamos gostando do que vemos, o jeito é olhar para o passado, ver o que foi feito e deu certo e o que não deu. É disso que eles falam, da necessidade de se refletir sobre temas que aparentemente soam como ultrapassados, mas que são cada vez mais importantes.

5.12.09

DE BRAÇOS ABERTOS

Saí satisfeito da sala do cinema depois de assistir o filme “Abraços Partidos”. Ao contrário da maioria das críticas que li e ouvi sobre o filme, não o considero um filme menor do Almodóvar. Acho que a expectativa que antecede cada novo filme seu é justificável, mas é um erro esperar que eles ainda provoquem os mesmos sentimentos e emoções dos primeiros filmes. Não porque seus novos filmes são menores, mas porque o mundo mudou rapidamente desde o início de sua carreira de diretor de cinema. Pensamos diferente e acredito que Almodóvar também amadureceu como homem e profissional. Seus dois últimos filmes me fazem acreditar nisso. Vejo “Abraços partidos” como um filme feito por um diretor que sabe mais o que quer dizer do que antes. Menos experimental e melhor estruturado do começo ao fim. Talvez tenha perdido um pouco da eloqüência do começo, ou quem sabe a realidade absurda que somos obrigados a viver no dia a dia, tenha nos tornado imunes aos pequenos absurdos que fazem parte do conteúdo de seus filmes. Não sou um profissional que trata das doenças da alma para poder analisar o filme do ponto de vista psicológico, mas acho que o diretor cego que passa a se esconder sob um pseudônimo depois do acidente em que perde sua amada, é um dos exemplos de maturidade alcançada pelo diretor. Ele é obrigado a relembrar sua história, e no final desse processo traumático volta a admitir ser chamado pelo seu verdadeiro nome. Esse jogo de esconde-esconde, de fingir que se é outro homem sob um pseudônimo ou mesmo aparência, não o libera do passado, e muito menos consegue diminuir sua dor. O jogo não é permanente, e nem poderia ser, porque é preciso desvendar o que se escondeu, dura somente o tempo que ele precisa para recontar sua história a ele mesmo, e a nós, que nos propusemos a acompanhá-la. O filme tem um pouco de todas as características marcantes de seus outros filmes: drama, comédia, mulheres esquisitas e homens enigmáticos. Espero ansioso para ver o próximo, acho que ele está cada vez melhor.

2.12.09

CHATO


Gostaria de poder acreditar no Brasil que parte da mídia e da sociedade diz estar bem melhor do que antes. Me esforço para acreditar, mas não vejo sinais que confirmem o tão festejado desenvolvimento econômico traduzido em forma de bem estar. Há pequenas ilhas artificiais nas capitais, onde cenários foram construídos e dão a impressão de que algo mudou, mas eu não me interesso por elas, porque sei que por trás de suas fachadas há outros tipos de miseráveis. São aqueles que fazem de conta que não são. Que fingem morar em Miami ou sei lá onde e pagam um preço que nem eles mesmos conseguem calcular pela brincadeira de faz de conta. Tenho olhos e também consigo ver. Filhos bastardos somos todos nós. Um país dirigido por bandidos, não importa para que lado você olhar, o que vai ver é bandidagem, roubo, quadrilha, gente que se esbalda com o dinheiro público e sabe que não vai ser punido. Basta percorrer as cidades para a gente ver que o dinheiro não está chegando onde deveria chegar, e que o Estado não se faz presente onde deveria estar ou organizar e orientar.

Me enche o saco falar sobre isso, mas tem dias que não dá para reprimir o sentimento de frustração. Deixamos nos enganar por isenções de IPI e matéria elogiosas em revistas estrangeiras de economia, e esquecemos facilmente que faltam escolas, hospitais, transporte e segurança pública. Não consigo entender “bem estar social” apenas pela quantidade de bens de consumo que um cidadão pode adquirir. Acho importante que o maior número de pessoas tenha acesso a bens de qualquer tipo e variedade, mas o que adianta você poder comprar carros e geladeiras se a sua casa é um barraco e seus filhos não tem escola para estudar e se formar? Se o meio de transporte que leva seu filho ao trabalho é um lixo? Ou se precisar de algum tratamento hospitalar, ter que enfrentar os hospitais públicos em péssimas condições de atendimento e qualidade? Tenho a impressão que estamos fazendo uma péssima troca. Ou talvez, o desenvolvimento social tão esperado no Brasil ocorra de modo inverso do que aconteceu com outros países onde educação, saúde, segurança pública são prioridades, isto é, depois que o maior número de brasileiros tiver seu carro próprio, sua geladeira própria, sua televisão própria, ele descubra que precisa aprender a ler para entender as bulas dos remédios ou os manuais de instrução dos aparelhos domésticos que compra.

30.11.09

TRANSPARÊNCIAS


De sexta para sábado escrevi apaguei e reescrevi um parágrafo acreditando ser ele o primeiro de um novo conto. Duas e meia da manhã cansado da brincadeira de esconde esconde desliguei o computador e fui dormir. Domingo eu o reli. Mais de cinco horas para escrever aquele parágrafo e nem cinco minutos para perceber que ele não valia nada. Deletei. Li o jornal dominical, e não sei por qual razão me lembrei do quarto movimento da quinta sinfonia de Mahler (aquela que todo mundo só se lembra quando alguém comenta sobre o filme “Morte em Veneza”). Ouvi esse movimento umas cinco ou seis vezes até começar a achar que há uma familiaridade entre ele e o terceiro movimento da nona sinfonia de Beethoven. Repeti a dose, agora com o terceiro movimento da nona. Acho que elas conversam. Que suas espinhas dorsais vêm da mesma fôrma. Suas almas são quase gêmeas, uma é mais velha que a outra, mas elas dialogam e se fazem compreender. Não estou louco. Nem estava triste. As duas produzem sentimentos muito parecidos em mim. Quando achei que algum vizinho poderia vir reclamar, não da música, mas da exaustiva repetição a que estava sendo obrigado a ouvir, desliguei e voltei a tentar escrever o conto da noite anterior. Três páginas rapidamente se materializaram. Lembrei-me de Gide que invejava autores que tem facilidade e escrevem com rapidez. Não faço parte da trupe dos que passam muito rapidamente para o papel suas histórias. Preciso de tempo. Escrevo em ritmo de conta gotas. Escrevo, paro, levanto, faço café, atendo telefone, e volto para escrever. Se soubesse que seria tão fácil, não teria sofrido tanto na noite anterior. Tempo é uma coisa que eu cada vez menos consigo entender. Nem pretendo. Gosto de acreditar que ele está a meu favor.

27.11.09

IMAGENS

Entre as imagens de rua hoje registradas pelos meus olhos, duas ainda não se apagaram. A primeira é de dois casais que se esconderam atrás dos pilares da plataforma da estação do metrô para namorar. A segunda é de um morador de rua que dorme sob o minhocão, e que escolheu como cabeceira um dos pilares de sustentação do elevado no qual há um grafite com a imagem de um anjo de asas abertas usando um crucifixo.

No meio da tarde fui até a livraria Cultura do Shopping Bourbon. O rodízio de placas do meu carro não me permitia voltar para casa antes das oito, então procurei um filme cuja sessão preenchesse o horário entre 17 e 20 horas. Por falta de alternativa assisti “500 dias com ela”. O filme é ruim que dói. Não sei quem é mais sem graça, se a atriz ou o ator. Roteiro previsível, vídeo clip de quinta, com direito a cenas manjadas com casal apaixonado que deita em cama de lojas de departamento e cantorias de bêbados em restaurante com karaokê. Uma bobagem equiparável a invasão de filmes de vampiros cafonas que eu optei em não assistir.

Trouxe a biografia da Clarice para casa, e o único Murakami lançado no Brasil que eu ainda não li, “Norwegian Wood”. Vamos ao que interessa.

26.11.09

CRISTAL

Cada vez mais acredito no acaso como um conjunto de causas com propósitos pré-determinados. Imprevisível sim, mas não sem propósitos. Não perceber a relação entre eles e o fim por eles determinado, faz parte do plano. Não sei de quem, mas tem que ter um plano inteligente por trás. Algo bem low profile, que não gosta de aparecer, mas que sente um prazer desgraçado enquanto os constrói.

A moradora do apartamento abaixo do meu é uma viúva já de idade bem avançada que vive só. Segundo o zelador, ela tem duas filhas, mas elas não vêm visitá-la. Tem uma irmã que também não vem visitá-la. Passa os dias praticamente sozinha dentro de seu bunker. Entra e sai do elevador sem sequer olhar para nosso rosto. Não fala. Não encara. Praticamente não respira. Passa por você sem dizer bom dia ou boa tarde. Tem cara de jiló seco. Hoje a tarde ela tropeçou na frente do prédio e eu instintivamente corri para socorrê-la. Quando conseguiu ficar de pé, não olhou para mim, não fez sequer um gesto de agradecimento, me deu as costas e entrou no prédio como se o espírito santo a tivesse ajudado a se levantar. Respirei fundo. Tudo bem, não me incomodo em fazer o papel de espírito santo. Não precisa agradecer. Teria me feito muito mal não tê-la socorrido. Mesmo porque não sei a razão de sua imensa amargura, mas reconheço em seu corpo e em sua face muitas fragilidades. Talvez tenha desaprendido a falar. Depois de alguns minutos me recompondo de sua queda, dei meia volta e subi para lavar as mãos.

25.11.09

TURVO

Hoje não vi nada além.
Meus olhos não enxergaram mais do que dois palmos de distância.
Entre mim e mim mesmo,
o vazio e o eco da minha própria voz,
a revelar a ausência do novo,
o de sempre,
olhar,
ver,
cheirar,
e sentir,
um passo a mais e eu teria caído,
como sempre,
caio,
e me levanto,
e caio,
e me levanto.

Eu.
Meus olhos.
O vazio e o eco da minha própria voz,
O de sempre.

Nada além do desejo.

22.11.09

PARA MIM

Hoje acordei
querendo esquecer tudo
e não recomeçar nada,

apagar o que quase não é mais fogo,
não riscar sequer um palito de fósforo

ir embora,
ficar,
não me despedir,
acordar do pesadelo
voltar para a cama

dormir e re-aprender a sonhar.

20.11.09

ACONTECE

Com amigos franceses hospedados em casa, não deu para escapar, mesmo com o calor africano, fui obrigado a sair para mostrar a cidade. Uma das paradas foi o MASP, onde no segundo andar também é possível ver a exposição de fotografias do Walker Evans. O ar condicionado facilita bastante as coisas. Para mim o ponto forte de suas fotografias está nos retratos. Tanto nas fotografias feitas com o consentimento dos fotografados como naquelas em que os personagens não sabiam que estavam sendo fotografados, essas são suas melhores fotos. Evans tentou escrever antes de ser fotógrafo, mas não foi bem sucedido. Acho até que por isso mesmo seus retratos falam muito mais ao coração do que as imagens onde não há a presença do homem. É nos retratos que ele consegue contar suas histórias.

São Paulo não é uma cidade fácil para ninguém. Tanto para quem vive aqui como para quem está de passagem. Se para nós já é difícil descrevê-la, mais difícil ainda é compreendê-la. Para quem vem de cidades projetadas ou que se desenvolveram a partir de planejamentos, a variedade arquitetônica (?) passa a ser um dos atrativos. E como nos salta aos olhos a feiúra e a sujeira do centro velho. O patrimônio mais valioso é sua gente. Nem toda gente, mas boa parte dela.

Ainda não consegui ir à balada literária, mas até domingo vou passar por ela. Saiba mais visitando aqui o site do evento criado pelo querido Marcelino Freire.

16.11.09

TIRANDO O CHAPÉU


Não posso provar o que vou afirmar agora, mas eu já tinha pensado no que o Moacyr Scliar escreveu em sua resenha na Folha sobre o livro do Amós Oz “Cenas da vida na aldeia”. Não me lembro agora exatamente de sua afirmativa, mas afirmou que para escrever um livro como esse o escritor tem que ser muito bom e ter anos de vida nas costas. Pois quando comecei a ler o terceiro conto intitulado “Os que cavam” pensei a mesma coisa. Puxa como esse cara sabe contar suas histórias! Porque o texto é muito bom. A maneira de narrar e descrever o personagem Pessach Kedem, velho ranheta e amargo, político que amaldiçoa Deus e o mundo e ainda tem tempo para encher o saco da filha, é excepcional. São necessários muitos anos de observação para poder construir com tanta maestria a personalidade desse velho e de outros personagens desse livro de contos. Enquanto lia os contos, eu podia vê-los, e podia também entender perfeitamente a geografia da aldeia, a paisagem por ele denominada toscana israelense, os ventos e os cheiros do lugar, como se eu estivesse lá vendo e ouvindo tudo. Você percebe que ele não tem pressa para terminar de contar suas histórias, os lugares são muito bem descritos e os personagens conversam não apenas entre eles, mas também com o leitor. Talvez também por se tratar de histórias narradas numa aldeia, um lugar que nos dá a impressão de ter ritmo próprio, longe do tipo de vida que vivemos em nossas cidades, onde velhos são realmente velhos, professores têm perfil de professores, tias e sobrinhos têm jeitão de tias e sobrinhos, sem nenhuma artificialidade desnecessária, tudo isso contribui para a qualidade do livro. Mas sem a experiência vivida, os ouvidos calejados, e os olhos desgastados, assim como Scliar, também acredito que não seria possível contar tão bem a história da vida dessas pessoas. Leiam, porque é bom.

15.11.09

ADAGIO MOLTO E CANTÁBILE

Tenho um romance ainda não publicado, no qual o personagem principal num momento de extrema angústia zapeando canais na tv, se depara com uma orquestra executando a nona sinfonia de Beethoven. Ele diz que acha que o mundo deveria ter acabado segundos depois de que Beethoven terminou o terceiro movimento dessa sinfonia. Hoje tive a mesma vontade e sensação. Não há nada mais comovente. Não sei qual a fórmula matemática musical usada por ele quando a compôs, e nem quero saber. Acho um privilégio poder ouvi-la repetidamente e acho que ele deveria ser santificado por tê-la criado. Deus estava presente e ele foi um servidor perfeito de Sua vontade. Inicio aqui uma campanha para a santificaçao de beethoven. Mais do que a ode a alegria no quarto e último movimento da nona sinfonia, o terceiro movimento faz qualquer ser humano perceber sua significante insignificância diante da grandeza do universo, por isso acho que ela deveria ficar tocando repetidamente em todos os lugares possíveis. Dentro de elevadores, bancos, hospitais, congresso nacional, tribunais, delegacias, favelas, tanques de guerra, ônibus, trens do metrô, táxis, restaurantes, rua Oscar freire, vinte e cinco de março, campos de futebol, e por aí afora em todos os lugares onde um ser humano estiver presente. Porque o terceiro movimento da nona sinfonia do Beethoven desmonta qualquer personalidade prepotente, independente de cor, religião e classe social. Fechem os olhos e ouçam. Não há ser humano com sangue de barata capaz de não se emocionar com o equilíbrio perfeito de delicadeza e força. Duas características contidas nos homens desde sempre, e em permanente desequilíbrio. Beethoven conseguiu reuni-las e mostrar que é possível equilibrá-las, num só movimento, em apenas17 minutos, e intenso deleite.

12.11.09

LABORATÓRIO DE IDIOTAS

Cada vez mais me convenço de que não há um avanço nas relações de convivência entre os diferentes gêneros ou grupos que formam a sociedade. Depois de escolhido o seu grupo o sujeito se integra a ele e reforça a diferença geralmente menosprezando o diferente. O interesse pelo diverso serve apenas como fermento para fazer crescer o bolo do qual ele faz parte. Talvez eu seja um desconfiado por natureza, mas dificilmente erro quando ouço minha intuição. Acho que a maior parte dos que se dizem liberais, passam rapidinho para o lado dos retrógrados quando confrontados em questões íntimas ou pessoais. A linha que demarca os territórios deixa de ser apenas delimitadora e passa a fazer a função de segregadora. Ninguém mais quer falar sobre aprender a conviver com o diferente. Os discursos são muito parecidos, fala-se muito do que o outro quer ouvir, e pouco do que se realmente pensa, já que o objetivo quase sempre é ser aceito e vender seu peixe. O politicamente correto faz muito mais estrago do que a gente imagina. A carapuça se transforma no verdadeiro rosto de quem a veste.

Sou pela volta de todos os movimentos libertários e de afirmação.

Quero o confronto e a volta do idealismo radical.

Bactérias e fungos adoram ambientes úmidos, meia luz e mornos.

5.11.09

INSIGNIFICÂNCIAS

Esses dias insuportavelmente quentes não são inspiradores. Pelo menos para mim. Nascem pensamentos de cara já cansados, preguiçosos e desalentadores. Ontem, por exemplo, pensei que a luz dentro de mim fosse apagar de tanto cansaço. Do esforço e da superação. Não dá mais para matar um leão por dia. Mesmo porque não há mais leões para abater, o resto dos meus conterrâneos já fizeram picadinho deles. E não quero mais matar nada para sobreviver.

No fim de semana reli “O Caminho de Los Angeles” do John Fante. Eu o encontrei por acaso numa livraria e resolvi comprá-lo. Depois de 25 anos eu o reli novamente. Teria sido melhor deixá-lo como era na minha lembrança. O livro tem momentos muito bons, mas hoje, com meus olhos embrutecidos pelos anos vividos, não me comove mais. Pena. Em certos trechos quis avançar porque achei que ele já tinha dito tudo o que queria dizer.

As vezes também acho que já disse tudo que queria dizer.

31.10.09

SÓ NA APARÊNCIA


Assisti “Eu matei minha mãe“. Filme da mostra que conta a história de um adolescente com problemas com a mãe (tem algum que não tem?) e suas descobertas. O diretor do filme, um jovem de vinte e um anos, faz também o papel do ator. O filme tem bons momentos, mas na maior parte do tempo fica na média. Quero dizer, um filme que não trás nenhuma novidade nem no tocante a discussão entre adolescentes e a vida e nem a direção. O diretor/ator é bom, tem uma voz irritante (quando grita, e ele grita muito com a mãe parece um pato), talvez seja de propósito, mas de qualquer forma não deixa de ser irritante. Exagera nos dois modelos que apresenta. Tanto na sua relação com a mãe, quando as discussões parecem gratuitas e ela em período integral proibitiva, como quando apresenta a família e a mãe do namorado, extremamente liberal e permissiva. Dois opostos que não me convencem e caricaturam as personagens. De resto bem feitinho, às vezes um pouco cafoninha, mas dá um bom copo de leite com Toddy ou Nescau para a turma da sessão da tarde.

29.10.09

FATOR PROTETOR ZERO

Dias sem filtro são aqueles em que seus olhos enxergam mais do que deveriam.
Da cabeça aos pés o que você vê, cheira, ouve, é absorvido sem proteção.

Ontem assisti meu primeiro filme na mostra. Um argentino. “A Cantora de Tango”. Música de primeira, fotografia linda e muito bem feita, roteiro bem costurado. Saí do filme pensando por que ele não me fisgou. Achei bom, mas não a ponto de me envolver ou me sensibilizar. Por que? Alguns argumentos que dei a mim mesmo: o filme é limpinho demais e os personagens teriam conseguido me sensibilizar se eu pudesse imaginá-los e não os tivesse visto. Um filme que daria um bom livro. Porque gosto da história. Talvez a forma dada a interpretação, higiênica e certinha, quase todos os personagens beiram a perfeição dentro do papel reservado a eles. Parece-me que durante o filme inteiro alguém ficou dizendo o que eles deveriam fazer e o que não deveriam para passar credibilidade ao público. E é exatamente essa contenção que atrapalha o filme. Faltou naturalidade. As emoções restaram artificiais.

26.10.09

BICHO DA SEDA.

Precisei da chuva que hoje a tarde lavou a cidade para clarear e limpar minha cabeça de pensamentos ruins. Quando fico assim, o pessimismo acaba dominando. Para falar a verdade não acho tão ruim. Pessimismo quando não confundido com negativismo me ajuda a ver a vida como ela é. Lógico que como todo mundo gosto de sonhar e acreditar em dias melhores, ou que no fundo todas as pessoas nascem boas e o meio é que as corrompe. Mas quando sou dominado pelo pessimismo circulo melhor pelas ruas porque me sinto mais arisco, no sentido de manter a reafirmar meu espírito crítico. Pode ser que no pessimismo eu encontre uma forma de escapar do que mais detesto: o conformismo, o meio termo de tudo, o não é bom mas também não é ruim, o monte de baboseiras levadas a sério. Pode ser.

Quando caminhava sob gotas gordas de chuva no meio da rua, ouvi um casal que passava ao meu lado comentar que a chuva que cai em São Paulo é ácida. Talvez seja isso. Ao invés de nos proteger da chuva ácida, faria um bem danado tomar um banho dela.

Num café no centro da cidade vi uma garota com os lábios cheios de piercing em forma de pequenas argolinhas. Essas argolinhas enfileiradas sustentavam pequenos dados Eram muitos. Eu olhei e contei. Sete ao todo. Em cada sobrancelha mais duas ou três argolinhas com dadinhos. No nariz um ferrinho em forma de traço atravessava a cartilagem. Na testa umas bolinhas subcutâneas (de)formando dois chifrinhos. Assim como eu ela tomava um café. Conversava com um sujeito velho com uma cara que parecia carregar todas as marcas do mundo. Queria entender. Só estou dizendo que queria entender. Estou dizendo que olhando bem para o rosto dela e imaginando seus lábios e testa sem nenhum daqueles penduricalhos, eu talvez tivesse me demorado mais apreciando seus belos traços. Não há como não olhar, desviar, e depois olhar novamente. Mas depois, você não quer mais olhar. Quer apenas entender.

23.10.09

MAS É BOM DEMAIS

Quando você lê um livro e sabe que o que está lendo é ficção e mesmo assim sente o estômago revirar, não tenha dúvidas, quem o escreveu tem o dom da escrita e sabe contar uma história. Foi o que aconteceu comigo enquanto lia “Entre Rinhas de Cachorros e Porcos Abatidos” de Ana Paula Maia. Já nas primeiras páginas pensei que não agüentaria tamanha dose de realidade e violência. Por algumas vezes senti nojo e aflição, e me perguntei se deveria continuar a leitura. Tenho essa tendência de dizer ah não preciso disso e desisto. Mas o livro de Ana Paula é tão bom que você não consegue deixar de querer saber mais sobre a vida daqueles personagens. Uma gente que sabemos que existe, mas que fazemos questão de não ver, que faz o serviço sujo enquanto dormimos em nossas camas cheirosas, e que vive bem longe dos limites da dignidade. O livro é composto de duas novelas. Não saberia dizer qual é melhor. Os personagens da segunda, “O trabalho sujo dos outros”, Erasmo Wagner e seu irmão Alandelon me comoveram mais do que Edgar Wilson. A descrição do trabalho sujo e nojento que eles são obrigados a fazer e o paralelo sobre as relações pessoais é primorosa. A limpeza das caixas d’água e da fossa do restaurante da Dona Elsa é tão real que consegui enxergar a sujeira e sentir o cheiro fedido do lugar. Acho que as duas histórias dariam um bom roteiro para cinema. O livro é tão forte visualmente quanto sensorial. Li em dois dias, interrompia a leitura de vez em quando apenas para tomar um copo de água tônica, depois voltava para ele. Quero mais.

21.10.09

BASTARDOS

Os trailers que antecedem o filme “Bastardos Inglórios” na sala 5 do Cinemark do Pátio Higienópolis, são um teste para os nervos. Primeiro são muitos, mais do que o normal, aproximadamente 15 minutos se passam antes do início do filme, segundo, o volume do som é tão alto que te ensurdece e terceiro, somam uma seqüência de filmes com um grau de violência, sangue, destruição, terror e sei lá mais o que, que as facadas e estocadas do bastão de um dos bastardos é fichinha perto deles. Sobre os Bastardos, todo dia leio inúmeros elogios, e de fato é muito bom, por isso não vou me estender com mais elogios. Mas Excepcional mesmo é o trabalho do ator Christoph Walz que faz o papel do Coronel Hans Landa, perfeito, tempo, trejeitos, cinismo, olhar, gestos, Brad Pitt é um canastrão queixudo perto dele.

19.10.09

CANSAÇO REAL

Hoje logo de manhã fiquei em dúvida sobre se um pensamento que tive rapidamente depois de ler uma matéria de jornal era realmente apenas um pensamento ou uma premonição. Na verdade desejei que fosse uma premonição. Li no caderno Link do Estadão mais um lançamento de mais um recurso da web, um misto de e-mail com sala de discussão e comunicador instantâneo. Enfim uma ferramenta s-e-n-s-a-c-i-o-n-a-l que segundo a matéria vai mudar a vida das pessoas. Me deu um enjôo, uma vontade de mandar parar tudo que eu quero descer, uma preguiça m-o-n-u-m-e-n-t-a-l. A premonição/vontade/desejo foi a seguinte: o próprio mundo virtual vai cavar a sua morte, vai acabar provocando um suicídio por excesso de novidades e lançamentos. Tenho preguiça só de pensar sobre todos esses lançamentos que já não são mais diários, mas acontecem a toda hora.

18.10.09

GEOGRAFIA

Na página 399 e também na 400 do romance Kafka a beira-mar do Murakami encontrei um erro grotesco. O erro certamente não é do autor, mas do tradutor e também dos revisores. O dono de um estabelecimento está conversando com o personagem Hoshino e contando um pouco sobre a vida de Beethoven e a obra “Trio Arquiduque” do compositor. Ele diz: “...esta obra foi composta por Beethoven em homenagem ao duque australiano Rodolfo. Por causa disso ela é conhecida como “Trio Arquiduque”...” E ainda no mesmo parágrafo um pouco mais a diante: “...O duque Rodolfo era filho do imperador australiano Leopoldo II, ou seja, pertencia a realiza.” Não é preciso nem pensar muito a respeito, todo mundo sabe que o correto seria austríaco e não australiano. Não acredito que o erro venha do original. Se por descuido o tradutor traduziu erroneamente, os revisores têm que pinçar o erro. Editora Alfaguara! Se houver novas edições vocês têm que corrigir!

De resto o livro é extremamente bem escrito. O homem conta a “viagem” do Kafka Tamura com maestria e você não consegue parar de ler porque quer saber o fim da história. Livro longo, recheado de belíssimas metáforas, personagens ricos e cheios de vida.

16.10.09

REVELAÇÃO.

Um pensamento dominou meu dia: alguma coisa que eu não consigo definir ficou para trás. Não tem nada a ver com perder o trem da história ou com algo que eu deixei passar. Não. Tem a ver com mais um passo em direção ao que virá. Confesso não conseguir ainda entender bem esse pensamento, por isso mesmo resolvi escrever a respeito. Escrever me ajuda a compreender e organizar o quebra-cabeça que repentinamente me faz refletir. Mesmo assim. É mais uma intuição do que algo matemático, concreto. Talvez um ciclo tenha se fechado. Não é ruim, é bom, sei que é bom, mesmo sentindo um gostinho esquisito, um sabor estranho. Deixa estar. Vou levá-lo para dormir comigo. Vou tentar não pensar mais a respeito. Espero.

15.10.09

ISCA URBANA

Subia a Rua Padre João Manuel a pé desde a Alameda Lorena em direção a Avenida Paulista. Para quem não conhece ou não se lembra uma ladeira absurrrda para um ser humano que não é atleta olímpico como eu. Uma mulher que eu nunca havia visto se aproximou e me disse que agradecia muito ter encontrado um anjo da guarda no meio do caminho já que ela também subia a Padre João. Achei que ela fosse louca, mas não quis ignorá-la. Foi quando ela me pediu para ajudá-la, tinha duas sacolas cheias de livro e estavam muito pesadas, eu deveria carregar uma delas até a Av. Paulista. Olhei dentro da sacola para me certificar que dentro dela tinha livros mesmo e não outra coisa. Sei lá do jeito que as pessoas estão enlouquecidas ela poderia estar carregando um corpo esquartejado/drogas/uma cobra/pássaros exóticos. Eram livros mesmo. Pesavam uns trinta quilos. No meio do caminho ela me contou que era escritora, cientista social, e falou, falou, falou, falou, falou, depois respirou e falou, falou, falou, falou até chegar na Paulista. Lá em cima eu entreguei a sacola para ela que continuava a falar e falar e falar e falar e de repente segurou no meu braço para que eu não apressasse o passo e saísse correndo, me entregou um cartão, era amiga do Pedro, sabe o Pedro, o Pedro Herz da Cultura, então eu disse a ele que... Não esperei para saber o resto. Atravessei a rua e me distanciei. Achei que nunca mais ela fosse parar de falar e falar e falar e falar. Tenho que acreditar mais na minha intuição. Não posso me esquecer de que as primeiras impressões são realmente as verdadeiras, passou dessa fase vira ficção. Não sou peixe urbano para ser fisgado no meio da rua.

12.10.09

POR ARES E MARES DESSA TERRA

Ouvi dizer que Júpiter saiu para dar uma volta e a partir de hoje começa a sua viagem de volta para casa. Eu o espero de braços abertos.

Enquanto isso leio e escrevo, e de vez em quando penso. Em como o tempo não perdoa quem não embarca em sua nave sem função/câmbio marcha à ré. Uma nave que só anda para frente e atropela sem querer, mas querendo, os que não querem que ela siga o seu rumo. Porque é essa a função do tempo. Passar, avançar, vender a idéia de que embarcando nela ficamos mais próximos dos sonhos. Não se atreva a ficar parado. Não tem retorno, e os que perdem a viagem ficam com uma imensa sensação de injustiça que não serve para nada. A não ser como lamento para seu fundo musical.

Visitando outros blogs “caí” no do Gerald Thomas. Lá tem uma entrevista em que ele diz que vai parar de fazer teatro, que cansou, que acha tudo uma merda. Entendo. Será que incluiu no “tudo” algumas coisas que ele mesmo fez? Mas concordo com boa parte do que diz. Tem razão quando diz que não há nada de novo, apenas repetição, que faz parte de uma geração que só faz colagem e não tem saco para o que hoje é considerado arte. Penso o seguinte: a arte como ele entende realmente não existe mais. Engajamento é uma palavra que as novas gerações não entendem como ele entende. Engajamento requer uma porção de altruísmo, e altruísmo saiu de órbita. Mas para mim, arte é ainda o que pode salvar. E se não encontro na produção atual o que me comove/move, vou buscar no passado. Acho que o mais importante agora, onde todos nadam na superfície porque o importante é estar entre os que aparecem, e estar em evidência para os que nadam na superfície quer dizer o mesmo que fazer arte, é não esquecer que há vida abaixo e acima desse mar de gente/espelho. Pode ser uma minoria que se atreve a mergulhar e a voar, mas ela existe e é quem melhor consegue entender e fazer arte. Paciência. Siri esperto é aquele que quando a maré baixa volta para o seu buraco.

9.10.09

MURAKAMI MON AMOUR

Acho que um dos requisitos que fazem de um escritor um bom escritor, é a sua capacidade de contar bem uma história. Não basta apenas ter o domínio da língua em que escreve, ou a escolha de um bom tema, mas o que realmente o diferencia de muitos outros, é como ele conta sua história. Mesmo porque há séculos escritores de várias nacionalidades e diferentes personalidades escrevem praticamente sobre os mesmos temas. Cada um conta sua história de acordo com sua própria experiência ou crença, mas todos encontram no leitor ressonância individual. Estou falando isso porque estou impressionado com a maneira como Haruki Murakami conta suas histórias. O livro “Kafka à beira-mar” não é um livro para principiantes. Por vários motivos. Um deles porque ele não facilita ao leitor a descoberta rápida da história que pretende contar. Outro motivo é a forma dada a sua narrativa. Outro ainda porque a costura de todas as vidas que fazem parte da sua história é gradual, cheia de detalhes que vão sendo expostos sem nenhuma pressa. Aliás, pressa é o que um bom escritor não pode ter. Nem de começar e nem de terminar a história que ele quer contar. Voltando ao Murakami, estou feliz por ter descoberto seus livros. Eu os leio com um prazer que já não vinha tendo há muito tempo. Dentro de suas histórias há muitas outras histórias. Cada uma mais interessante que a outra, e referências a outros escritores ou compositores, sempre acompanhadas da opinião dos personagens. Um livro que quanto mais avanço, mais tenho a sensação de que cresço por dentro. Estou feliz de tê-lo como companhia nesse feriado.

8.10.09

SEM FIXADOR

Outro dia conversava com uma amiga sobre um sentimento de descompasso que tenho com freqüência. Entre o que sou e aprendi a cultivar, e o que está aí e se autodenomina novo. A sensação é a de que tudo o que vem não chega para ficar. Ou que mal chega e já se vai, não fica, não permanece. O efêmero como revestimento de qualquer produto, idéia, e até pessoa. Eu disse: “não dá nem tempo de digerir”. Ela respondeu: “não há o que digerir, não tem substância, já vem sem nutrientes.”

Reflito sobre a questão da sintonia entre intuição e coerência (que muitas vezes pode ser confundida com teimosia). Quando algo novo nos é apresentado, imediatamente há uma confrontação com o que já está assimilado e para nós é certo e seguro. O próximo passo é meio automático, a gente tem uma tendência a descartar o novo, então é preciso ser curioso para não desistir rapidamente. Tem que haver vontade de conhecer. A partir desse ponto, experiência se mistura com discernimento e razão, e a coisa é ou não aceita, excluída a teimosia que pode ser importante protagonista na desenrolar da experimentação. O que me parece cada vez mais freqüente é a quantidade de bobagens sendo produzidas e muito bem divulgadas pela mídia e por gente que as assimila imediatamente por que têm a necessidade de se sentirem fazendo parte. Discordo do argumento daqueles que alegam falta de tempo para pensar e fazer escolhas. Falta de tempo na maioria das vezes é sinônimo de falta de organização, ou vontade de ficar na superfície, ciscando aqui e acolá. Falta de tempo pode ser não querer se envolver.

Uma vez visitando o Egito, fui levado a uma fábrica que diziam ser criadora das fórmulas das melhores marcas de perfumes vendidos na Europa. Estava viajando com outras pessoas e não pude escapar dessa aventura que não me interessava. Trouxeram-nos vários frasquinhos, todos muito bonitos e de cores diversas e nos faziam sentir o perfume de cada um. Diziam “esse é Armani, esse outro é Saint Laurent, e blábláblá”. Algumas das pessoas que estavam comigo compraram os pequenos frasquinhos por preços infinitamente menores do que teriam que pagar nas lojas achando que haviam feito um grande negócio. Visitamos Cairo e depois seguimos viagem para a costa do mar vermelho. Lá ficamos por mais quatro dias. Antes de partirmos para nossas casas os conteúdos dos frasquinhos já não exalavam perfume algum.

7.10.09

HORÓSCOPO PERFEITO

Hoje você não sentirá o vazio dos outros dias. Seu dia será pleno de esperança. A criatividade estará em alta, a saúde perfeita, o trabalho será prazeroso e uma grande soma de dinheiro, tão gorda que vai resolver sua vida até o final do ano, será depositada em sua conta bancária. Falando em prazeroso, no amor, surpresas vão trazer o frescor há tanto ansiado, e apenas porque serão abundantes você terá um pouco de dificuldade para escolher, mas fará a escolha certa. De resto, toque a vida, porque no fim tudo dá certo.

5.10.09

INDIGESTO

Enquanto jantava assistia ao programa da Oprah Winfrey no GNT. Entre garfadas ouvi a divulgação do livro autobiográfico da filha do vocalista do “Mamas & the Papas”. Então a moça agora certamente com mais de 50 anos contou que entre os 18 e 29 anos fazia sexo com o próprio pai. Ela denominou o ato como “estupro consensual”. Para mim, se é consensual não pode ser estupro. Depois contou que cheirou cocaína a primeira vez ao 11 anos e que foi o pai quem lhe ensinou a injetar heroína e etc. Quando perguntada sobre se sabia o que estava fazendo, ela disse que sim, e ainda, que achava importante expor isso agora como forma de “se perdoar” e “dar a oportunidade a outras pessoas que estão sofrendo o mesmo, poderem se manifestar ou se rebelar”. Sei. Contou também que fez sexo com Mick Jagger, e que “puxa, não é qualquer um que já fez amor com Mick”. Bem. Não sei o que pensar. Ou sei. De qualquer forma fico pensando sobre o sentido de tudo isso. A moça que se diz limpa depois de ter passado um tempo na cadeia, me pareceu um pouco desmiolada como a maioria das pessoas que se auto promovem contando suas intimidades e expondo seus podres. O prazer estava presente. Olhava para a platéia como se pedisse aprovação por estar "abrindo" sua intimidade e por isso merecia aplausos ou coisa parecida. Chegou a agradecer o público quando depois de narrar um fato, o público riu.De qualquer forma, estava fazendo a divulgação de seu livro que foi baseado em sua vida, o que acho que era o mais importante para ela, não importando se a custas de passagens da vida que só dizem respeito a ela, o importante é aparecer no programa da Oprah e falar sobre o seu lixo. Só que falar sobre o seu lixo para um público de milhões é bem diferente do que para um analista. Talvez a sensação de seus pecados sendo revelados a milhões de pessoas lhe traga um alívio imediato. Tinha o prazer e o desequilíbrio estampados no rosto. Chorou, depois riu um sorriso que não conseguiu esconder sua histeria, depois se esforçou mais uma vez para nos convencer de que estava abrindo sua vida para ajudar outras pessoas. Não acredito. Não tenho o menor respeito por ela. Não por causa da relação incestuosa que teve com o pai ou de sua louca vida, isso pouco me importa, mas porque não estou mais suportando pessoas tão banais posarem de interessantes. Provavelmente seu livro vai lhe render milhões. E milhões de pessoas vão molhar as calcinhas ao lerem sua história de incesto. E daí?

4.10.09

QUESTÃO

A não ser que você sofra de Alzheimer, o tempo não é garantia de esquecimento de vivencias desagradáveis. O cérebro faz questão de não esquecer. Registra todos os acontecimentos com riqueza de detalhes, grava tudo nas profundezas do inconsciente e nos trapaceia. Faz a gente acreditar que não se lembra, e quando a gente menos espera, pronto, ele tira a vivencia desagradável de dentro da cartola e joga na nossa cara. O contrário também é verdadeiro. Lembranças agradáveis também passam pelo mesmo processo. Mas a tendência é a gente preservar os bons momentos. Os traumáticos é que são mais complicados, porque muitas vezes a gente só percebe que foram traumáticos quando eles ressurgem. E nos paralisam. Ou nem ressurgem num formato que a gente consiga reconhecê-los. Nesse caso a gente paralisa e desconhece a razão que motivou a paralisia.

Bicho racional é mais difícil de ser. Bicho que é só bicho é mais feliz. Corre quando está com medo e fica quando a situação é agradável. Só isso. Não tem esses registros duradouros que ressurgem como fantasmas. Ou será que tem e a gente ainda não descobriu?

Deserto é lugar onde poucos bichos conseguem sobreviver. Lugar sem muitas imagens externas e pouco habitado, quem nele habita e sobrevive, tem a imaginação fértil. Por questões de sobrevivência. E fé.

Importante é se exercitar. Ir e vir. Entrar e sair. Fazer de conta que os desertos não são desertos, mas grandes latifúndios a espera de cultivo.

30.9.09

SPUTNIK

Para quem leu o livro “Após o anoitecer” do Haruki Murakani e como eu achou que não era dos melhores, aí vai a indicação de “Minha querida Sputnik” do mesmo, que me fez mudar de opinião sobre o autor. “Minha querida Sputnik” é simplesmente um dos melhores livros que li esse ano. Por tudo. Pela construção e ritmo narrativo, pela bela história, e lógico, por me pegar de calças curtas e me surpreender. Fez-me esquecer do primeiro. Abriu meu apetite para os outros do mesmo autor.

Onde estão os bons filmes? Faz tempo que não entra um bom em cartaz.

Trabalho, trabalho e trabalho, e o cotidiano está mais chato do que costuma ser. Se não fosse o livro do Murakani, eu já teria virado um picolé.

27.9.09

PRESENTE PARA TODO MUNDO


Semana passada foi o aniversário da minha sobrinha, e como todos os anos, eu a presenteio com livros (queira ela ou não, o tio é teimoso, e acha que entre as dezenas de outras atividades super modernas as quais ela se dedica, se acomodar num sofá com um livro na mão pode até representar uma espécie de transgressão). E transgredir é o que o tio mais deseja que ela faça a partir dessa idade. Fui em busca do presente, dúvidas surgiram, o que dar e o que não dar, ela fez 14 anos e buscava algo que pudesse agradá-la, algum livro que a conquistasse desde o início. No tira e retira das prateleiras do setor infanto-juvenil da livraria encontrei o livro novo da escritora Índigo, “Um pingüim tupiniquim”. Refleti se deveria ou não comprar, porque talvez o livro tenha sido escrito para crianças com idade inferior a da minha sobrinha. Peguei o livro, li a orelha, admirei a linda capa, em seguida, como costumo fazer antes de comprar qualquer livro, comecei a ler a primeira página e aí não parei mais de ler. Comprei um para minha sobrinha e outro para mim. O livro é delicioso, em muitas passagens não consegui parar de rir com as idéias engraçadas e inteligentes da autora. Índigo tem um jeito de escrever que facilita a leitura e conquista o leitor de qualquer idade. O livro é leve sem deixar de falar de temas atuais. Inclui e mistura ecologia, idealismo, bicho de um tipo falando com bicho de outra raça, esquisitices humanas, greenpeace, Almyr Klink, e mais outras histórias que a cada novo capítulo o Orozimbo vai encontrando pela frente. Você se envolve e quer saber o que vai acontecer com aquele simpático pingüim. Não consegue e não quer ser interrompido enquanto viaja com ele. Uma delícia de livro, prova que uma história bem escrita e bem contada não exige classificação etária.

25.9.09

MUITA AREIA, POUCA OBJETIVIDADE

Não sou difícil de ser convencido. Seja qual for a questão, se o sujeito tiver um argumento que naquele instante é mais lógico que o meu e se ainda por cima sua idéia é inovadora e interessante eu me rendo facilmente. Difícil mesmo é me convencer de que basta mudar o ângulo da visão sobre o problema para ele deixar de existir. Não sou adepto da teoria de que tudo é relativo. Tenho uma tendência em analisar a coisa vestindo a pele de quem está fazendo o trabalho de convencimento, e é exatamente isso o que dificulta as coisas. Para o outro e para mim.

Por indicação de uma amiga, leitora voraz de qualquer coisa que caia em suas mãos, li o romance “No teu deserto” do escritor português Miguel Souza Tavares. Não conheço seus outros dois romances, sucesso de vendas, “Equador” e “Rio das Flores” então não posso comparar esse último com os outros dois. De acordo com a opinião de minha querida amiga, ela adorou os dois, por isso me recomendou a leitura. Se depender de “No teu destino” eu não vou ler os dois romances de sucesso. Não estou satisfeito. O romance se propõe a falar de amor, mas é tanto problema de alfândega e outras dificuldades que o casal protagonista é obrigado a experimentar e vivenciar durante sua viagem, que a história de amor acabou ficando em segundo plano. O que realmente importa perde espaço, entra aqui e acolá, na maior parte do tempo o leitor é obrigado a ler sobre a burocracia enfrentada pelo casal os problemas com fiscais de alfândega e policiais corruptos, o que desestimula a leitura. Não gosto de falar mal de nenhum livro, porque sei a dificuldade que é escrever, e o esforço e a dedicação necessária para a feitura de qualquer obra. Sinto muito.

22.9.09

ATREVIMENTO

De tempos em tempos a gente tem chance de assistir bons atores ou ouvir cantores com belíssimas vozes. É raro, mas acontece. Costumo ir ao teatro, e muitas vezes saio deles com dor de cabeça. Não sei por qual razão os atores tem que interpretar gritando. Não acho que berrar vá me fazer entender melhor uma peça. Na televisão isso também acontece, assista a qualquer capítulo de qualquer novela. Sem falar das peças onde o som que sai das caixas de som é tão alto que chega distorcido aos nossos ouvidos. Mas esse post não vai tratar de nenhuma peça teatral e sim de música. E de música erudita, clássica, antiga, romântica, como você quiser chamar, gênero constantemente decretado como morto, mas que nunca morre.

Feito o breve prefácio, vou para onde queria ir desde o inicio do post. Para a Sala São Paulo na apresentação da contralto Nathalie Stutzmann acompanhada pela pianista Inger Södergren. Rara noite. Porque não é sempre que se houve o ciclo de canções “A bela moleira” na cidade. Tenho alguns CDs dela interpretando outros compositores, Handel, Pergolesi e etc, gosto de sua voz escura e fechada, e estava curioso para ouvi-la numa sala tão grande como a São Paulo. Ouvia a terceira canção e precipitadamente achei que a escolha tanto da sala como do repertório não havia sido a mais correta. É que nas canções de tom muito baixo nas quais a voz da contralto soa muito grave, quase não consegui ouvir sua voz. E me arrisco a afirmar que o som do piano estava muito alto, ajudando a encobrir sua voz. Depois do intervalo, já mais solta e principalmente a partir de “Eifersucht und Stolz” a coisa fluiu e fez valer a noite. Não sou crítico nem pretendo ser, os comentários não passam de um atrevimento.

Antes que alguém me deixe um recado ou envie e-mail mal educado dizendo que tenho idéias ou gosto de “colonizado”, esclareço e instigo: a) por motivos diversos é fato que existem pouquíssimos talentos bem desenvolvidos e explorados dentro do universo da música erudita no Brasil, se duvidar, me prove o contrário dando exemplos e nomes e b) isso não quer dizer que não temos bons artistas ou grandes talentos, mas que investimos pouco e ainda temos uma visão “colonizada” da coisa.

Deixa a vida me levar, vida leva eu...

19.9.09

MATISSE NA PINACOTECA II

Ainda sobre a minha visita a Pinacoteca. A instalação/obra da Celéste Boursier me fez lembrar do livro “O culto da emoção” do Michel Lacroix, que comentei aqui que estava lendo. Em um dos ensaios ele fala um pouco sobre ter que recomeçar a cultivar o hábito de contemplar as coisas e tudo o que nos rodeia. Divide a emoção do homem contemporâneo em duas: a emoção-choque e a emoção-sentimento. Contemplar uma obra de arte pode enriquecer o homem interiormente, trazer a ele um diálogo consigo mesmo, e faz parte do que ele chama de emoção-sentimento. As imagens gravadas ficarão na lembrança, o sentimento entra no coração. Já a emoção-choque permanece na superfície, porque não tem continuidade, diminui logo que atinge o pico e outro acontecimento desvie a atenção do indivíduo. Não pude deixar de pensar em muitos dos visitantes presentes na exposição do Matisse. A pressa em absorver uma pintura, como se passar pela exposição fosse uma maratona e não um prazer. Por que é preciso fotografar um quadro com o celular? Ou fotografar o rosto de uma amiga ao lado de um dos quadros? Para que? Talvez porque o sujeito não consiga guardá-lo dentro de si. Por que não é possível passear pela sala de exposição sem falar no celular? Por que deve imediatamente comentar com o outro que está do outro lado da linha sobre suas impressões? Ele chama a emoção choque de prazer sem futuro. No momento da emoção tem-se uma comoção intensa, voluptuosa, mas que não tem registro. Enfim, pensei sobre isso ainda hoje, quase vinte quatro horas depois, mas achei que fosse necessário complementar ao post de ontem.

18.9.09

MATISSE NA PINACOTECA

Fui ver a exposição do Matisse na Pinacoteca. Sou suspeito para fazer qualquer comentário, porque já fui sabendo o que vinha pela frente e que iria gostar. A primeira vez que vi uma obra de Matisse foi em Washington, no museu de arte moderna de lá. Lembro-me de ter ficado fascinado com a exuberância das cores e a leveza dos traços. Eu era muito jovem e fazia a primeira viagem para fora do país. Depois disso vi algumas exposições/coletâneas dele em outros países e em França e não perco jamais a oportunidade de rever seus quadros. O ponto negativo nessa exposição, pelo menos hoje enquanto eu estava lá, é a presença de monitores de classes de estudantes que se aglomeram na frente dos quadros e falam muito alto prejudicando o visitante e atrapalhando o observador. Pedem para os estudantes sentarem no chão, exatamente na frente de uma das obras e começam a explicar o porquê disso e daquilo. Ruim, para todos os outros visitantes. Sou a favor de que se incentivem cada vez mais estudantes e crianças a apreciarem cultura nas suas diversas formas, mas então que se reserve um dia somente para escolas. O ponto positivo, evidente que são as próprias obras do Matisse. Mas tem mais um ponto positivo. Uma instalação no hall entre uma ala e outra da pinacoteca, que é de uma artista francesa chamada Céleste Boursier. A instalação/obra é composta por três piscinas onde louças francesas brancas em diversos tamanhos flutuam com o movimento da água, produzindo sons ao se chocarem umas com as outras. Repito, teria sido ainda melhor se pudéssemos ouvir os sons e observar as louças se movimentarem em silêncio, não na presença de tanta gente, mas como cada vez mais o silêncio é um artigo em extinção, faça o possível para visitar a exposição bem cedo.

17.9.09

VARIEDADES HUMANAS

Quando o assunto é gente meu humor oscila muito. Tem horas que tenho vontade de não me comunicar, não conhecer, horas em que a desesperança e o saco cheio é total. Outras vezes aprecio a comunicação e o bate bola com o próximo, quero ir ao encontro de outras espécies e acredito que estamos evoluindo. Não tem muita lógica, nem dependo dos movimentos lunares, mas é assim que as coisas acontecem comigo. Quando estou na fase da negação, prefiro ficar quieto, e quando estou na fase da crença vou para a rua trocar figurinhas.

Vi um casal de cegos, ainda muito jovens, trocando carícias. Observei o passo a passo de suas mãos se procurando e se encontrando, as bocas se tocando, o beijo carinhoso. Depois me senti horrível, um invasor de privacidade. No minuto seguinte deixei de me sentir invasivo. Argumentei para mim mesmo que eles não tinham me visto, portanto. Não. Sim. Não. Constrangedor.

Vi um sujeito dormindo no meio de muito lixo. Se não tivesse olhado fixamente, não saberia distinguir o lixo do ser humano.

Ouvi um pastor de rua solitário gritar ao mesmo tempo em que batia em sua bíblia, que o espírito santo está triste. Muito triste. Seu rosto estava desfigurado.

Fui testemunha de um sujeito que imitava o Michel Jackson na rua, e que interrompeu seu show para avisar uma senhora que fazia parte de seu público que um batedor de carteira estava prestes a roubá-la. O batedor fugiu e o show imediatamente recomeçou.

Hoje me senti bem no meio das duas fases, no lusco fusco entre a negação e a crença no ser humano.

16.9.09

ÖSTERREICH

Quem gosta de conhecer histórias e causos não pode deixar de ler o livro “O imitador de vozes” do Thomas Bernhard. Histórias curtas, mas nem por isso menos impactantes. Mesmo porque, para quem já leu algum livro dele, vai reconhecer nos pequenos contos aquela mesma maneira de narrar fatos como se eles não tivessem a menor importância, mas que no fundo demonstram toda a opressão do individuo quando confrontado com a sua condição e seu papel na sociedade em que vive. E num país como a Áustria, pequeno, com vilarejos de população bem reduzida, tudo isso fica potencializado e exposto.

14.9.09

HUMANOS

Uma das peculiaridades que diferem os seres humanos dos outros animais é a linguagem. A gente desenvolveu a fala, depois os idiomas, até chegarmos a essas múltiplas formas de comunicação. Podemos usar telefone, skype, msn, até por meio de telepatia a gente pode se comunicar. Depois de uma reunião como a que tive hoje de manhã, na qual todos os pressupostos para se chegar a um consenso estavam postos sobre a mesa, e o resultado foi um completo desastre exatamente por causa da falta de habilidade/vontade/disposição para se comunicar, chego a conclusão de que muitos dos seres humanos com quem lido não sabem fazer uso desse patrimônio. No meio da reunião tive muita vontade de rir quando me lembrei de uma visita que fiz ao zoológico há muitos anos. Rente a grade que servia para delimitar o espaço territorial do gorila, e querendo que ele saísse de dentro de sua caverna artificial, joguei um pedaço de pau que caiu há alguns metros de onde ele estava. Não levou nem um minuto, ele se levantou, pegou o pedaço de pau que eu tinha jogado e o arremessou de volta em minha direção.

12.9.09

INDEFESO

Hoje de manhã li meu horóscopo tanto na Folha como no Estadão. O primeiro previu que durante o dia eu me sentirei poderoso e com a auto-estima em alta, e que eu devo aproveitar essa onda durante o dia, porque a noite tudo vai mudar. O segundo afirma que estou sendo atacado, e que esse ataque acontece porque justamente as pessoas vêem em mim uma pessoa forte, por isso devo assumir essa força. Queria tanto que os dois astrólogos se unissem e combinassem as suas previsões. Porque mesmo que eu não os leve a sério, acabo me influenciando por elas. Podiam ter um comportamento mais corporativo, deveriam se unir pela classe, e fazer as previsões em conjunto para que não surgisse nenhuma dúvida depois da leitura. Eu continuaria não dando trela para eles quando a previsão fosse negativa, e acreditando em suas previsões quando elas fossem positivas. E acho também que deveriam assumir um tom mais pessoal, deveriam sempre fazer as previsões iniciando-as com “hoje, você caro aquariano”, ao invés de insistir com esse tom impessoal, generalizante.

Voltando para casa ontem no final do dia, compreendi de uma vez por todas que além de portar inúmeras idiossincrasias, sou também anacrônico. Vou conversar com meu analista a respeito. Se uma coisa tem a ver com a outra e se devem ser curadas. Porque passou pela minha cabeça que as idiossincrasias e os anacronismos podem ser parte inerente da minha personalidade. Temo pela minha personalidade, não quero de jeito nenhum que ela sofra se uma possível cura significar perdas. Dou o braço a torcer, mantê-las provoca inúmeros desconfortos, mas eu já me acostumei. Até gosto.

11.9.09

RETRATO EM PRETO E BRANCO

Transcrevo uma reflexão feita pelo personagem do Somerset Maugham do livro “O Destino de um Homem” sobre a vida do escritor.

“É um vida cheia de contratempos. Para começar ele deve sofrer a pobreza e a indiferença do mundo; depois, tendo conquistado uma parcela de sucesso, tem de se submeter sem protesto aos seus riscos. Depende de um público inconstante. Está à mercê de jornalistas que querem entrevistá-lo; de fotógrafos que querem tirar-lhe o retrato; de diretores de revistas que o atormentam pedindo matéria, de cobradores de impostos, de pessoas gradas que o convidam para almoçar, de secretários de instituições que o convidam para fazer conferências, de mulheres que o querem para marido e de mulheres que querem se divorciar dele, de jovens que lhe pedem autógrafos, de atores que desejam papéis e estranhos que pedem empréstimos; de senhoras sentimentais que lhe solicitam a opinião sobre assuntos matrimoniais, de rapazes graves que querem opinião sobre suas composições, de agentes, de editores, empresários, chatos, admiradores, críticos, e da própria consciência. Mas existe uma compensação. Sempre que tiver alguma coisa no espírito, seja uma reflexão torturante, a dor pela morte de um amigo, o amor não correspondido, o orgulho ferido, o ressentimento pela falsidade de alguém que lhe devia ser grato, enfim, qualquer emoção ou qualquer idéia obcecante, basta-lhe reduzi-la a preto-e-branco, usando-a como assunto de uma história ou enfeite de um ensaio, para esquecê-la de todo. Ele é o único homem livre.”

É isso. E tem uma passagem em que outra personagem diz que escritores são uma gente gozada. Ela descobre trechos da traição que cometeu contra o marido no romance escrito por ele. O marido/escritor relata a infidelidade da mulher no seu romance que depois se torna um dos seus livros mais vendidos. Interessante. Acrescento a tudo isso que ele falou sobre escritores, que escritores são também a esponja do meio onde vivem. Absorvem, filtram tudo com aparente indiferença, mas estão trazendo tudo para dentro de si. Se não for assim, não tem como transformar as percepções em palavras.

9.9.09

TRÓLEIBUS

Hoje voltei para casa de ônibus elétrico. Odeio usar a palavra adoro, mas adoro ônibus elétrico. Peguei ele porque queria comprar pão na padaria Aracajú, que fica exatamente na esquina da rua Aracajú com Maranhão e faz um dos melhores pães da cidade, e eu sabia que essa linha de ônibus passa por lá. Sentei no último banco, que é mais alto que todos os outros e você tem uma vista geral de dentro e de fora do ônibus. Ai que delícia. É silencioso, espaçoso, por mim só existiriam ônibus elétricos. Do meu lado esquerdo um rapaz com um layout modernésimo lia adivinhe o que? Guimarães Rosa. Do lado direito um outro jogava algum joguinho barulhento no celular. Na minha frente bancos onde quem senta obrigatoriamente olha para quem está sentado no último banco, isto é, são invertidos e os passageiros dão as costas para o motorista. Num deles um casal de meninas se beijava apaixonadamente. E continuou se beijando apaixonadamente, sem se desgrudar nenhum minuto até o ponto em que eu saltei. Devem estar com as bocas inchadas. Nada mais interessante que observar rostos, trejeitos, modos de vestir e de se comportar das pessoas. Como por exemplo, o senhor já de idade avançada que tinha um tique nervoso, o de a todo instante limpar a manga do pulôver no nariz, ou será que ele limpava o nariz no pulôver? Não sei, agora me confundi. Também não sei se ele estava nervoso por causa das meninas ou o tique nervoso era antigo. E tinha também um garoto especial, que não parava de perguntar a mãe sobre tudo que ele via na rua com uma freqüência e insistência tão absurda, que a mãe decidiu tapar a boca dele com a mão. Não adiantou, ele continuou perguntando mesmo sob a pressão da mão de sua mãe na sua boca, e como todos nós passageiros começamos a rir da situação, ele achou mais graça ainda no que fazia. A sensação era a de que lá dentro o tempo era outro. Diferente daquele onde eu me encontrava um pouquinho antes de entrar no ônibus e me sentar. Desci, comprei meus deliciosos pães, e para completar meu nostálgico fim de tarde ganhei do meu padeiro preferido um docinho chamado toicinho do céu.

7.9.09

PODERES

Há uma energia que eu desconheço. Que de repente me incita a querer. Vou chamá-la de energia subversiva. Porque ela me desperta. Me tira do lugar confortável em que me acomodei, e subverte a ordem que me orienta. Então me desoriento. E me sinto forte. E sou naquele instante um ser desorientado, mas sou o que quero ser, e tenho o que quero ter, e realizo mesmo que apenas na imaginação, todas as minhas vontades. Enquanto possuído por essa energia subversiva, sei que não sou o que penso ser, mas sou, e estou, e quero ser e estar. Sem ela me desconheço. Me oriento. Não sei o que sou, e penso ser, e não estou, e não quero estar.

Quando não tiver mais jeito, então vou preferir pensar que é preciso estar muito distante para se estar perto, e muito só para se descobrir amado.

6.9.09

MILAGRE

Na dúvida fui. Viajei. E já estou de volta. Foi bom para mudar de ares. Mas é bom estar novamente em casa. Nesses três dias entre longas cochiladas e curtas caminhadas li “O Destino de um Homem” de W. Sommerset Maughan. Não vou falar das qualidades do livro que é muito bom, nem fazer o resumo do mesmo, mas de um pensamento que durante toda a leitura ficou me espezinhando: tudo já foi escrito, falado, debatido, romanceado, historiado, e mesmo assim escritores continuam a escrever sobre as mesmas coisas. No fundo as histórias se repetem, já se escreveu exaustivamente sobre amor, ódio, guerra, paz, vaidade, orgulho, mentiras, triângulos amorosos, traição, e tudo o mais que você estiver se lembrando neste exato momento e eu me esquecendo. Lógico que cada autor escreve de um jeito e de acordo com sua vivência e intenção de contar a história, mas no fundo acredito que tudo já foi dito. E mesmo assim, a gente lê, se emociona, se decepciona, têm sobressaltos de alegria ou tristeza e não larga o livro enquanto não terminar de ler a última página. Um milagre que se repete e quase ninguém dá a devida importância.

3.9.09

DÚVIDA

Com o feriado batendo na porta, a vontade de sair da rotina e mudar de ares começa incomodar. O sinal de alerta imediatamente é acionado. Viajar pode ser bom, mas ficar na cidade esvaziada pode ser melhor ainda. Estradas e praias cheias, congestionamento, fazer malas e etc... perdem espaço para restaurantes vazios, cinemas sem filas, e ruas descongestionadas. Mas o tempo está bom, e pagar uma praia, grelhar e descansar na rede lendo um livro pode ser uma excelente alternativa para o final de semana prolongado. Por outro lado acordar mais tarde, sair para caminhar e visitar algumas exposições não seria menos interessante. A lista de argumentos a favor e contra aumenta e paralisa. É preciso decidir. O tempo passa. E, além de tudo isso, a previsão climática no jornal não está batendo com a da internet. Que sacanagem! É aí que está pegando, e se a gente viajar e o tempo mudar? E se a gente ficar e o tempo continuar com cara de praia?

1.9.09

O MELHOR LUGAR DO MUNDO

Pedi uma sugestão de xarope para o sujeito que me atendeu na farmácia. A resposta foi, nós estamos proibidos de fazer qualquer tipo de sugestão a clientes. Então tá. Eu vou mencionar alguns nomes de xaropes que conheço e você me diz qual é o melhor, está bom assim para você? Tudo bem. Então citei uns quatro ou cinco. Três deles não são mais produzidos e dois deles não servem para o que o senhor está precisando. O que fazer então? Vocês têm um farmacêutico de plantão? Não senhor. Outro dia eu também estava com tosse e tomei o xyz e funcionou. Mas eu não posso indicar, se o senhor me disser que quer experimentar tudo bem, mas eu não posso prometer. Já entendi. Me dá esse que você tomou então. Parece ficção, mas não é, e foi o diálogo que tive com o vendedor da farmácia para comprar um xarope. Até pouco tempo a gente media a pressão, tomava injeção e conseguia ter um diálogo razoável com o balconista da farmácia, mas agora é assim, eles não podem mais sugerir nada, nem fazer nada, só estão ali para vender o que você pedir.

Hoje mandei um e-mail para a prefeitura de São Paulo reclamando da imundice do “entorno” do meu bairro. Coloquei a palavra entorno entre aspas porque eles adoram usar esses termos, entorno, antes usavam arredores quando queriam falar sobre lugares próximos, mas agora usam entorno. Pois deveriam vir aqui nos arredores de Sta Cecília, Barra funda, Higienópolis, e visitar todo o entorno, começando pelas ruas próximas da estação Marechal do metrô para ver com os próprios olhos o lixo e a imundice. Tragam vassouras, Prefeito Kassab, o senhor que tem ótimas iniciativas, como a idéia da cidade limpa, que tal distribuir vassouras para a população moradora de rua poder limpar o lixo acumulado nas calçadas. Há vinte metros da entrada do meu prédio hoje de manhã tinha uma moça dormindo entre um latão de lixo e outro, no “entorno” dela havia muita sujeira, montes de sacos plásticos, e uma plantinha ressecada. Não é mais uma pessoa. Não é um animal. Não é nada. Está ali, e poderia ser qualquer coisa, menos gente. Gente não pode ser tratada desse jeito. Não. Não acho que tudo seja culpa do poder público, mas que ele é ausente, ah isso é. Porque senão a cidade onde moro seria diferente.

Hoje li no Estadão que os moradores dos jardins, lá onde duas ou três mansões foram assaltadas nos últimos dias, se organizaram e estão pedindo reforço policial e ronda vinte e quatro horas nas ruas do “entorno”. Parece que já foi providenciado pelo subsecretário ou sei lá quem for. Será que alguém poderia avisá-los que não adianta só se organizar para se proteger? Aqui onde moram classe média e congêneres, ninguém se organiza para nada, a não ser para imitar os péssimos exemplos de seus vizinhos dos jardins. Aqui se sonha em ficar mais rico e poder ir morar num outro prédio onde o muro é mais alto, tem porteiros capangas que usam óculos paraguaios raybans e se comunicam com radinhos para abrir os portões das garagens ou das gaiolinhas, quadrado onde os visitantes e moradores devem se identificar para receberem permissão e entrar na própria residência. Uma vizinha me disse é chique e valoriza o imóvel. Para ela tudo bem sair do prédio e dar de cara com a moça/lixo dormindo na calçada, ela nem enxerga a moça/lixo, já que quase nunca anda a pé, o que importa é a segurança interna do prédio. Vou me internar.

31.8.09

FORA DE LUGAR II

Hoje voltando para casa, vi um casal se bolinando sob um cobertor imundo no meio da rua. Além da má aparência e da sujeira do próprio casal, o colchão, o que circundava os dois, a calçada, tudo ao redor era lixo e fedia. Indignação? Imagina! Fico indignado com outro tipo de coisa. Fumantes subversivos, leitores de poesia, gente que tem opinião própria, isso sim ainda consegue me deixar indignado.

Estou lendo dois livros que estão me dando muito prazer. Um deles é “Pequeno Tratado das Grandes Virtudes” de um filósofo chamado André Comte-Sponville. Um livro que aborda temas bem incômodos. Moral, ética, compaixão, humildade, enfim, está mais para um livro de história do que para filosofia, porque tudo isso já faz parte do passado para muita gente. O outro se chama “O culto da emoção” de Michel Lacroix. São ensaios que falam sobre o novo homem (me divirto com essas classificações). Ensaios que tentam nos esclarecer por que somos o que somos hoje.